Foto: Ahmada Jarrah / Circuito MT
A empresa vencedora dos registros de preço 002/2015 e 005/2015, ambos da Secretaria de Estado de Gestão de Mato Grosso (Seges-MT), é ré em ação civil pública proposta pelo Ministério Público Estadual de Mato Grosso (MPE). Com o objetivo de entender o teor da ação, a equipe do Circuito Mato Grosso se dirigiu ao Tribunal de Justiça (TJ-MT), pois o processo disponível para consulta no site da instituição aparecia de forma muito resumida.
Para nossa surpresa, um dos apensos – anexos que compõem o litígio principal e que por si podem também representar outra ação – estava sob segredo de justiça, o que impediu que tivéssemos acesso ao teor do processo 364/2008, que tramita na vara especial de ação civil pública e ação popular do TJ-MT.
Os registros de preço 002/2015 e 005/2015, da Secretaria de Estado de Gestão, referem-se a uma precificação de um serviço que pode ou não ser contratado pelo Poder Executivo. No caso em questão, trata-se de um agenciamento para fornecimento de passagens de ônibus que realizam viagens interestaduais, no caso do primeiro, e bilhetes que possibilitam o deslocamento para cidades dentro de Mato Grosso, para o outro.
Nos dois negócios propostos pelo Poder Executivo, 002/2015 e 005/2015, a vencedora do registro – cujo critério adotado foi “o maior percentual de desconto”, ou seja, a empresa que oferecesse maior abatimento no valor de face dos bilhetes sairia com vantagem – foi a Agência de Viagens Universal Ltda., tanto para os tíquetes intermunicipais quanto interestaduais, que é de propriedade de Horácio Teixeira de Souza Neto.
Ocorre que a Agência de Viagens Universal Ltda. já é velha conhecida do Ministério Público Estadual (MPE) e do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJ-MT). A empresa é um dos réus do processo 35791 do TJ, uma ação civil pública proposta pelo MPE e que tramita desde 1998, mas que ainda não obteve decisão de nenhum magistrado. A ação civil pública pretende responsabilizar por ato de improbidade administrativa (corrupção) e pede ainda a indisponibilidade de bens dos envolvidos.
Em contato com a assessoria do TJ-MT, a equipe do Circuito Mato Grosso apurou que não existe prazo para a decisão do juiz, embora se trate de uma ação que transcorre há mais de 17 anos, mas que justamente por isso “deverá ter prioridade no julgamento assim que confirmada a sentença”, segundo informou o órgão.
Histórico de contratações
Numa pesquisa simples feita no site da imprensa oficial do Estado de Mato Grosso (Iomat), encontramos uma lista de contratações da Agência de Viagens Universal Ltda. com o poder público. A primeira delas data de 1994 e é referente ao vencimento da tomada de preço 009/94, que versa sobre aluguéis de veículos à prefeitura de Cuiabá. Nos anos seguintes, contratos foram firmados, como o 004/95/CAD/Sefaz, que previa o fornecimento de 40 passagens aéreas e outras 500 terrestres. No mesmo ano, a empresa fechou outro contrato com o Governo do Estado, o 011/95/CAD/Sefaz.
Existem outros registros de contratação na década de 1990, como no contrato 018/95, firmando entre o Instituto de Defesa Agropecuária do Estado de Mato Grosso (Indea-MT) junto à agência, no ano de 1998, cujo valor foi de R$ 250.000,00. Mas não só ele. Desde que realizou a parceria para aluguel de veículos com a prefeitura de Cuiabá, em 1994, a agência tem tido sorte no fornecimento de passagens, vencendo várias tomadas de preços e fechando contratos em todos esses 21 anos.
Reincidência
O envolvimento da Agência de Viagens Universal Ltda. com a justiça não é recente. Em 2013, a justiça estadual aceitou as acusações do Ministério Público contra o ex-presidente do Instituto de Defesa Agropecuária do Estado de Mato Grosso (Indea-MT), Décio Coutinho.
Coutinho foi acionado na justiça por irregularidades na execução do contrato de prestação de serviço nº 004/2013, firmado entre o Indea e a Agência de Viagens Universal Ltda. referentes à licitação nº 007/2003, cujo objeto também era o fornecimento de passagens.
