Com Valquíria Castil
O preço da tarifa de ônibus em Cuiabá e Várzea Grande, dentre as cinco mais caras do País, e a variação dos horários de baldeamento – exige quase um jogo de adivinha para acertar a que horas passará um itinerário em dias úteis; sem contar fim de semana e feriados– são problemas que estão relacionados ao amadorismo com que as prefeituras lidam com os serviços. As instituições públicas não sabem quantos carros possuem em cada região das cidades, não sabem o cronograma de quantos carros entram em circulação por dia e nem o tempo em que as concessionárias de serviços disponibilizam atendimento: o resultado é um pagamento caro por serviços que só pioram.
A avaliação consta de auditoria realizada pelo Ministério Público de Contas de Mato Grosso (MPC-MT) nos serviços de Cuiabá e Várzea Grande. A pesquisa levantou deficiências na infraestrutura e na falta de critérios de qualidade de prestação de serviços, sendo um deles o déficit de abrigos nos pontos de ônibus, que incluem também a falta de sinalização. Conforme o parecer, Cuiabá atualmente conta com 2.219 pontos de parada. Desse total, apenas 28,30% apresentam abrigos para os usuários, ou seja, são mais de 1.500 pontos sem proteção para os usuários.
De acordo com dados da Secretária de Mobilidade Urbana de Cuiabá (Semob), há um déficit de 500 abrigos de ônibus na Capital, cujo preço médio do mercado custa em torno de R$ 3 mil para a implantação desses abrigos. A conta da falta da aplicação das empresas concessionárias na infraestrutura do transporte coletivo totaliza R$ 1,5 milhão, isso desde o inicio da concessão até este ano de 2016.
Na cidade metropolitana, em Várzea Grande, a mesma situação foi identificada. Cerca de 36,80% dos pontos de parada não possuem nenhum tipo de sinalização para identificar o local como um ponto de acesso ao ônibus. Além desse dado, a auditoria apontou como problema de infraestrutura a superlotação e más condições identificadas no terminal André Maggi. O TCE, inclusive, utilizou imagens para retratar os casos pontuados.
A segunda pontuação da análise do relatório de auditoria foi quanto ao uso da frota de veículos utilizados no transporte coletivo que extrapolam o tempo médio e máximo, tanto em Cuiabá quanto em Várzea Grande. Foi frisada também a desobediência aos padrões de qualidade estabelecidos às concessionárias, a não exigência dos demonstrativos financeiros e operacionais que são necessários para avaliar a real situação econômica das empresas e, por fim, o descumprimento do edital de licitação quanto ao percentual de ônibus com ar condicionado.
Falta de auditoria influencia reajuste de tarifas
Outro problema apontado no relatório é a falta de quadro de acompanhamento do faturamento das empresas concessionárias, falha associada diretamente à cobrança da tarifa. Segundo o Ministério Público de Contas, a frota de 421 veículos informada pelas concessionárias para este ano tem potencial de lucro de R$ 900 mil ao ano, o que poderia ser ponderado na formulação do reajuste ao passageiro. No entanto, as prefeituras não possuem informações sobre essas atividades, visto que não há taxação sobre a publicidade de busdoor para rejeitar as margens de reajuste.
“Considerando a frota informada por ocasião da revisão tarifária ocorrida em 2016, composta por 421 veículos, estima-se que a receita com publicidade em Cuiabá tenha o potencial de arrecadação anual de R$ 900.000,00 apenas ao se considerar os ônibus, fato este que vai de encontro com o princípio da modicidade das tarifas de transporte público, mas que tem sido menosprezada na realidade fática”, pontua o relatório.
A auditoria no sistema de bilhetagem tarifária também é apontada como critério de vistoria pelas prefeituras como forma de regular os reajustes. De acordo com o MPC-MT, o acompanhamento de histórico possibilitaria a identificação de violação do sistema de registro e os envolvidos na fraude. O ministério cita como exemplo o uso de 39 cartões de transporte de pessoas mortas que foram utilizados 7.941 vezes nos últimos cinco anos.
“O risco de aprovação de tarifas em valores acima do necessário pode ser indicado como possível efeito para a situação encontrada, pois o município não possui instrumentos que possam avaliar a qualidade dos dados utilizados para comprovar os custos do transporte público em Várzea Grande”, diz o relatório.
Todas essas falhas ocorrem sem nenhuma punição, visto que as concessionárias não pagam pelas infrações cometidas aos fundos municipais de transporte, como previsto em lei, de onde sairiam os recursos para adequação dos serviços.
Prefeituras não possuem órgãos de fiscalização
A auditoria do TCE dividiu a análise do sistema de transporte coletivo em quatro aspectos, sendo o primeiro identificado pela equipe técnica como a fragilidade nos meios utilizados para o gerenciamento de oferta de Cuiabá e Várzea Grande, que não possuem ferramentas necessárias para isso, tais como fragilidades de acompanhamento da demanda e ausência de pesquisas que abrangem a realidade dos municípios. Especificamente na cidade industrial foi constatada a falta de estrutura mínima para a execução desse gerenciamento.
Conforme o relatório, a Capital mato-grossense não possui uma pesquisa origem-destino, que demonstraria as necessidades de locomoção da população, elemento esse considerado como um agravante da atual situação do transporte público, uma vez que a última pesquisa foi realizada em 2005 e, segundo os especialistas consultados pela auditoria, tem validade de 10 anos.
