Nacional

Tire todas as suas dúvidas sobre a produção e liberação da “pílula do câncer”

A entrada em vigor da lei que libera a produção e o uso da fosfoetanolamina sintética, componente da chamada "pílula do câncer", deixa ainda mais conturbada a polêmica relacionada à substância, que não possui registro na Anvisa (Agência de Vigilância Sanitária), nem eficácia comprovada contra o câncer, apesar de ser utilizada por pessoas com câncer por vários anos.

A nova lei é vista como uma vitória por pacientes e familiares de pessoas com câncer, que veem na substância sua última esperança no combate da doença. Em oposição, entidades médicas e órgãos técnicos afirmam que a norma não segue o padrão para liberação e vigilância de medicamentos e que não é possível saber, sem a realização de todos os testes, se a fosfoetanolamina é ou não tóxica e se o seu uso, de fato, combate algum tipo de câncer.

A lei possui lacunas e precisa ser regulamentada por outra lei, que esclareceria o seu funcionamento. O Ministério da Saúde diz que está estudando a regulamentação para uso, pesquisa e fornecimento da fosfoetanolamina. Em paralelo, uma ação pede que a lei seja derrubada no STF (Supremo Tribunal Federal). Enquanto novas decisões não são feitas, e pesquisas não trazem novos resultados, o UOL preparou um tira-dúvidas sobre os principais pontos da discussão. 

1 A pílula do câncer é remédio? 
Para entidades médicas e para a Anvisa, a pílula do câncer não pode ser considerada um medicamento por não ter passado pelos testes clínicos necessários para avaliar sua toxidade. Para os detentores da patente, caso ela não venha a ganhar o status de remédio, poderia ser comercializada como suplemento alimentar – utilizada para produtos que não apresentam toxicidade e que não sugerem efeito contra doenças.

2 Quem pode fazer e vender?
Segundo a Anvisa, com a lei em vigor, a substância poderia ser produzida e distribuída por laboratórios que possuam alvará sanitário e que sigam o protocolo de boas práticas de pesquisa. Para o Ministério da Saúde, essas atividades ainda precisarão de regulação – que não se sabe quando e como será feita. Outra iniciativa em discussão é que estabelecimentos fornecedores do produto mantenham balanços com a movimentação da substância.

3 O que precisa para ser vendida? 
Apesar de fazer a ressalva de que a produção da substância só pode ser feita por "agentes regularmente autorizados e licenciados pela autoridade sanitária competente", a lei que libera a fosfoetanolamina sintética não estabelece de forma detalhada como e quando se dará essa produção, nem esclarece como será feita sua distribuição. Tampouco deixa claro onde essa substância seria vendida, com quais preços e como seria feito o licenciamento pelos detentores da patente.

4 Algum laboratório está vendendo? 
A substância está sendo produzida para estudo, mas ainda não há registro de algum laboratório que tenha se interessado na produção para venda. O STF não autorizou a USP a produzir a substância por entender que essa não é a atividade fim da universidade. O laboratório que desenvolveu a substância foi fechado. Um funcionário da instituição foi transferido para Cravinhos, onde será produzida a substância, no laboratório PDT Pharma, para ser testada pelo Icesp (Instituto do Câncer do Estado de São Paulo). O secretário estadual da Saúde de São Paulo, David Uip, disse ser contra a liberação do uso da fosfoetanolamina sem comprovação de sua eficácia e afirmou que o laboratório contratado pelo governo estadual não fornecerá o produto para pacientes que não estiverem participando dos estudos.

5 Para quem é indicada?
A lei permite que pacientes diagnosticados com câncer usem a substância por livre escolha, desde que provem seu diagnóstico e assinem termo de consentimento e responsabilidade. Os pesquisadores que desenvolveram a fosfoetanolamina dizem que ela é útil para doentes terminais. Médicos afirmam, no entanto, que não há comprovação de que a substância combata o câncer e de que não seja tóxica.

6 Em qual dose deve ser tomada?
Como a pílula do câncer não passou por todas as etapas de teste, não é possível saber em qual dose ela seria ministrada.

7 O paciente poderá obter o medicamento pelo SUS? 
O Ministério da Saúde afirmou que a fosfoetanolamina sintética não será distribuída pela rede pública de saúde. Os interessados em usar a substância no tratamento de câncer em estado avançado terão de arcar com todos os custos para sua compra. De acordo com o ministério, para que um medicamento seja incorporado ao SUS (Sistema Único de Saúde) é necessário que ele seja avaliado pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS, que leva em conta evidências de eficácia e segurança no tratamento.

8 O que diz a lei que libera uso e produção da fosfoetanolamina? 
O texto libera a produção, importação, distribuição e uso da fosfoetanolamina sintética, ainda que a substância não tenha registro na Anvisa. A medida autoriza pessoas com câncer a utilizarem a substância "por livre escolha", desde que apresentem laudo médico com a comprovação do diagnóstico e assinem termo de consentimento e responsabilidade.

