O Tiziu chegou na fazenda do Chico Manco e ninguém sabia de onde ele tinha vindo. O nome ele ganhou no segundo dia quando decidiram que poderia ficar ali, já que não conseguiram mandá-lo embora, mesmo com gritos e algumas varadas no lombo.
No começo recebeu apenas tolerância do pessoal e a comida que sobrava, quando sobrava. Com o tempo, muitos já gostavam dele e faziam-lhe até alguma festa na cabeça quando se aproximava na busca de afago.
Era muito encrenqueiro o cachorrinho Tiziu, rabugento também. Aos poucos foi dominando toda a cachorrada, ameaçando uns, batendo em outros, vários maiores e mais fortes que ele.
O Chico Manco passou a admirar o Tiziu pela sua valentia e mandou que lhe dessem uma alimentação mais consistente do que a polenta com osso que os demais cachorros recebiam. Mesmo bem alimentado o cachorrinho não mudava muito o jeito, sempre com o pelo arrepiado, a orelha esquerda troncha e uma sarna crônica que não sarava nunca.
Quando o Chico Manco disse um dia que ia levar o desmilinguido animal na briga de cachorros que acontecia no arraial mensalmente, o pessoal da fazenda, às escondidas, riu muito dele. Ninguém acreditava que aquele guaipeca ranzinza pudesse enfrentar as feras que costumavam frequentar a rinha.
No dia da competição, bem de madrugada, o Chico Manco atrelou o cavalo à charrete e acomodou o Tiziu em cima do banco para que não se cansasse na viagem e tomou o caminho da cidade.
“Cascavé” o Bull Dog do Agostinho da Minervina já tinha vencido duas lutas e não encontrava mais adversário quando, puxado pela coleira, todo arrepiado e com jeito muito desconfiado, entra o Tiziu, pela mão do dono.
Ninguém riu porque o Chico era meio estúpido e podia não gostar, mas a vontade era grande quando este propôs uma briga do atrofiado vira-lata com a fera do Agostinho.
Combinado o valor da aposta, cada um afastou para o seu lado aguardando o sinal do juiz para soltar os combatentes. A expectativa dos curiosos era grande para ver o musculoso Bull Dog liquidar o miúdo Tiziu.
Durante toda a preparação o cachorrão atleta soltava um latidão grosso e rouco enquanto o Tiziu, gemia um rosnadinho fino de alguém que não está gostando da situação.
Quando o Cascavé” agarrou o Tiziu pelo pescoço, deu duas sacudidas e o jogou a mais de cinco metros de distância, cumpriu-se o dito popular: de onde menos se espera é que não vem nenhuma surpresa mesmo.”
Do jeito que caiu o cachorrinho abriu a boca a gritar e emendou uma desembestada carreira levantando poeira na estrada seca. A sorte dele foi que caiu com a cara voltada para o rumo da fazenda, onde chegou duas horas depois, desenxabido e com fome.
O Chico Manco enfiou a mão no bolso, puxou e valor da aposta e diante do riso da plateia, tomou o caminho de casa, onde por dois dias ficou meio amuado.
Nunca comentou a “façanha” do cachorrinho briguento, apenas passou ordem que dali pra frente o Tiziu passava a comer a mesma comida da cachorrada comum.
Renato de Paiva Pereira – empresário e escritor / renato2p@terra.com.br