Efeitos da inflação sobre o orçamento mensal provoca mudança de hábitos alimentares para grande parte dos trabalhadores. Com a disparada de produtos essenciais da cesta básica, a opção por sanduíches, snacks e salgados – quibe, coxinha, esfiha, pastel, tapioca, cachorro-quente, entre outros – deixou de ser uma situação excepcional e passou a ser a saída de muitos na Grande Cuiabá para “driblar” a fome na hora do almoço e economizar.
Se por um lado a conjuntura atual aponta queda no padrão de consumo e da qualidade de vida da população das famílias, por outro o cenário de momento se apresenta como uma oportunidade para que lanchonetes e comerciantes donos de quiosques e barracas aumentem seus faturamentos.
“Muitas pessoas já tinham o costume de comer salgado no almoço, mas isso se acentuou ainda mais após a pandemia. Além do encarecimento dos alimentos, a maioria dos lanches tem proteínas suficientes para satisfazer uma pessoa. Outro ponto é a praticidade tanto para preparar como para consumir os lanches, uma demanda essencial em meio à correria do dia a dia”, diz a comerciante Cristina Oliveira, que vende tapiocas na área central da capital.
Estudo da consultoria Kantar divulgado nesta semana ajuda a entender de forma prática a evolução desse fenômeno que acende o alerta para o risco da insegurança alimentar nas grandes cidades. Em 2019, os salgados representavam 11% do total de unidades de alimentos e bebidas consumidas fora de casa. Já em 2022, o percentual subiu para 15%. Nesse mesmo recorte temporal, a participação das refeições convencionais caiu de 7% para 4%.
“Como o salário médio não cresceu na mesma velocidade de outros custos da alimentação fora de casa, que foram muito fortes, o bolso ficou mais apertado”, comenta Hudson Romano, responsável pela pesquisa e gerente sênior de consumo fora do lar da Kantar.
“Porém, isso não quer dizer que o brasileiro tenha abandonado o restaurante. Mas, se antes comia pratos (prontos) três vezes na semana. Agora, diminuiu-se, em média, para duas, porque o dinheiro não dá”, complementa o consultor.
Preço da alimentação dispara dentro e fora do lar
Um dos principais fatores que tem levado os consumidores a adotarem o estilo de alimentação “alternativo” priorizando a rapidez e a economia é o alto preço das refeições fora do lar.
Segundo a Associação Brasileira das Empresas de Benefícios ao Trabalhador (ABBT), o valor médio do prato em Cuiabá é de R$ 36,61. Ou seja, o gasto mensal (considerando uma rotina de trabalho de segunda à sexta-feira) apenas com almoços em restaurantes seria superior a R$ 730.
O problema é que a situação não é muito diferente caso a opção seja caseira. Isso porque os custos de suprimentos básicos como carnes, arroz e feijão estão pressionando o orçamento familiar.
Conforme o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), mesmo com quedas superiores a 7% entre 2021 e 2022, os dois últimos seguem com valores elevados nos supermercados da capital: enquanto o pacote de 5 kg de arroz chega a custar R$ 33, o quilo do feijão sai na faixa de R$ 10.
No caso das carnes, a situação incômoda relacionada aos preços, que já se arrasta há anos, segue provocando efeitos nada agradáveis. Tanto que o ovo, alimento que passou a ser a opção de proteína para a dieta nutricional em muitos lares, teve variação de 10% no último mês em função da variação oferta-demanda.
Restaurantes enfrentam crise
O panorama indigesto para o consumidor também é uma grande dor de cabeça para os proprietários de restaurantes. Conforme o boletim que avalia a situação econômica dos estabelecimentos, o número de empresas que tiveram prejuízos cresceu em fevereiro. Ao todo, 23% das companhias estão operando no vermelho, segundo a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel).
O desafio do setor tem sido o repasse da inflação para o consumidor. Mais da metade (55%) dos representantes do segmento dizem que não estão conseguindo reajustar os preços conforme a média do IPCA e 35% aumentaram no limite da média.
Por fim, o nível de endividamento das empresas também aparece como obstáculo. Segundo o relatório, 2 em cada 3 companhias têm empréstimos bancários contratados, sendo que a taxa de inadimplência é superior a 21%. Todos esses ingredientes afetaram o mercado de trabalho da categoria, já que 80% dos restaurantes mantiveram ou demitiram funcionários diante das circunstâncias.
Cenário é preocupante, diz entidade
O presidente da Abrasel, Paulo Solmucci, demonstra preocupação com a situação e classifica o momento como “desesperador” e “desestruturante”. Ele cobrou ações do Poder Público para estabilizar e evitar a piora do quadro. “Principalmente quanto às empresas que ainda sofrem os efeitos devastadores do período de restrições, com endividamento alto e pagamentos em atraso”.
Segundo o representante, em média, 10% do faturamento das empresas que tomaram empréstimos está sendo aplicado em pagar dívidas bancárias. Para um terço delas (33%), está acima deste patamar (24% têm entre 11% e 20% do faturamento empenhados, e para 9% o percentual está acima de 20%).
“É um índice muito alto. Não à toa, a inadimplência em relação a empréstimos de linhas regulares já atinge uma em cada cinco destas empresas”. (com informações da assessoria)