O desembargador da Primeira Câmara de Direito Privado, João Ferreira Filho, utilizou palavras duras para condenar o Banco da Amazônia S.A. ao pagamento de R$ 30 mil a título de danos morais, acrescidos de juros e correção monetária, a um pequeno agricultor da cidade de Guiratinga (326 km de Cuiabá). A.P.R. passou pelo constrangimento de ser “confundido” com um criminoso que furtou dinheiro da instituição utilizando a prática conhecida como “chupa-cabra”. A decisão é do dia 8 de maio de 2018.
De acordo com informações dos autos, em outubro de 2014, A.P.R., que é um pequeno produtor rural da região, dirigiu-se à agência do Banco da Amazônia, em Guiratinga, e aguardava sua vez para “efetuar um pagamento no caixa eletrônico”, quando foi surpreendido pela abordagem de dois policiais que pediram que ele “levantasse de seu assento, e erguesse sua camisa”. A cena ocorreu no interior da agência bancária.
Em seguida os agente de segurança conduziram A.P.R. até seu carro “revirando todo o seu veículo, em busca de algum objeto”. “Depois, voltando ao interior da agência, o conduziram à presença do gerente R.S.A., quando então, fazendo referência à pessoa do autor, perguntaram ao gerente ‘se era aquele mesmo’, ao que Rosimar teria respondo que ‘sim’, após o que o autor foi conduzido à delegacia de polícia (CISC)”, diz trecho dos autos.
Os advogados de A.P.R. afirmam que o agricultor só soube do que se tratava na delegacia, quando um homem que se identificou como “delegado” disse que houve uma denúncia do gerente do Banco Amazônia, R.S.A., que acusou o trabalhador rural de ser um “ladrão de banco, ‘arrombador de caixa eletrônico’, e que ao vasculharem seu veículo estavam atrás de um ‘chupa-cabra’, meio pelo qual se retira ilicitamente dinheiro de caixas eletrônicos”.
“O autor afirma que, ao ouvir isso, entrou em ‘estado de choque, perdeu a noção de espaço e lugar, entrando em verdadeiro colapso’, pois, embora tendo nascido na vizinha cidade de Rondonópolis/MT, crescera em e florescera Guiratinga/MT[sic], onde era conhecido de todos desde criança, inclusive pela ‘sua lida na roça junto com seus pais’”, diz outro trecho do processo.
A.P.R. relatou ainda que quando um conhecido o viu na delegacia disse as autoridades que o homem acusado de roubo era “pessoa de boa índole e trabalhadora”. Logo em seguida, o trabalhador rural foi “liberado”, sem a lavratura de um boletim de ocorrência. Ele disse que após o episódio passou a fazer “tratamento psicológico” e que já tentou até mesmo “ceifar sua vida pelo tamanho desgosto sofrido”.
Em sua defesa, R.S.A. disse que “em nenhum momento atribuiu a alguém a condição de autor da prática criminosa”, e colocou a responsabilidade na polícia pelas supostas “palavras duras”. Num primeiro momento, o gerente, e o Banco Amazônia, tiveram uma vitória na primeira instância onde tramita o processo, na comarca de Guiratinga, que disse que A.R.P. passou apenas por um “mero dissabor”.
ABERRANTE E ODIOSO
O desembargador João Ferreira Filho não poupou críticas a atitude do gerente e do Banco Amazônia. Ele disse que a “primeira objeção” à defesa da instituição financeira foram suas “escusas esfarrapadas” de que foi a polícia, e não o gerente da instituição financeira, que apontou que A.R.P. era o criminoso.
“A primeira objeção que se pode facilmente levantar contra as escusas esfarrapadas apresentadas pelo réu/apelado é a de que a Polícia não apenas foi chamada à agência bancária, como também, uma vez presentes os policiais no recinto do Banco, o autor lhes foi indigitado como sendo um possível ladrão; ora, descartada a hipótese de adivinhação policial, é óbvio que os agentes da autoridade só se deslocaram até a agência bancária porque foram convocados pelo gerente ou por qualquer outro empregado integrante da equipe próxima à direção”, censurou o desembargador.
Na sequência, João Ferreira Filho disse ser “risível” que o Banco Amazônia tenha alegado que A.R.P. só foi identificado como possível suspeito “a partir das imagens obtidas pelas câmeras”. “O fato é que a Polícia foi chamada à agência bancária e o autor apontado, e só ele, como possível ladrão, sendo risível a escusa do Banco de que, 'a partir das imagens obtidas pelas câmeras poderia haver um suspeito de ter instalado o dispositivo eletrônico para realização da fraude'”, apontou o magistrado.
Para o desembargador, A.R.P. passou por procedimentos “vexativos” e “humilhantes”. “O que o Banco não diz com clareza e sinceridade é que o gerente ou qualquer outro membro da equipe funcional bancária não fez uma comunicação genérica aos policiais, um alerta geral e impessoal de que no recinto da agência […] Contra a pessoa do requerente, se dirigiram exclusivamente à pessoa dele, ordenando que ele se levantasse, suspendesse a camisa e se expusesse ali na presença de todos, submetendo-o, portanto, a procedimentos vexativos e humilhantes de revista, perguntas e diligências”, denunciou o desembargador.
João Ferreira Filho foi além, e disse que o comportamento do banco, que fez com que o pequeno produtor passasse pelo constrangimento no interior da agência, foi “aberrante”, “despropositado”, “ilícito”, “odioso” e “censurável”. “O caráter aberrante, despropositado, ilícito e lesivo da agressão praticada contra a pessoa do autor a partir da convocação dos policiais à agência bancária se torna ainda mais patente, odioso e censurável em razão da ausência de qualquer registro formal da ocorrência policial, ou seja, embora submetido a uma custódia arbitrária efetivada na presença de vários circunstantes, e mesmo tendo sido conduzido coercitivamente à Delegacia como se fora surpreendido em flagrante delito, foi ‘liberado’ das garras policiais sem qualquer registro das ações violentas”, indignou-se o desembargador.
“INVESTIDA DESTRAMBELHADA”
O desembargador, por fim, disse que a atitude do gerente do Banco Amazônia, e da própria instituição financeira, estão sujeitos a reparação de dano em razão da “investida destrambelhada” contra o pequeno produtor rural. “Qualquer pessoa tem o direito de comunicar à autoridade pública a prática de alguma infração penal ocorrente/ocorrida e exigir as necessárias providências de contenção, apuração e punição […] Qualquer providência dessa ordem que não esteja minimamente respaldada por elementos indiciários mínimos, sérios e plausíveis, pode configurar conduta ilícita capaz de projetar efeitos no campo civil, sujeitando o informante leviano à obrigação da reparação do dano possivelmente sofrido pelo alvo inocente de sua investida destrambelhada”, advertiu o magistrado.
A.R.P. será indenizado em R$ 30 mil acrescidos de juros de 1% ao mês, sobre o valor, “a partir do evento danoso” (outubro de 2014), além de correção monetária pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) contabilizados do julgamento do caso, ocorrido em 8 de maio de 2018.