Abriu as cortinas. Seu olhar escalou janelas e aberturas de serviço da babel arquitetônica de salas, quartos, cozinhas, elevadores e escadas. Ia em direção a cor do céu e o brilho dos raios solares rebatidos nos últimos andares do quadrado que emoldurava o vão. Azul profundo e amarelo alegre. Tudo mais que perfeito para uma vibração praiana, sem o fog que havia baixado nos dias anteriores.
Caderninho na mão e mil ideias na cabeça lá se foi em direção ao mar. Camisa branca de mangas compridas e bermuda. Para não se enganar com o frescor no final da tarde que, já sabia, estava caindo cedo. Tudo, menos facilitar a chegada de um resfriado ou gripe.
Do arvoredo que sombreia a subida em direção ao Arpoador, atravessando o Parque Garota de Ipanema, é um pouco mais que um pulo grande. Similar a um despetalar de problemas, um aprumar de coluna vertebral, a respiração se aprofundando de acordo com o ritmo harmônico dos passos.
Primeiro com interrupções aleatórias nos sinais e esquinas, depois com a entrada nas alamedas da área verde. Tudo para o grand finalle. A passagem pelos portões em direção da praia, mar e o vasto horizonte.
Depois, é abrir o peito, respirar bem fundo e deixar a brisa marinha encher cada alvéolo pulmonar. Uma delícia interior que se adequa perfeitamente ao visual circundante. Circundante mesmo. Tipo 360 graus. Com opções para todos os gostos.
O ritual começa por uma fiscalizada nas condições da areia, seu relevo e extensão no canto do Arpoador. Há pouco espaço para ocupar junto a murada, com direito a falésia para alcançar a água. Dá para ver pedras faz pouco encobertas pela areia de uma maré distante.
Não há surfistas no mar ali no canto. Muito baixo para grandes aventuras. Mas as bandeiras vermelhas se agitam em intervalos na areia. Só de olhar o movimento da água dá para ver que o mar está puxando, traiçoeiro.
O que leva a uma caminhada rumo a Praça Millor. Acesso à Praia do Diabo do outro lado da Ponta do Arpoador. Lá sim, mar alto e surfistas deslizando no topo das ondas. Nem pensar em se aventurar quem não é PHD nas manhas do pedaço. Só profissional para cair para os lados do Forte de Copacabana onde estão os melhores picos. Na também pouca areia do Diabo, os personagens de sempre. Jogadores de frescobol, o pessoal expert no slackline, vulgo corda bamba…
Sintonia, com alegria. Essa é a essência para aproveitar tanta beleza. Só que nem sempre ela chega de estalo. É preciso aguçar os sentidos, um a um.
Depois da respiração e de limpar a visão é hora de deixar o mantra do mar e do vento embalarem seu pensamento. Passo seguinte: se largar na areia e se entregar ao prazer do calor do sol sobre a pele.
Para isso, o ideal é estender a canga num ponto em que seja possível se perder em distrações como os albatrozes que passeiam pelo céu ou o reflexo que desenha uma sombra peculiar na fina lâmina da marola que se recolhe, retrocedendo para o mar.
É chegado o momento sublime de tirar o caderninho e traduzir em palavras a sensação de gratidão por – ainda – conseguir se despir do estado de alerta geral dominante e abrir o verbo para descrever o dia espetacular que embala nosso pequeno paraíso em meio a terra desolada.
Mergulha a mão na mochila em busca do único instrumento necessário para curar os males do seu mundo. Adia os planos quando descobre que, apesar de tanto tudo, lhe falta o essencial. Cadê a caneta???
Conta até três. Relaxa. E aproveita. Desiste da crônica escrita e se dedica a fotografar a vida. Se chegou até ali, foi para ampliar seu vão de céu…
*Valéria del Cueto é jornalista, fotógrafa e gestora de carnaval. Essa crônica faz parte da série “Arpoador”, do SEM FIM… delcueto.wordpress.com