Cidades

Usuário paga o preço pela falta de controle do sistema de transporte coletivo

Fotos: Ahmad Jarrah 

A Grande Cuiabá tem hoje um dos piores serviços de transporte público, que funciona com baixa fiscalização pelo Poder Público. A precariedade aparece em pesquisa de satisfação de passageiros com reclamações que vão da má limpeza ao longo tempo de espera para atendimento, passando pela falta de abrigos em paradas ônibus e excesso de passageiros por veículo.

A falta de gerenciamento foi identificada em relatório divulgado no fim do ano passado pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE-MT) que na semana passada apresentou uma série de medidas para cumprimento das prefeituras de Cuiabá e Várzea Grande, com prazo de 90 dias para constatação dos primeiros resultados. São 22 medidas para criação de órgãos fiscalizadores de horários e a quantidade de veículos em circulação.

No caso de Cuiabá, o tribunal aponta que nem mesmo a Secretaria de Mobilidade Urbana (Semob) e a Agência Reguladora de Serviços Delegados (Arsec) dispõem de estrutura, conforme previsto em lei, para executar as demandas de administração do transporte coletivo. Situação que provoca a falta de dados atualizados sobre a demanda de passageiros e o fluxo de baldeamento.

Na prática, isso gera os longos períodos de espera e os carros lotados. Uma falha criticada no termo de referência de licitação é a ausência de números sobre a origem e destino de passageiros.

“O TCE recomenda que a Semob aprimore os instrumentos utilizados para gerenciamento da oferta de transporte. As ações devem contemplar a utilização de dados atualizados, confiáveis e representativos da demanda, além de procedimentos com critérios objetivos e transparentes e que possibilitem o conhecimento histórico das ações realizadas”, aponta o TCE.

O mesmo problema foi identificado em Várzea Grande, onde o tribunal afirma não existir nenhum plano de cumprimento de regras pelas empresas concessionárias, resultado de um projeto de serviços pouco eficiente. O relaxamento faculta às próprias empresas exploradoras da concessão a montagem de atendimento ao público.

“A ação deve prever fixação de metas de qualidade e desempenho a serem atingidas e seus instrumentos de controle e avaliação, assim como a definição dos incentivos e das penalidades aplicáveis vinculadas à consecução ou não das metas”.

Segundo a Secretaria de Controladoria Externa e Auditoria Operacional (Secex) do TCE, ao fim de 90 dias para apresentação do plano de ações, uma nova avaliação será feita para mensurar a estimativa de execução dos itens apresentados em relatório.  A cobrança deve começar a ser feita 12 meses após a definição de datas.

“Não podemos determinar um prazo para a prefeitura executar as ações porque não sabemos a capacidade de serviço. Em Várzea Grande, por exemplo, não havia nem computador na sala do secretário de Mobilidade Urbana e apenas quatro agentes faziam monitoramento do trânsito e do transporte. Quando o plano foi apresentado, teremos condições de estipular uma data para cobrar a aplicação das medidas. Mas antes de um ano terá pouca resolução”, diz a secretária Lidiane Anjos Bortoluzzi.

VG diz fiscalizar serviços e cita nova licitação para 2018

A Prefeitura de Várzea Grande não divulgou plano de estruturação de transporte público para atender às exigências no Tribunal de Contas. Apenas apontou a distância entre bairros periféricos e o centro da cidade como a situação de impacto mais forte nos serviços.

Em nota enviada do Circuito Mato Grosso, a assessoria de governo disse que a Secretaria de Serviços Públicos e Mobilidade Urbana prepara a realização de uma nova licitação para 2018, ano em que vence o atual período de concessão, mas sem data definida para ocorrer.

“Mesmo com a efetiva fiscalização, [a prefeitura] reconhece que existem problemas estruturais como a grande distância entre bairros e o centro da cidade ou mesmo a vizinha Cuiabá. Fora isto, a municipalidade se prepara para a realização de novo processo licitatório de concessão de linhas de transporte em Várzea Grande, já que em 2018 vence o atual contrato”, pontua.

Disse ainda que em 2016 houve “uma série de solicitações” à empresa concessionária que foi em parte atendida, como inclusão de 45 novos ônibus na frota de ônibus. No entanto, a recuperação de pelo menos 100 abrigos para passageiros e a reforma geral do terminal André Maggi só aconteceram em partes. Os trabalhos foram firmados por meio de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministério Público do Estado (MPE).

Mencionou ainda não ser responsável por toda a frota de veículos que circulam pela cidade, visto que os itinerários intermunicipais são fiscalizados pela Ager (Agência Estadual de Regulação de Serviços Públicos).

Desorganização reflete no preço da tarifa

A desorganização dos serviços de transporte público tem reflexo direto na montagem da tarifa. Segundo o TCE-MT, parte da receita das empresas concessionárias deveria ser incluída no cálculo de reajuste anual das tarifas, o que não ocorre. O tribunal cita como exemplo o modelo busdoor – adesivos e peças publicitárias veiculadas em monitores em ônibus – o qual é contado somente como receita, sem retorno para os serviços públicos.

“As propagandas em ônibus devem ser revertidas em parte para a modicidade tarifa, mas isso não acontece. A prefeitura não tem informação do quanto as empresas faturam com essas propagandas. Então, é um item pedido no relatório do tribunal que sejam criados mecanismos para acesso em intervalos regulares às contas da prefeitura, desde que não aconteça no fim do ano, no momento de fazer o reajuste da tarifa”, explica a secretária Lidiane Anjos Bortoluzzi.

