Por imprudência do Donald Trump, há semanas estamos metidos em uma gigantesca
confusão econômica. Decantadas suas fanfarronices que atingiram todos os países do
mundo, restou uma disputa sangrenta entre os Estados Unidos e a China que
transbordam para todos os países dependentes das duas potências.
As taxações iniciadas por Trump contra Xi Jinping tornaram-se recíprocas e escalaram
de tal forma que viraram um drama mútuo. Creio que agora o presidente americano
quer recuar, mas teme que o chinês possa atribuir tal atitude a uma fraqueza e revidar.
Da mesma forma, Xi Jinping não recua para não parecer medroso.
Lembrei-me de uma piada tosca, grosseira e vulgar, que ilustra bem o dilema dos dois
líderes. Hesitei muito em reproduzi-la. Enfim, decidi usá-la (a piada), servindo-me de
firulas literárias para suavizar seu caráter chulo.
Eis que, em uma cálida manhã ensolarada, como sói acontecer nos meses primaveris,
(veja, caro leitor, que já procuro aliviar a aspereza da piada com algumas pinceladas de
romantismo extemporâneo), pastava debaixo do bosque um austero burro de carga,
indolentemente entregue à sua simplória filosofia.
Sobre as árvores, um travesso macaco pulava de galho em galho, procurando alguma
coisa para exercitar as safadezas, aquelas mesmas os humanos costumam atribuir a
esses nossos galhofeiros primos.
De repente, anteviu a possibilidade de divertir-se à custa do burro, que, alheio aos
intentos do primata, espantava languidamente as moscas importunas com balanços
pendulares do rabo, expondo as partes pudendas a cada movimento.
O atrevido macaco imaginou uma aventura sexual com o asno, que, segundo pensava,
se pego de surpresa, não teria como se defender do ataque. E zás! Quando a vítima
percebeu, já estava “coitada”(aqui, uma imprópria derivação de coito) pelo ardiloso
símio.
Em ato reflexo, próprio de quem não está acostumado com essas práticas menos
ortodoxas, o mulo trancou a extremidade com tal vigor, que o atacante, diante da
provável mutilação, quis desistir da empreitada. Entretanto, não conseguiu libertar-se,
preso que estava pelo precioso apêndice, agora quase degolado.
Aí, instalou-se um dilema na cabeça de cada animal: a vítima pensava que, aliviando a
pressão, o agressor aproveitaria o vacilo para aprofundar a ofensa, e o nosso maldoso
parente, arrependido da façanha, torcia para ser libertado daquela dolorosa agonia.
Esta historinha serve de metáfora para entender a danosa briga que está sendo
disputada entre o Trump e o presidente da China. Após ofensas variadas, cada um
acha que, se ceder, o outro amplia a agressão. Na verdade, ambos querem sair desta
enrascada, mas não sabem como entrar em acordo.
Neste episódio, parece que o macaco é o americano, que agora, diante da teimosia do
burro, quer recuar, mas teme servir de chacota para divertir os demais prejudicados,
que torcem por sua derrota.
O insensato macaco não imaginava que o burro fosse tão obstinado, nem que tivesse
tanta força e disposição para reagir.
Renato de Paiva Pereira.
Foto Capa: Osama Hajjaj