Num domingo desses, Marília Beatriz me indicou o show Kungô, de Lenna Bahule. Indicações da carioca-cuiabana são imperdíveis, seja de que natureza for: literatura, gastronomia, concertos, artes plásticas.
Lenna Bahule nasceu em Maputo, Moçambique. Entrou para o mundo da música aos cinco anos. Em 2006, passou a cantar suas próprias composições. Em 2008, ainda em Moçambique, integrou a Banda TP50 que toca música brasileira. Radicou-se em Sampa e se misturou à multiplicidade de gentes, de cores, de sons, de formas de brasilidade, ainda que tenha percebido as contradições do país. Presenteou a música com seu tempo e, pela banda Nkhuvu, chegou ao Brasil.
Em Kungô, Lenna Bahule recheou o Teatro Sesc Arsenal com sua voz. Instrumentos musicais? A voz! O corpo! A cabaça! O chocalho em fieira! Este, enrolado aos tornozelos, atendia aos apelos de seus movimentos que ordenavam os búzios a trazer o som do mar ao Centro-Oeste. Porque, no canto-poesia de Bethânia, “o som das ondas, os búzios não esquecem. Acolhe a voz do mar em qualquer terra”.
Lá pelas tantas, Bahule dividiu o palco com Vera-Zuleika. “Magas”, no sentir da moçambicana. As vozes das três mulheres uniram-se em “A La Cuiabana”, a provocar uma completude no espaço e, em meu coração, um sussurro que elegeu aquele momento como kairós, como “momento oportuno”, nas palavras de Michel de Certeau.
“A La Cuiabana” tem uma misturança de “palavras em português, espanhol, guarani e africano que deram origem ao falar ribeirinho mato-grossense” que pode existir simultaneamente à melodia Nambiquara entoada nos festivais de menina-moça. Foram os índios quem confiaram a melodia às magas. Nela, consigo escutar a voz do pajé Lourenço Kithaulu, o Homem Algodão. Quanta saudade…
E, novamente, instrumentos musicais para quê se no palco apresentavam-se vozes orquestrais?
“A pele do branco! A pele do negro! A pele do índio! A pele na pele! A pele repele?”