Uns têm a vista da Torre Eiffel. Uns tem a pedra da Gávea. Eu tenho minhas paredes. E garanto que sou mais feliz. Meu escritório tem 1,50 de comprimento por 75 centímetros de largura. Esse é o meu lugar no mundo. Ali perco horas olhando para os tijolos, fumando, escrevendo, lendo Manoel e Eisenstein. Sim, meus amigos, ainda existem fumantes. Ainda existe quem acredite na cultura. Ainda existe paradoxo. Ainda existe quem leia Eisenstein. É nesse espaço que me dou o direito de não fazer nada. Construí num cantinho perdido, entre o quarto das crianças e a lavanderia.
Se é que podemos chamar de lavanderia, um tanque e uma lavadora de roupas. Uma ideia, no mínimo, ousada. Nos meus 279 tijolos tenho a primeira edição dos Irmãos Grinn, roubado da minha esposa que ganhara de seu Bisavô, um exemplar original do livro Aldous Huxley, Admirável Mundo Novo, emprestado de uma amiga que morava em Londres, e outros 187 livros roubados de mim mesmo, uma tela da Ruth Albernaaz, Outra tela do meu Tio Jonas Barros, duas telas do meu filho, 76 Lp´s, que vão de Chico a Os Três Xirus, uma vitrola velha, dezenas de brinquedos do meu primogênito e incontáveis caixas pequenas fechadas, tradicionais quando você muda para uma casa metade do tamanho da casa em que você morava antes. Mexo numa caixa pequena, que estava mais abaixo. Encontro uma foto que não lembrava, mas, há muito, procurava. Meu pai, meu tio e, entre eles, minha tia Sueli. Os 3 Manteufel. Os filhos de Dona Dalila e Seu Edvino. Inevitável a lágrimas nos olhos. Faz apenas dois meses da passagem do meu pai. Aliás não consigo escrever sem ele, pois escrevia para ele. Pensei em voltar ao meu luto escretivo, mas de relance a porta se abre.
É Maria. No auge dos seus 12 meses, entra disparando pra mim:
– Papapapap, papapapa, papapappa. – E dá um tapa no meu computador.
Joãozinho chega voando atropelando tudo do seu jeito, e senta no meu colo.
– O que que você está fazendo, pai? Vamos jogar cartinha Pokemon?
De certa forma entendi o recado. De certa forma, ele me deu o recado. Ele também estava ali. Com toda razão, ele que me deu a chance de poder viver este momento. Não tem como abdicar dos sentimentos. Não tem como abdicar as palavras. Meu pai foi representante de tudo do melhor na minha vida, e vejo em Maria e João a evolução. Flor chega logo atrás, com a pergunta corriqueira, mas que teve a mesma resposta de sempre, agora ainda com mais perseverança:
– João, bem que a gente podia construir outra coisa aqui. Ninguém usa!
– Não, amor… não vamos construir um outro banheiro no lugar do meu escritório.
Ela me dá um beijo e um sorriso, como quem perdeu a batalha mas não a guerra. Põe as crianças para correr. Dou um sorriso. A vida continua, não com a mesma graça, não com a mesma segurança, não com os mesmos domingos, mas seguimos em frente.