Opinião

Um Lugar Bem Longe Daqui: A Força de Quem Aprende a Sobreviver no Silêncio 

Lançado em 2022, o filme “Where the Crawdads Sing”, dirigido por Olivia Newman, é um drama poético e sensível que transita entre a beleza selvagem da natureza e a crueza da solidão humana. Adaptado do best-seller homônimo de Delia Owens, o longa é estrelado por uma performance impecável de Daisy Edgar-Jones, que dá vida à protagonista Kya, uma jovem marcada pela rejeição, pela dor do abandono e pela necessidade constante de se reinventar para sobreviver. 

O filme mostra os reflexos de ser Invisível, Selvagem, Resiliente. 

Na Carolina do Norte, em meio aos pântanos isolados, Kya cresce praticamente sozinha. Abandonada pela mãe, pelos irmãos e, por fim, pelo próprio pai — violento e alcoólatra —, ela aprende, desde muito pequena, a sobreviver com o que a natureza oferece. A menina se torna uma figura quase mítica na cidade de Barkley Cove, conhecida e temida como “A Menina do Brejo”, uma jovem que carrega sobre si não só o estigma do isolamento, mas também o peso do preconceito e da invisibilidade social. 

Quando Kya permite que dois jovens cruzem a linha invisível que separava sua existência da cidade, ela experimenta algo que nunca conheceu: o amor, a conexão e a possibilidade de ser vista não como uma lenda, mas como uma mulher real, sensível e talentosa. No entanto, quando um deles, Chase Andrews, é encontrado morto, Kya se torna rapidamente a principal suspeita, não por evidências concretas, mas pela força dos preconceitos que sempre a cercaram. 

O julgamento que se segue revela mais do que pistas sobre um crime: ele escancara a hipocrisia de uma sociedade que marginaliza, rejeita e condena aqueles que não se encaixam em seus moldes. 

Entre o abandono e a beleza o filme apresenta uma narrativa sobre resistência. 

O filme é mais do que um thriller de mistério. É uma reflexão profunda sobre o que significa ser invisível em uma sociedade que julga sem conhecer. Kya é uma personagem que representa todos aqueles que foram deixados para trás — seja pela família, pela comunidade ou pela própria estrutura social. 

Seu talento como ilustradora e naturalista, seu olhar sensível para os mínimos detalhes da fauna e flora do brejo, tornam-se não apenas um meio de sobrevivência, mas também sua voz no mundo. Através da arte, ela registra a vida, encontra beleza onde muitos veem apenas solidão, e reconstrói sua própria identidade. 

A direção de Olivia Newman acerta ao capturar a dualidade presente no enredo: a natureza exuberante dos pântanos, filmada com uma fotografia deslumbrante, contrasta com a dureza da vida de Kya, permeada por perdas sucessivas, rejeições e violência, trazendo o contraste entre a beleza e a dor. 

A atuação de Daisy Edgar-Jones é o fio condutor da narrativa, sustentando a complexidade da personagem com sensibilidade e força. Seus silêncios falam tanto quanto suas palavras. Ela entrega uma Kya que transita entre a fragilidade e a resiliência, entre o medo de ser ferida e a bravura de quem já não tem mais nada a perder. 

A trilha sonora, com destaque para a música “Carolina”, composta e interpretada por Taylor Swift, adiciona uma camada emocional poderosa, ecoando a melancolia e a força presentes na jornada de Kya. 

O Final que ecoa na alma. 

Sem entregar totalmente os detalhes, o desfecho do filme é, ao mesmo tempo, surpreendente e poético. Ele obriga o espectador a revisitar toda a trajetória de Kya sob uma nova perspectiva, refletindo sobre os limites da sobrevivência, da justiça e do amor. 

O final revela que, às vezes, a própria natureza — selvagem, instintiva e silenciosa — é a melhor metáfora para compreender certos atos humanos. E, sobretudo, mostra que, para quem foi moldado pela dor e pelo abandono, amar também pode ser um ato de coragem e, paradoxalmente, de autoproteção. 

“Um Lugar Bem Longe Daqui” é um canto sobre ser e pertencer, é um filme que não fala apenas de crime, amor ou superação. Ele fala, sobretudo, sobre a busca por pertencimento, sobre a solidão imposta e a solidão escolhida, e sobre como o abandono pode, sim, devastar, mas também pode forjar almas extraordinárias, capazes de transformar dor em beleza. 

Kya não é apenas uma personagem. Ela é um símbolo. Um lembrete de que, muitas vezes, quem vive à margem da sociedade é quem mais compreende, de fato, os ritmos silenciosos da vida — onde os lagos se encontram, onde o brejo respira, onde cantam os crawdads… bem longe daqui.

Olinda Altomare é magistrada em Cuiabá e cinéfila inveterada, tema que compartilha com os leitores do Circuito Mato Grosso, como colaboradora especial.

Foto capa: Reprodução/Divulgação

Olinda Altomare

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Olinda Altomare é magistrada em Cuiabá e cinéfila inveterada, tema que compartilha com os leitores do Circuito Mato Grosso, como colaboradora especial.

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