Tendo em vista a pesquisa realizada em Várzea Grande, a equipe técnica afirmou que inexistem condições mínimas para que a Secretaria Municipal de Serviços Públicos e Mobilidade Urbana (SMSPMU) gerencie o transporte público de forma adequada.
O segundo aspecto embasa o acompanhamento do desempenho pertinente à deficiência na fiscalização e no acompanhamento do serviço prestado pelos operadores do transporte coletivo nos dois municípios.
Foi identificada ausência de indicadores de desempenho construídos pelos municípios, monitoramento ineficiente da execução do serviço e não observância dos mecanismos de avaliação do desempenho estabelecidos em contrato. Em Várzea Grande o agravante foi quanto à ausência de estrutura mínima para o monitoramento da execução do transporte público.
O tópico mais palpável apresentado é sobre o controle de arrecadação, no qual a auditoria do TCE revela a dificuldade de acesso aos dados operacionais e financeiros do sistema de transporte coletivo urbano e ainda a fragilidade na avaliação da integridade e da fidelidade destes dados.
Cuiabá e VG devem apresentar planos em 90 dias
O Tribunal de Consta do Estado de Mato Grosso (TCE-MT) deu um prazo de 90 dias para que as Prefeituras de Cuiabá e Várzea Grande apresentem um plano de melhorias no sistema de transporte coletivo das duas cidades.
Conforme o relatório aprovado em sessão plenária do TCE-MT, o plano deve conter especificações de cronograma, atividades, prazos e responsáveis pelas adequações. A auditoria operacional objetivou levantar os problemas e apontar soluções para o transporte público, explicou o conselheiro.
O sistema de transporte coletivo em Cuiabá é operado por três empresas concessionárias e uma permissionária, com um total de 84 linhas e uma frota de 411 veículos. Já em Várzea Grande, o sistema é operado por uma única empresa concessionária, com um total de 28 linhas e uma frota de 80 veículos, todas com idade média de 5,5 anos. A previsão de arrecadação em 2016 com as tarifas cobradas dos usuários alcançará a cifra de R$ 168 milhões/ano, sendo 87.21% remunerando as concessionárias e 12.79% a permissionária.
O conselheiro relator Antônio Joaquim pontuou em seu voto as inúmeras falhas e fragilidades apresentadas no transporte coletivo, no qual as duas cidades não dispõem de metodologia para identificar as demandas potenciais ou reprimidas de passageiros e não conta com pesquisas que possibilitem o conhecimento abrangente das necessidades do setor.
Outra questão apontada é a omissão dos estudos periódicos que as empresas não fornecem às prefeituras, ao que, segundo o relatório, deixa o poder público sem saber em que melhorias implementar.
Em Várzea Grande, segundo o TCE, o órgão responsável pela gestão não conta sequer com pessoal técnico específico para analisar dados e exercer atividades de gerenciamento do sistema. No caso de Cuiabá, com a existência da Secretaria de Mobilidade Urbana, foi implantado um centro de controle de operações que fornece informações em tempo real da circulação dos ônibus. Porém, esse serviço inexiste do outro lado do rio Cuiabá, na cidade vizinha.
O conselheiro Antônio Joaquim Rodrigues apontou as irregularidades constatadas no sistema de transporte coletivo, que inclui falta de segurança, acessibilidade, fiscalização e cobrança de multas quando aplicadas às concessionárias.
“Quanto à avaliação, fica evidente o não atendimento em relação à idade média da frota de ônibus. Também são desobedecidos os padrões de qualidade nos próprios contratos de concessão. Não se cumpre, por exemplo, a quantidade prevista em edital de licitação quanto ao percentual de veículos com ar condicionado. Já no caso dos terminais e pontos de parada de ônibus, não se oferecem condições suficientes de segurança e acessibilidade”, elencou o conselheiro Antônio Joaquim.
Pedido de aumento na tarifa de ônibus é avaliado pelo Procon
Um novo pedido de reajuste na tarifa do transporte coletivo na Capital foi solicitado, nesta semana, à Agência Municipal de Regulação de Serviços Públicos Delegados de Cuiabá (Arsec), entidade que define o valor a ser cobrado. Atualmente em Cuiabá, a passagem de ônibus está no valor de R$ 3,60 e conforme o pedido dos empresários pode passar a ser cobrado o valor de R$ 4,20, sendo um aumento de 16,6%.
O Procon Estadual se manifestou quanto o anúncio do aumento e pediu para que a Arsec enviasse uma cópia do pedido de reajuste e o estudo tarifário protocolado pela Associação Mato-grossense dos Transportes Urbanos (AMTU), com o intuito de avaliar se os problemas verificados na planilha de cálculo do transporte intermunicipal também estão presentes na planilha do transporte municipal de Cuiabá.
Em 2016, o aumento da tarifa foi o mesmo do transporte intermunicipal, trecho Cuiabá-Várzea Grande e conforme a superintendente do Procon, Gisela Simona Viana, a nova tarifa não poderá vigorar este ano. No entanto, ela pode ser aprovada pela atual gestão municipal e aplicada em 2017.
O órgão questiona o valor do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) apontado pelos fornecedores, o aumento da quilometragem percorrida, o valor da recauchutagem dos pneus e o valor das peças e acessórios. Segundo o Procon Estadual, há indícios de custos inexistentes apontados pelas empresas. “O consumidor não pode continuar pagando por um serviço sem qualidade e que coloca em risco sua segurança”, declara a superintendente.