Política

Vinte prefeitos abandonam vida pública em Mato Grosso

Os meandros da vida política e da gestão pública têm seus desgastes, que levaram 20 prefeitos em Mato Grosso a não estender a experiência para além do atual mandato. O número é da Associação Mato-grossense dos Municípios (AMM). As dificuldades de lidar com burocracias, negociatas e tentativas de cooptação para o crime são apresentadas por eles como motivos de suas decisões. São vícios no âmbito do País que não vão ser resolvidos em um horizonte visualizável, pois dependem da concentração de boa vontade. Ou seja, passa pela política.

A mais citada refere-se a um problema que vem se agravando nos últimos anos por causa do aumento da população, redução de repasses da União e a baixa arrecadação dos municípios. A conta chega, mas não há dinheiro para pagar.

O problema é apontado pelo prefeito de Porto Alegre do Norte, Emival Gomes de Freitas (PSD).  Segundo ele, a escassez de recursos afeta principalmente os serviços de saúde pública, que possui demanda crescente.

“Tive muito problema com a Saúde aqui no município porque é um setor que sempre tem gente para atender e a prefeitura não tem caixa para fazer frente ao que é necessário. O governo federal lança programas, mas não tem retorno para os municípios. A gente precisa dar conta de serviços para os quais não tem apoio e nem recurso para aplicar. Quando chega o dinheiro do governo, só dá para pagar o médico, e existem outras coisas no posto de saúde”, comenta.

Ele reclama ainda de interferências de outros Poderes na gestão do Executivo, sem levar em conta a viabilidade de execução de ordens judiciais. “Há na Saúde, ainda, a falta de medicamento. Por causa disso, o Ministério Público entra na Justiça para mandar a prefeitura comprar remédio, mas não há dinheiro. Você desloca o recurso de outro lugar para cumprir a ordem e depois é condenado por isso”.

A burocracia da gestão pública também é apontada pelo prefeito Érico Piana (DEM), de Primavera do Leste. Em seu quarto mandato, o democrata diz que a crise que se instalou no País em 2015 piorou um cenário que já estava precário. “Existe uma grande defasagem entre as demandas da Saúde e a situação de arrecadação dos municípios. A demanda por serviço público é crescente nas áreas de saúde, segurança, educação, por exemplo, mas a arrecadação não tem suporte para realizar os serviços. A Saúde Pública precisa urgentemente ser pensada, é preciso fazer o modelo”.

Herança de governos anteriores

Para o prefeito de Alto Boa Vista, Leuzipe Gonçalves (PMDB), a herança de pendências de governos anteriores é outra situação de entrave da gestão pública. “Foi lançada uma obra aqui em Boa Vista de R$ 3,5 milhões para distribuição de água, mas o dinheiro acabou e a obra está parada, sem previsão para retornar, enquanto isso eu gasto [a prefeitura] R$ 100 mil por mês para abastecer poços artesianos. Detalhe: a obra já tem mais de 12 anos”, conta.

Ele diz que os atrasos no repasse de parcelas de fundos é mais um complicador que engrossa a lista de dificuldades dos municípios em gerir suas próprias demandas. Segundo balanço do Fundo Nacional da Saúde, de 2001, o ano mais afastado no tempo com números disponíveis para consulta, até o fim de 2015, os repasses distribuídos em Mato Grosso, da União e do governo estadual, aumentaram 798%, considerando apenas os recursos destinados para a área da Saúde.

Há 15 anos, o montante ficou em R$ 124.435.223, e subiu para R$ 1.118.247.500 no ano passado. Se forem levados em conta somente os valores de fundos estaduais, a variação é de 2112%, no mesmo período. Estava em R$ 11.452.567, em 2001, e chegou ao teto de R$  253.370.161 no ano passado. É preciso ressaltar que as distribuições são realizadas por volume do Produto Interno Bruto (PIB); quanto mais a economia se movimentar no período, gerando riqueza, maior será a parcela de retorno.

Referente a 2016, balanço divulgado no fim do primeiro semestre pelo Tesouro Estadual mostra queda de 10,67% na comparação com igual período de 2015.  Mesmo as receitas que cresceram, tiveram margem abaixo da inflação- o Fundo de Participação do Estado (FPE) teve aumento de 5,2%; Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), 6,7%; o Sistema Único de Saúde (SUS), 4,3% e o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), de 2,1%.

Prefeitos reclamam de “sujeira” e “irresponsabilidade”

O prefeito de Juara, Edson Piovesan, havia trocado de partido no ano passado para montar sua possível campanha para as eleições deste ano; saiu do PPS para entrar PSDB, sigla que tem sua figura mais representativa, em Mato Grosso, no governador Pedro Taques, para se alinhar a grupos que possibilitariam o lançamento de sua reeleição. No entanto, no começo de 2016, o cenário mudou, com o surgimento de um novo nome para a disputa, que hoje concorre ao cargo no município.

O também tucano Leuzipe Gonçalves, prefeito de Alto Boa Vista, reclama de “sujeita política”, pois situações corriqueiras podem ser complicadas por falta de “governabilidade” – em outras palavras, os correligionários da oposição, na gestão pública ocupantes de cargos no Legislativo, dificultam trâmite e procedimentos para administração pelo Executivo.

