Como esperado a PEC do Voto impresso foi arquivada na Câmara: somente 229 deputados, dos 308 necessários foram a favor dela.
Na verdade, não há qualquer mal em ser a favor da impressão dos votos, como também nenhum demérito em manifestar-se contra, pois é assim que funciona a democracia. O grande problema é manter o conflito, como fez o Presidente, mesmo depois da reprovação da PEC pela Câmara.
Nessa votação evidenciou-se mais uma vez o extraordinário talento do Presidente para embarcar em canoa furada. Se ele não tivesse entrado no debate da forma espalhafatosa como fez, provavelmente a PEC teria sido aprovada pelos deputados.
Essa inaptidão inata para o diálogo, o gosto pelo confronto e o destempero incontrolável do presidente estão aproximando o País de uma crise perigosa. Tanto é verdade que o governo americano, prevendo uma possível desestabilização democrática, na terça-feira passada emitiu um alerta através do diretor sênior para o Hemisfério Ocidental do Conselho de Segurança Nacional, Juan González, pedindo sensatez aos guardiões das instituições do Brasil, como informa o jornal Valor Econômico.
Mas o rompimento democrático só acontece pelo poder dos tanques, aqueles mesmos fumacentos que as Forças Armadas exibiram em Brasília, a mando do Presidente.
Este detalhe – imposição do regime pelas armas – tem causado alguma preocupação também internamente, pois embora a possibilidade de rompimento tenha aparecido com recorrência na imprensa brasileira, não se percebe uma posição categórica contra ela, vinda de quem tem o poder de instalar ou reprimir a ditadura – Exército, Aeronáutica e Marinha.
A ditadura às vezes seduz alguns que estão desiludidos com os políticos e com a justiça, e a outros que temem a instalação do comunismo no País. Esses desconfortos e temores, quando fomentados pela atual difamação planejada do processo eleitoral e pela desconstrução do conjunto institucional, têm o poder de contagiar os mais afoitos. Nesse cenário os ânimos se exaltam e os eleitores buscam soluções onde só podem encontrar problemas.
É provável uma boa parte dos eleitores do Presidente Bolsonaro estão dispostos a segui-lo em uma aventura politicamente disruptiva, se ele perder a eleição de 2022. Não importa se com voto impresso ou urna eletrônica, porque essa história de fraude eleitoral não passa de desculpa para eventualmente melar o jogo. No caso do Lula ganhar a eleição, penso que as forças armadas é que decidirão o destino do País. Se elas decidirem manter o resultado das urnas, mesmo com a vitória do PT, segue a democracia. Se não, começa outro período de ditadura que pode durar mais 20 anos.
É bom lembrar que as democracias na América do Sul e Central, tal qual as do Oriente Médio são muito frágeis e precisam ser cuidadas com muito zelo para não descambarem para autocracias.
Autocratas ocasionalmente assumem o poder a pedido do próprio povo que irá oprimir. Pessoas fragilizadas pela pobreza ou pela desilusão são presas fáceis para ditadores oportunistas. Mas, no Brasil, se a ditadura acontecer neste momento, não será pela vontade dos mais pobres nem dos desiludidos, mas pela ação dos que estão satisfeitos com o atual governo. Estes, estimulados pelo Capitão, vão manter o discurso da fraude eleitoral se perderem em 2022, mesmo contra todas as evidências contrárias.
Renato de Paiva Pereira – empresário e escritor