Por unanimidade, o Tribunal de Justiça Militar (TJM) condenou o policial militar que agrediu e pisou no pescoço de uma mulher negra, dona de um bar na comunidade de Parelheiros, zona sul da capital paulista, cujo nome é mantido sob sigilo. A agressão ocorreu em julho de 2020.
O policial João Paulo Servato foi condenado nesta terça-feira (31) a um ano, dois meses e 12 dias de reclusão e mais um ano de detenção em regime semiaberto por abuso de autoridade e lesão corporal grave. Servato aparece em um vídeo, exibido à época pelo programa Fantástico, da TV Globo, pisando no pescoço da comerciante, enquanto ela estava deitada no chão, já rendida. A imagem é muito parecida a que ocorreu nos Estados Unidos e que levou à morte George Floyd.
O tribunal também condenou Ricardo de Morais Lopes, que participou da abordagem. Ele foi sentenciado a uma pena de um ano, dois meses e 12 dias de reclusão por abuso de autoridade e falsidade ideológica.
As imagens da TV também mostraram o policial arrastando a mulher por alguns metros até soltá-la na calçada. A vítima alega ainda que desmaiou quatro vezes, em virtude da asfixia, e que os policiais desferiram três socos contra ela, ocasionando a fratura de sua tíbia, osso localizado na região da parte inferior da perna.
A condenação reverteu a decisão de primeira instância que havia absolvido os policiais pelo crime. O Ministério Público recorreu dessa absolvição e ontem o TJM decidiu condenar os militares. Por meio de nota, o advogado de defesa dos policiais, João Carlos Campanini, informou que vai recorrer da decisão.
“A mudança da decisão de absolvição já era esperada. Todo caso de repercussão ganha contorno político e, por isso, as autoridades acabam julgando muitas vezes de forma desconexa com a realidade ou com a justiça. A defesa irá recorrer da sentença uma vez que todos os atos dos policiais militares seguiram o Manual de Defesa Pessoal da PM paulista. Como seguiram as normas, não há razão para essa condenação e a decisão de absolvição deveria ter sido mantida”, disse o advogado.
A reportagem da Agência Brasil conversou ontem (1º) por telefone com o advogado da vítima, Felipe Morandini, que disse estar aliviado com a condenação. “As provas eram manifestas. O que eu tinha ficado surpreso era com a absolvição em primeiro grau, parecia que eles queriam debater com as imagens. As imagens mostraram claramente o que eles fizeram. Fico aliviado de finalmente ter uma manifestação realmente sensata do TJM.”
Segundo ele, a vítima “está feliz” com a condenação, mas ainda segue com medo. “Ela me disse que finalmente ela recebeu uma resposta. Mas ainda continua com medo e acho que não deve deixar de ter medo tão cedo. Ela sente medo ao ver qualquer viatura da polícia perto dela. São traumas que serão difíceis dela superar.”
Morandini disse que, agora, após a condenação, estuda entrar com uma ação cível contra o Estado, pedindo uma indenização. “Não podemos tolerar que agentes do Estado, pessoas nas quais a sociedade confia, ajam dessa forma”, afirmou.
Dias após as imagens da agressão à comerciante terem viralizado, o então governador de São Paulo, João Doria, determinou o início da utilização de câmeras (bodycams) nos uniformes da Polícia Militar do estado paulista. O objetivo era reprimir a violência policial, monitorando as abordagens. E, segundo um estudo divulgado no final do ano passado, a utilização dessas câmeras veio a proporcionar queda no número de mortes decorrentes de ações policiais.
Também naquele ano, um mês após o vídeo ter viralizado, a Polícia Militar informou que policiais de sua corporação não poderiam mais usar a técnica chamada de mata-leão durante as abordagens policiais. O mata-leão ou chave cervical é um tipo de técnica de imobilização em que uma pessoa faz uso de suas mãos, braços ou pernas contra o pescoço de uma outra pessoa, aplicando uma pressão que pode provocar o estrangulamento, a asfixia e até levar à morte.