Fatos comuns na política brasileira que para eles contribuíram para a desistência de continuar a vida pública. “As decisões políticas são feitas de acima para baixo, então você precisa acatar ou simplesmente aceitar passivamente, pois não tem nada a fazer. Mudei de partido para tentar candidatura de reeleição, mas a situação mudou no âmbito estadual, o PSDB passou a apoiar outro nome”, diz Piovesan.

Os tucanos seguem o alinhamento do partido com PSB em Cuiabá, que formaram coligação para eleger Wilson Santos. Em Juara, a ex-deputada Luciane Bezerra (PSB), é o nome defendido em campanha do grupo.

“Se afastar da vida pública para manter a decência”

Em Alto Boa Vista, o prefeito Leuzipe Gonçalves afirma que chegou a receber proposta para participar de esquema de fraude para desvio de dinheiro público. Como, segundo ele, não aceitou, a sua administração passou ficar mais travada. “No Poder Público tem muita gente que só ganha dinheiro e não trabalha, e quando você tenta fazer algo decente, dificuldades são colocadas para você lidar com a demanda”.

A alternativa, eles dizem, é se afastar das coisas públicas para “manter a decência”. A controvérsia da cultura brasileira.  Atrelado a essa situação, Piovesan diz que a falta de responsabilidade no serviço público é outro fator que corrompe a política no País. “Há muitas pessoas dentro do Poder Público que não estão preocupadas se estão fazendo bem seu trabalho ou não, não pensam que as coisas precisam de comprometimento com elas para andar. Juntando-se a burocracia, a situação é desoladora”.

Leuzipe Gonçalves diz que são “regras” historicamente identificáveis no País e quem chega deve se adaptar ao que já existe.

Mendes desiste alegando questão familiar e  crise empresarial

O atual prefeito de Cuiabá, Mauro Mendes (PSB), anunciou recuo na campanha de reeleição no dia 4 de agosto, um dia antes do fim de prazo para realização de convenções partidárias, pegando todo o grupo político e os próprios eleitores de surpresa. Em sua declaração, disse que o motivo foi apelo familiar para se afastar da vida pública.

A primeira-dama Virginia Mendes publicou à época, em seu perfil em rede social, um texto em alusão aos pedidos da família para Mauro recuar em disputa.  “A gente avisa que vai cansar, a gente avisa que está cansando […] Aí a pessoa se assusta, percebe que falta de aviso não foi e que uma pessoa cansada não volta atrás”.

Fora a versão oficial, Mauro Mendes enfrenta processo de recuperação judicial estimada em R$ 102 milhões do Grupo Bipar, presidido por ele e formado pelas empresas Bipar Energia, Bipar Investimentos & Participações, Mavi Engenharia & Construções e Bimetal Indústria Metalúrgica.

A recuperação foi deferida pela Justiça estadual em setembro do ano passado. O diretor do grupo, Luis Nespolo, disse que as empresas sofreram esvaziamento de crédito bancário após o gabinete do prefeito ser revistado pela Polícia Federal dentro da Operação Ararath, deflagrada em junho de 2014. Era investigado um empréstimo de R$ 3,2 milhões que Mendes tinha feito de uma empresa de combustível. 

No cenário político, a mudança de posição levou o grupo encabeçado pelo PSB e pelo PSDB a escolher candidato de emergência, o que foi dificultado pela rejeição de convite pelos nomes mais cotados, como o deputado federal Fábio Garcia, o ex-secretário Gilberto Figueiredo pelo impedimento do empresário Dorileo Leal, presidente do Grupo Gazeta de Comunicações. O deputado estadual, Wilson Santos – que disputou, com Mendes, a prefeitura em eleições passadas – foi escolhido para liderar a chapa.

Mendes disputou o cargo da prefeitura pela primeira vez em 2008, quando estava filiado ao PR. Em 2012, voltou a lançar campanha, já pelo PSB, dessa vez ao governo do Estado. Em 2012, ele, de novo, entrou na disputa para o Palácio Alencastro e conseguiu vencer.

Prefeito defende modelo técnico para gestão pública

Eleito para o cargo em 2012, o prefeito de Juína, Hermes Bergamim (PMDB), afirma que conseguiu fazer o que estava a seu alcance durante os quatro anos de mandato e por isso não vai à reeleição. Ele cita a Copa do Mundo e as investigações que culminaram na investigação de figuras políticas no País como exemplo de comportamento que emerge a atual situação da estrutura de governo no Brasil.

“Existe cabide de empregos. A ex-primeira-dama [de Juína] é concursada na cidade, outro parente de prefeito anterior também tem cargo público. São exemplos de lotação de parentes em cargos públicos”.

Ele defende maior atuação do Ministério Público na fiscalização de gestores públicos como modo de cobrar o cumprimento da legislação administrativa. Também diz que os próximos passos do País é realizar reformas tributária e jurídica.

Para Bergamim, a estrutura de poder precisa passar por reformas para um modelo mais técnico de administração. Ele diz que o aspecto político da gestão pública é o maior entrave para a governabilidade. 

“A prefeitura precisa ser administrada como uma empresa, com ordem de quem faz, de quem comanda. Não pode ser um lugar onde qualquer um manda e faz o que quiser”, comenta.

Reinaldo Fernandes

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