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Vacinação contra gripe causa correria em busca de “salvação” para H1N1

O Brasil vive mesmo um momento turbulento. Nunca antes na história recente deste País uma campanha de vacinação contra algum tipo de gripe causou tanto alvoroço na população a ponto de, no primeiro dia, ter havido até troca de tapas entre populares que se aglomeravam às centenas em alguns postos da capital paulista. Impressionado com a quantidade de gente na porta da UBS República, no centro de São Paulo, Ranulfo C. de Araújo, de 74 anos, bronqueava, em desabafo ao R7:

— Este ano está todo mundo doido, com medo de morrer de H1N1. O ano passado houve campanha e o governo teve de pedir pelo amor de Deus para as pessoas irem se vacinar. Sobraram vacinas. Neste ano virou essa loucura toda.

O aumento do casos de gripe H1N1, que já chegaram a 537 no Estado de São Paulo, com 70 mortes, não só fez a campanha ser antecipada como tirou as pessoas de dentro de casa, rumo à salvação para pelo menos uma coisa neste momento: a saúde. No Brasil de agora, além do vírus, a tensão está no ar.

Até quem havia se esquecido do que era se vacinar entrou na correria. É o caso de Nelson Antônio Pereira, de 60 anos. Baiano do interior e se mostrando duro na queda, se gaba de ser arretado e nunca ter ficado doente. Mas a mobilização inédita o fez baixar a guarda e entender que ninguém é super-homem nesta vida. Nem na cidade, nem no sertão.

— Só fui vacinado ainda menino. Depois nunca mais. Nem precisava, nunca fico doente. Eu estou vindo agora porque todo mundo correu para se vacinar e acho que é diferente. Estão todos tomando e agora eu estou é com medo de ficar doente.

Esta é uma campanha de reminiscências para muita gente idosa. Enquanto veem crianças chorando, com medo da agulha, envolvidas nos braços ou de mãos dadas com os pais, eles voltam mais de 50 anos no tempo. E se lembram de uma São Paulo onde o bonde era o transporte, mas onde o cheiro de éter, as gazes, os azulejos claros e os olhares singelos dos atendentes eram os mesmos de hoje.

Com mais de 60 anos, Iara Aparecida Faustino veio tempo. Para ela, os sonhos se transformaram. A fila a ajudou a perceber isso, já que se vacinou pela última vez ainda menina, trazida pela mãe. De mãos dadas. A mãe faleceu há três anos. E quando receber a picada, junto virá uma pontinha de saudade.

— Antes eu pensava que não havia necessidade de se vacinar. Agora essa campanha me fez mudar de ideia. Há três anos minha mãe se vacinou e depois morreu. Não por causa da vacina. Por outras complicações, mas acho que o fato dela ficar muito tempo sem se vacinar teve alguma influência. Vim também por causa disso.

Na UBS Vila Ipojuca, na Lapa, o estilo tranquilo do bairro de classe média deixava os idosos mais confortáveis. Era como se a mudança dos tempos não tivesse atingido aquele local, uma casa na qual os fundos são reservados para a vacinação.

Crianças também recebiam a injeção e o encontro de épocas se fazia intenso quando os gritos de medo por causa da picada da moderna trivalente (contra H1N1, H3N2 e Influenza B) eram ofuscados pelo canto dos sabiás-laranjeira. Morando a 50 metros do posto, Adelaide Gomes, de 80 anos, falava, com sotaque português, como aquele local se tornou um quintal de sua casa. 

— Sou vacinada todo ano aqui. Já me acostumei e nunca peguei gripe. Por isso todo mundo da minha família está se vacinando: filhas, netos, cada um em um local, perto do trabalho. 

Proteção no presente

Na imensa fila da UBS Dr. Humberto Pascale, na Barra Funda, em São Paulo, resquícios mais próximos, dos tumultos do dia anterior, ainda estavam presentes. Aparecida de Mello, de 60 anos, contou que até houve necessidade de policiamento na abertura da campanha.

— Foi uma confusão enorme. Gente se estapeando, formando bloco para não deixar ninguém passar: nem quem tinha bengala, muleta. Parece que toda a cidade veio para cá. Era importante se pudesse ter melhor distribuição porque está muito difícil com tanta gente. Preferenciais que chegavam mais tarde, por volta das 8h, causavam enormes tumultos porque ninguém queria dar espaço na fila em que estava desde às 4h30 da manhã.

Sobrou também uma crítica para os planos de saúde que, segundo o empresário Luiz Orlando Magalhães, de 71 anos, não deram informações sobre a campanha. Esclarecido, este economista que estudou no Exterior disse que a falta de empenho neste tipo de prevenção gerará mais custos para os próprios planos.

—A profilaxia (prevenção) é a alma do negócio. E os planos não entendem isso. Liguei para o meu e, depois de esperar muito para ser atendido, disseram que não sabiam informar onde haveria vacinação. Burrice deles. Se ajudassem os clientes a se prevenirem, teriam menos doentes internados e menos custos posteriores. É preciso repensar isso no Brasil.

Nesta primeira etapa, antecipada, serão vacinados 3 milhões de idosos e crianças entre seis meses e cinco anos. Assustada, a pequena Cristal, de 2 anos, resistia em ir para a fila, choramingando em seus óculos de coração e na roupa de princesa. A mãe, Maria D'Ajuda Teixeira, de 40 anos, explicava:

— Qual criança gosta de vacina? Mas tem de vacinar. Tenho de proteger meu bebê. Se eu não proteger, quem vai?

E a fila andou. A vacina também serve para isso. Para a vida prosseguir. Com o sentido da continuidade. Mesmo nestes tempos difíceis, quando o que todos querem é se sentir pelo menos um pouco protegidos. Mais do presente do que do futuro.

Fonte: R7

Redação

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Reportagens realizada pelos colaboradores, em conjunto, ou com assessorias de imprensa.

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