Cidades

Um ano após início de ofensiva, MP diz que fraude no leite se expandiu

 
Mesmo após quatro fases em um ano, seis condenações criminais com penas que chegam a 18 anos de reclusão, 13 prisões e 26 pessoas denunciadas, a ilegalidade no setor persistiu e se expandiu. De lá para cá, novas substâncias foram identificadas e novos casos foram descobertos. Ao MP restou duas certezas: a fraude agora já abrange toda a cadeia do leite no estado, desde o produtor rural até as grandes empresas, e uma nova fase da operação, a quinta, será deflagrada em breve.
 
Em qualquer segmento e em qualquer etapa da produção existem pessoas que estão, de alguma forma, ajustando o leite, adicionando substâncias para lucrar. Todas as bacias do estado sofrem adulteração, alerta o promotor da Promotoria de Justiça Especializada Criminal de Porto Alegre, Mauro Rockenbach, responsável pela Operação Leite Compensado.
 
Segundo o promotor, o efeito da condenação não está resolvendo o problema. "Temos punição de 18,5 anos a um transportador, e eles não se intimidam. Alguma coisa tem de ser feita. Se a ganância continua imperando, é o mercado que está sendo receptivo, acolhendo a fraude. Temos de mexer mais ainda nesse fenômeno, provocar uma reação, salienta.
 
Além do formol, presente na ureia, e da água, o Ministério Público flagrou ainda o uso de peróxido de hidrogênio – composto conhecido popularmente por água oxigenada -, açúcar, sal e até mesmo soda cáustica, substância altamente corrosiva.Tudo para mascarar, recompor o leite velho. A ureia recompõe a perda nutricional do leite adulterado com água. O peróxido de hidrogênio é usado como agente bactericida, na função de conservante. A soda, como é um composto alcalino, é utilizada para baixar a acidez do leite vencido, explica o promotor.
 
Com tantas evidências do esquema, que afeta o leite crú e praticamente todos seus derivados, exceto o leite em pó, o MP está preparando a quinta fase da Operação Leite Compensado. O objetivo, depois da ofensiva, é chamar as partes envolvidas por um basta na fraude, a única maneira, segundo Rockenbach, de tentar solucionar o caso.
 
Em breve serão deflagradas novas fases da operação. Faremos novas buscas, com mais mandados de prisão e de apreensão e também vamos dar atenção ao patrimônio que foi adquirido com a fraude, avisa o promotor.Temos laudos de leite adulterado que vieram de Santa Catarina, além de São Paulo e Paraná, onde nós já havíamos constatado. Por isso, nossa estratégia será reunir todo mundo, acender a luz vermelha e colocar ordem no baile, porque a coisa está feia. Por um desfecho favorável, é preciso criar esse pânico, acrescenta.
 
O promotor prefere não trabalhar com prazos para eliminar a fraude que, segundo ele, está enraizada no setor.É uma cultura de muitos anos, que já entrou no orçamento do leite. Até mudar essa realidade vai levar um tempo. Mas não tenho pressa. Meu patrão é a sociedade, que quer ver a gente trabalhando. Vamos continuar prendendo gente, apreendendo caminhões, fechando indústrias Não temos pressa, afirma.
 
'Maioria das análises não possui problema', diz Ministério
 
O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) é um dos principais parceiros do Ministério Público na obtenção de provas da fraude do leite desde o início das investigações. É do orgão federal a responsabilidade de fiscalizar e analisar amostras onde há indício de adulteração. Foi a superintendência regional, inclusive, que alertou para o esquema, ainda em 2012.
 
Ciente do problema que persiste, apesar dos esforços, o chefe da Divisão de Defesa Agropecuária do Mapa e superintendente adjunto no Rio Grande do Sul, José Severo, entende que não há uma fórmula pronta para solucionar o caso. É preciso combater, fiscalizar e auditar de forma contínua.
 