Arsec defende mudança de cálculo e novo modelo de contrato

Conforme a Arsec, o cálculo da tarifa em Cuiabá foi realizado até 2016 via um modelo em que empresas apresentavam orçamento de custos – por exemplo: pneus, óleo diesel e quilômetros rodados – vezes o número de passageiros pagantes que rodou ao longo dos 12 meses anteriores ao reajuste – formato que possibilita a fraude de valores em orçamentos.

“Neste ano, o reajuste será realizado com base em notas fiscais. Se as empresas compram tudo por nota fiscal, então faremos o cálculo com base nas notas fiscais para saber qual é variação de valores no período considerado na avaliação de reajuste. Sabemos que uma empresa de ônibus consegue comprar por preço diferenciado. Não compra pneus pelo mesmo valor que motorista de carro popular, também não paga o mesmo preço no óleo [diesel], e isso precisa ser levado em conta no cálculo da tarifa”, comenta Alexandre Bustamente.

Ele, contudo, defende a mudança de modelo do cálculo. A tarifa deve ser montada em formato dos serviços de saneamento básico, com revisão a cada quatro anos dos valores de custo e reajuste anual para reposição inflacionária.

“Isso deixa a tarifa mais justa para o passageiro e para as empresas de ônibus. Veja bem: o serviço é público, mas é gerenciado por empresas privadas, que não entram em concessão para serem boazinhas; é negócio, ela não quer perder”, diz.

A mudança deve passar antes pela proposta de uma nova licitação, visto que a hoje vigente é de meados da década de 1990, do governo de Roberto França. Segundo Bustamente, dispositivos novos hoje cobrados pela prefeitura não são cobertos pelo contrato de concessão. “É preciso considerar que quando o contrato atual foi idealizado não existia cartão de transporte, não existia a exigência de internet wi-fi [conexão sem fio] em todos os ônibus. Itens que caíram nas contas das empresas”.

Cuiabá tem hoje uma circulação anual de 59,7 milhões de pessoas via transporte público. Desse total, 38,2 milhões (64%) são de pessoas que pagam a tarifa cheia, nos outros 36% estão inclusos os diversos de gratuidades, de estudantes (50% pagos pela prefeitura) e idosos e portadores de necessidades especiais (PNE), com gratuidade inteira.

Licitação em Cuiabá não tem definição

A análise de licitação em Cuiabá foi aberta em dezembro do ano passado com uma audiência pública para apresentação da matriz da proposta de serviços. No entanto, o trâmite foi suspenso por determinação do prefeito Emanuel Pinheiro, por prazo inicial de 90 dias, o que pode empurrar o lançamento da licitação para 2018.

A renovação do modelo de serviços foi uma das propostas do plano de governo de Mauro Mendes, que divulgou a abertura de licitação em 2014 e 2015, mas não conseguiu tirar o projeto do papel. O termo de referência só começou a ser tratado em audiência na primeira semana de dezembro de 2016, e logo houve críticas por falta de informações quanto a questões fundamentais para melhorar o serviço em Cuiabá, como a região que mais concentra passageiros.

A Arsec, que defende a reformulação do contrato de serviços, também deve apresentar propostas para mudanças de alguns pontos no modelo de licitação; por exemplo, a transferência de instalação de abrigos para empresas desvinculadas das concessionárias que poderão explorar o mercado publicitário na estrutura.

A prefeitura questiona o modelo de integração dos veículos tradicionais com VLT (Veículo Leve sobre Trilhos). A proposta de criação de terminais de integração entre as linhas do modal e também com os itinerários de ônibus tradicionais não está clara.

No projeto de nova licitação são apresentadas medidas para tentar sanar falhas já históricas. A proposta orçada em R$ 102 milhões prevê a divisão de concessão em lotes, que serão assumidos por empresas distintas, que terão direito de exploração por vinte anos. E outros R$ 397 milhões ao longo do contrato.

A circulação dos ônibus seria dividida em arcos Norte-Oeste, Leste-Sul e linha de conexão por meio de micro-ônibus. No primeiro arco, circulariam 224 veículos; no segundo, 175; e no terceiro, 34.  Nesse modelo de arcos, as linhas passam a ser integradas por meio de Estações de Conexão (ECO), a serem criadas em pontos estratégicos nos três arcos.

Ações que os planos de serviços de prefeituras deverão cobrir

1)Banco de dados com atualização periódica sobre gerenciamento de transporte

2)Diagnóstico da estrutura física dos pontos de parada, terminais e frota de ônibus

3)Sistema de fácil acesso à informação por usuários de linhas, paradas e internet wi-fi

4)Atendimento integrado de segurança, gestão de transporte e concessionárias

5)Acompanhamento e gerenciamento regulares de serviços concessionárias

6)Acesso amplo aos dados operacionais e financeiros das empresas

7)Avaliação dos dados operacionais e financeiros do sistema de transporte público

8)Medidas para garantir modicidade de tarifas

9)Fiscalização do cumprimento de medidas contratuais com empresas

10)Avaliação do desempenho

11)Divulgação de indicadores de prestação de serviços por concessionárias

12)Estruturação adequada de secretarias responsáveis pelo transporte público

Reinaldo Fernandes

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