9 Por que a lei foi aprovada? 
Apesar da inexistência de testes que comprovassem a eficácia da fosfoetanolamina, relatos de melhoras levaram a uma grande mobilização de pacientes e familiares de pessoas com câncer. Campanhas na internet e petições pediam a regulamentação da distribuição do composto. Entre os defensores da lei há também parlamentares e comissões de direitos humanos. O argumento utilizado em defesa do acesso à "pílula" foi o do direito dos pacientes ao tratamento para preservação da vida.

10 A lei pode ser derrubada? 
A AMB (Associação Médica Brasileira) já entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal para que a lei que libera a fosfoetanolamina sintética seja considerada inconstitucional. A Anvisa também estuda ingressar com uma ação na Justiça para anular os efeitos da lei. O órgão alertou que a liberação do produto coloca em risco a saúde da população e abre perigoso precedente, pois coloca no mercado, sob força de lei, uma substância que fica à margem de qualquer possibilidade de controle. Para os críticos, a norma possui uma série de lacunas e requer, no mínimo, uma outra lei específica que regulamente como funcionaria na prática o uso, a produção e a circulação da substância. Especialistas dizem que lei foge do contexto regulatório ordinário, impossibilitando que se possa prever como ela funcionaria.

11 O que dizem os médicos? 
Diversas entidades médicas se posicionaram contra a liberação do uso da pílula do câncer antes da realização de testes clínicos, que atestam a eficácia, a segurança e a interação com outros medicamentos de um possível novo remédio. Os testes clínicos incluem a análise do uso por seres humanos, que ocorre de forma controlada. Para os médicos, sem essas avaliações não é possível saber se relatos de recuperação de pessoas com câncer após o uso da fosfoetanolamina são reais ou fruto de efeito placebo – quando ocorre melhora pelo simples fato de se ingerir substância em que se acredita que produzirá efeitos positivos. As entidades consideram que a liberação da "pílula do câncer" sem testes e registro na Anvisa desrespeita o rito de liberação de medicamentos e recomendam que nenhum médico prescreva a droga antes que ela cumpra todos os passos adequados de vigilância.

12 Como surgiram as pesquisas com fosfoetanolamina? 
A fosfoetanolamina é um composto químico que está presente de forma natural no organismo de diversos mamíferos. Na década de 1970, o composto já era sintetizado em laboratório, em pesquisas sobre seu comportamento químico. Há mais de 20 anos, a fosfoetanolamina sintética começou a ser produzida e estudada em um laboratório do Instituto de Química da USP de São Carlos. Apesar de o grupo de pesquisadores não ter feito pedido de registro da substância à Anvisa (Agência de Vigilância Sanitária), as pílulas começaram a ser distribuídas para pessoas interessadas em utilizá-las no tratamento de diversos tipos de câncer. A prática acabou interrompida pela USP em 2014. Os pacientes então reagiram e o assunto foi parar na Justiça.

13 Do que é feita a pílula do câncer? 
Gilberto Chierice, que liderou o grupo de pesquisa sobre a substância na USP de São Carlos, diz que a fosfoetanolamina produzida por ele e seus colegas possui "altíssimo grau de pureza". Testes feitos a pedido do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação mostram que as pílulas possuem apenas cerca de 30% de fosfoetanolamina em sua composição. Alguns estudos em animais e células in vitro publicados pelo grupo indicam que a pílula teria alguma ação em alguns tipos de células cancerosas. No estudo feito para o ministério, a fosfoetanolamina não apresentou qualquer ação contra células com câncer, e outra substância presente na pílula apresentou algum efeito, mas muito inferior ao já obtido por quimioterápicos conhecidos

14 Quais efeitos foram relatados sobre o uso da pílula? 
Cerca de 900 pacientes receberam o produto regularmente da USP e algumas afirmaram que apresentaram melhoras. Um dos criadores da pílula diz que ela funciona como um suplemento de cálcio, zinco, fósforo e magnésio.

15 Quais resultados foram alcançados em testes? 
Após a polêmica sobre o uso da pílula antes que fosse feito um estudo com testes em humanos, os Ministérios da Saúde e da Ciência, Tecnologia e Inovação decidiram custear estudos para avaliar a segurança e a eficácia do composto. Resultados preliminares indicaram que as cápsulas são ineficientes contra tumores. Nos testes, o desempenho da pílula se mostrou muito inferior ao de drogas anticâncer já existentes. Para que algum efeito fosse detectado, foi necessário usar altas doses, o que sugere a impossibilidade de administrar a substância a pacientes.

Fonte: UOL

Redação

About Author

Reportagens realizada pelos colaboradores, em conjunto, ou com assessorias de imprensa.

Você também pode se interessar

Nacional

Comissão indeniza sete mulheres perseguidas pela ditadura

“As mulheres tiveram papel relevante na conquista democrática do país. Foram elas que constituíram os comitês femininos pela anistia, que
Nacional

Jovem do Distrito Federal representa o Brasil em reunião da ONU

Durante o encontro, os embaixadores vão trocar informações, experiências e visões sobre a situação do uso de drogas em seus