Estamos trabalhando para colocar as coisas no lugar. Se você pensar na fraude em cadeia, ela até aumentou, se espalhou entre produtores e transportadores. Mas a quantidade de formol encontrado desde o ano passado vem caindo. Estamos caminhando no sentido de proteger o consumidor. O que vai acabar com o esquema são as ferramentas de fiscalização em toda produção do leite, desde a alimentação do animal até a atividade industrial. São necessárias ferramentas auditáveis, avalia.
 
Apesar de concordar com o promtor Rockenbach, quando se diz que a fraude se espalhou em um ano, Severo trata de amenizar a situação e afirma ainda é confiável consumir o leite gaúcho. Existem problemas em locais pontuais. As propriedades que foram flagradas continuam com o esquema. Mas é importante esclarecer ao consumidor que a grande maioria do leite analisado pelo Ministério da Agricultura no Rio Grande do Sul não tem problema. Temos obtido resultados que não são comprometedores, informa.
 
O G1 fez contato com a Secretaria Estadual da Agricultura, Pecuária e Agronegócio (Seapa) para falar sobre as ações efetivas que estão sendo tomadas pela Pasta no combate à fraude. No entanto, a assessoria de imprensa do secretário Cláudio Fioreze não conseguiu encaixar na agenda um espaço para conceder entrevista. O mesmo ocorreu com o Sindicato das Indústrias de Leite do Rio Grande do Sul (Sindilat-RS), que não designou nenhum representante.
 
Entenda
 
A Operação Leite Compensado, do Ministério Público, teve sua primeira fase desencadeada em 8 de maio do ano passado. As investigações revelaram um esquema que adulterou cerca de 100 milhões de litros do produto no estado. Na ocasião, o MP revelou que transportadores estavam adicionando água e ureia (que contém formol) ao leite crú para aumentar o volume e disfarçar a perda nutricional no caminho entre a propriedade rural e a indústria. O esquema era realizado em postos de resfriamento.
 
O lucro gira em torno de 10% quando o objetivo é aumentar o volume do leite, adicionando água. Conforme o MP, o transportador ganha pela quantidade vendida à indústria, que não tem faz um exame de qualidade que possa detectar a fraude. Também existe, segundo o MP, o lucro negativo, quando o produtor rural quer evitar o prejuízo, adicionando substâncias para não perder a carga. Para recuperar o leite vencido, são usados, por exemplo, soda cáustica (para baixar a acidez do leite velho) e água oxigenada (na função de conservante).
 
Na primeira fase, foram identificadas fraudes nos municípios de Guaporé, Horizontina e Ibirubá. Quinze pessoas foram denunciadas pelo Ministério Público e oito foram presas. Destas, quatro estão em liberdade. Seis pessoas foram condenadas pela Comarca de Ibirubá. A sentença foi proferida pelo juiz Ralph Moraes Langanke em dezembro de 2013.
 
Os condenados são: Paulo César Chiesa (dois anos e um mês de reclusão em regime semiaberto), João Irio Marx (nove anos e sete meses de reclusão em regime fechado), Angélica Caponi Marx (nove anos e sete meses de reclusão em regime fechado), Alexandre Caponi (nove anos, três meses e 12 dias de reclusão em regime fechado), João Cristiano Pranke Marx (18 anos e seis meses de reclusão em regime fechado) e Daniel Riet Villanova (onze anos e sete meses de reclusão em regime fechado).
 
A segunda fase da Operação Leite Compensado foi deflagrada em 22 de maio do ano passado nos municípios de Ronda Alta e Boa Vista do Buricá. Quatro pessoas foram presas e seis foram denunciadas pelo MP. Dessas, três estão em liberdade. O processo ainda está em andamento e ninguém foi condenado. Já a terceira etapa foi realizada em 7 de novembro de 2013 no município de Três de Maio. Quatro pessoas foram denunciadas. Ninguém foi preso.
A quarta fase foi desencadeada 14 de março deste ano nas cidades de Condor, Panambi, Tupanciretã, Bossoroca, Capão do Cipó, Vitória das Missões, Ijuí e Santo Augusto. Até agora, uma pessoa foi denunciada. O processo ainda está em andamento.
 
G1

Redação

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Reportagens realizada pelos colaboradores, em conjunto, ou com assessorias de imprensa.

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