Pela primeira vez em cerca de duas décadas, moradores da capital e da região metropolitana de São Paulo (RMSP) passaram a utilizar mais o transporte individual – considerando carro, moto, táxi e veículo por aplicativo – do que o transporte coletivo, por metrô, trem e ônibus. Essa é uma das principais conclusões da tradicional pesquisa Origem e Destino, a OD, realizada pela Companhia do Metropolitano de São Paulo (Metrô) e divulgada na terça-feira, 11.
Implementada desde 1967, sempre em intervalos de dez anos, a pesquisa foi antecipada de 2027 para este ano, a fim de investigar os efeitos já visíveis das mudanças trazidas pela pandemia da covid-19, como as restrições à mobilidade, isolamento social, formas novas de trabalho e estudo (home office, sistema híbrido de trabalho, ensino a distância) na forma de se deslocar da população da região metropolitana.
O levantamento incluiu 79 mil entrevistados, dos 39 municípios da Grande São Paulo. Uma das transformações captadas pelo estudo foi a preferência pelo transporte individual em relação ao coletivo (51,2% a 48,8%). Esse cenário havia acontecido pela última vez apenas em 2002.
A pesquisa aponta que o uso do transporte coletivo diminuiu em todas as sub-regiões da pesquisa, com as maiores quedas no setor sudoeste, região de Embu e Itapecerica da Serra, com 27,5%; no oeste, que engloba Barueri e Osasco (21,9%); e no sudeste, com destaque para o ABC paulista, com 33%. O transporte sobre rodas ainda superou os deslocamentos a pé, que tiveram queda no período mais recente. Agora, são os automóveis que passaram a ser o modal mais utilizado, com 10,4 milhões de viagens. Diferentemente de automóveis, ônibus, trens e metrô, a moto foi um dos poucos modais que teve aumento de viagens no período (mais informações nesta página) e com um detalhe: o perfil feminino está em alta.
RENDA
A participação do modo individual cresceu em todas as faixas de renda, chegando a 79,8% na faixa mais elevada (mais de R$ 15.840). O transporte coletivo, por sua vez, registrou queda tanto em números absolutos quanto em participação em todas as faixas salariais. A queda em relação a 2017 foi de 19,8%.
Em 2023, foram realizadas 35,6 milhões de viagens diárias na região metropolitana. Cerca de 70,5% dessas ocorreram por modos motorizados (coletivo e individual), enquanto os restantes 29,5%, por modos não motorizados (bicicleta e a pé). O sentido da curva do uso do transporte coletivo já era descendente desde 2007, movimento que foi captado também no último levantamento, feito em 2017.
Luiz Antonio Cortez Ferreira, gerente de Planejamento e Meio Ambiente do Metrô, lembra que os anos 2000 foram marcados por diversas medidas que impulsionaram o transporte público e atraíram mais passageiros, como a implementação do Bilhete Único (2005), que permitiu baldeações nos ônibus de forma mais integrada e econômica, e depois a expansão para trens e metrô no ano seguinte.
Em um cenário inédito de retração dos deslocamentos, o transporte coletivo (ônibus, trem e metrô) é o mais afetado atualmente. O setor perdeu 3 milhões de viagens (decréscimo de 19,8% entre 2017 e 2023) enquanto o individual perdeu apenas 116 mil viagens (recuo de 0,9%).
Essa redução de demanda pelo transporte público traz um desafio adicional para o equilíbrio financeiro dos sistemas públicos. A cobrança de tarifas historicamente era uma das suas principais fontes de receita, mas tem sido vista nos últimos anos a necessidade crescente de subsídios do poder público para complementar os custos – mesmo ocorrendo aumentos periódicos nas tarifas, a exemplo do que ocorreu neste ano por Prefeitura e Estado. Para tornar esse cenário ainda mais complexo, há um investimento maior em metrô – estudos para ampliação da Linha 6 foram autorizados nesta semana.
APP
Um dos principais aceleradores do transporte individual são os serviços por aplicativos, que se instalaram em São Paulo há cerca de uma década. O táxi (táxi convencional e serviços por aplicativo) tinha 4,4% de participação no total motorizado, mas teve crescimento de 137,3%, impulsionado por essa modalidade. Esse segmento passou de 468 mil para 1,112 milhão de viagens em 2023. Além de serviços de transporte de passageiros, como Uber e 99, ganharam força o uso de motos para a entrega de refeições e mercadorias, modelo seguido por iFood e Rappi.
“A tendência de mudança nas formas de trabalho e escola sofreu aceleração na pandemia, que se mostrou como catalisadora de outras alterações nas formas de consumo (e-commerce, por exemplo), nos formatos de trabalho e escola e no crescimento de modos antes não dominantes de transporte, como carros por aplicativo”, diz Cortez Ferreira.
A pesquisa Origem e Destino aponta ainda que os principais motivos de deslocamento da população continuam sendo trabalho e educação. Das 35,7 milhões de viagens realizadas na região metropolitana, 16,5 milhões (46,2%) ocorreram por motivo de trabalho. O segundo motivo continua sendo a educação, responsável por 12,9 milhões das viagens diárias (36,2%).