O MPE afirmava na ação que o contrato foi aditivado sete vezes, passando do valor inicial de R$ 136,4 mil para R$ 834,1 mil e que foi pago o valor de mais de R$ 1,2 milhão à empresa sem a cobertura contratual.
Apesar das evidências de envolvimento e má utilização de recursos públicos, o juiz Luís Aparecido Bertolucci Júnior absolveu o proprietário da agência, fato que possibilitou à agência participar de pelo menos mais outros dois processos licitatórios de fornecimento de passagens para o poder público envolvendo novamente o Indea.
Um deles refere-se ao extrato do contrato nº 034/2010-Indea para o fornecimento de passagens terrestres intermunicipais num período de 12 meses. O custo do serviço foi precificado em R$ 400 mil na época.
Quatro anos depois, o extrato do contrato 015/2014, publicado no Diário Oficial do dia 28/07/2014, dava conta de outro serviço contratado pelo Indea para fornecimento de passagens aéreas, com vigência de 12 meses e valor de R$ 150 mil.
Outro pregão presencial, 062/2013/SAD, tinha como objeto a contratação de empresa especializada para Prestação de Serviços de Agenciamento de Fornecimento de Passagens Interestaduais Terrestres, no valor de R$ 4 milhões. A Agência de Viagens Universal também foi a vencedora dela.
Assim como na reportagem que denunciava o registro de preço suspeito, publicado na edição 540 do Circuito Mato Grosso (ver matéria abaixo), chama a atenção também nesse caso um valor tão alto para ir de ônibus para outro estado, o que dá brecha a questionamentos sobre a vantagem de se gastar tanto dinheiro – e tempo – num deslocamento terrestre, desprezando vantagens como a segurança e a rapidez proporcionadas pelas viagens aéreas.
Box 01 – Circuito denunciou negócio suspeito
A edição 540 do Circuito Mato Grosso trazia em suas páginas dois ”curiosos” registros de preço para contratação de serviços de agenciamento de passagens terrestres – realizado por empresas de transporte de passageiros, por meio de ônibus.
Um deles, o pregão eletrônico nº 005/2015/Seges, da Secretaria de Estado de Gestão (Seges-MT) teve como objeto o “Registro de Preço para futura e eventual contratação de empresa especializada na prestação de serviços de agenciamento e fornecimento de passagens terrestres intermunicipais”, no valor de R$ 2.830.445,00.
Apenas para efeito de comparação, o valor é suficiente para a compra de R$ 14.152 bilhetes entre Cuiabá e Alta Floresta, distante 792 km da Capital.
Já o edital 002/2015/Seges, também da Secretaria de Estado de Gestão (Seges-MT), tem como objeto o “Registro de Preço para futura e eventual contratação de empresa especializada na prestação de serviços de agenciamento e fornecimento de passagens terrestres interestaduais”. Mais do que no primeiro caso, aqui chama a atenção o valor milionário, de R$ 2,6 milhões, a ser utilizado para deslocamento terrestre para outros estados.
Dadas as condições geográficas, políticas, sociais e econômicas de Mato Grosso, vale questionar o porquê de um registro de preço nesse valor cobrir os custos para deslocamento terrestre para outros estados.
Uma passagem de avião para Campo Grande (MS), talvez um dos destinos mais utilizados pela população mato-grossense, custa em média R$ 170 ida e volta, e é relativamente fácil de conseguir. A mesma viagem, mas realizada de ônibus, tem valor em torno de R$ 100 (apenas ida) e são 12 horas de deslocamento. De avião, gasta-se pouco mais de uma hora para aproveitar os encantos da Cidade Morena.
Ambas foram vencidas pela Agência de Viagens Universal Ltda. – empresa denunciada pelo Ministério Público Estadual e com ações no Tribunal de Justiça de Mato Grosso, envolvida ainda numa série de contratos de fornecimento de passagens terrestres e aéreas com o Poder Executivo de Mato Grosso.
Tendo publicado a reportagem no dia 11 de junho de 2015, o Circuito MT chegou a entrar em contato com a Seges-MT em busca de esclarecimentos, mas não obteve retorno até o fechamento da edição.