Política

TCE devassa edital de R$712 milhões feito às pressas por Mauro Mendes

O Tribunal Pleno do Tribunal de Contas de Mato Grosso (TCE) aprovou, por unanimidade, na manhã da terça-feira 21, a homologação de medida cautelar proposta pelo conselheiro substituto Luiz Carlos Pereira que determina a suspensão do contrato de Parceria Público-Privada (PPP) da Prefeitura de Cuiabá para instalação de lâmpadas de LED no município pelo valor de R$712 milhões. 

O contrato seria de 30 anos. Entre as falhas, o TCE apontou que os ônus com avarias nas lâmpadas ficariam apenas para a Prefeitura, porém a concessionária lucraria com as receitas. Além disso, o contrato não prevê sistema de telegestão, que permitiria o monitoramento do serviço via tecnologia da informação. O acompanhamento seria feito, ao longo de três décadas, manualmente.

O conselheiro Valter Albano, que liderou a sessão de julgamento da pauta, reconheceu a complexidade do assunto e sua relevância social tanto para a unidade gestora quanto para o controle externo. “Tenho certeza de que o Ministério Público de Contas (MPC), ao revisar a pauta, terá o máximo cuidado de preservar o poder discricionário da autoridade política, porém temos também o dever de preservar igual ou maximamente o interesse da sociedade e o nosso dever de bem administrar o bem público”, observou Albano.

A licitação foi vencida pelo Consórcio Cuiabá Luz, que assumiria a prestação do serviço por meio de um contrato de PPP com o Executivo municipal. O certame, cujo resultado já tinha sido adiantado no começo de novembro pelo Circuito Mato Grosso, foi realizado às pressas, nas últimas semanas da gestão do ex-prefeito Mauro Mendes (PSB), em dezembro do ano passado.

O conselheiro Luiz Carlos Pereira, ao decidir pela suspensão dos efeitos do contrato, apontou sete irregularidades na parceria firmada entre a Prefeitura e o Consórcio Cuiabá Luz, formado pelas empresas baianas FM Rodrigues e Cia Ltda, Cobrasin Brasileira de Sinalização e Construção Ltda e Sativa Engenharia Ltda.

De acordo com o despacho, uma das irregularidades no processo licitatório foi a ausência de transparência das decisões tomadas, “com estudos genéricos e superficiais, inexistindo aposição da fundamentação das opções de modelagem da PPP no processo administrativo licitatório”.

Além disso, o órgão apontou que houve desequilíbrio na distribuição dos riscos entre a Prefeitura e o consórcio. “… além de o pagamento da energia elétrica ter ficado apenas a cargo da Administração, ‘somente há previsão de reequilíbrio econômico em favor da Concessionária’”, diz trecho do relatório.

Em sua decisão, o conselheiro afirmou que a Prefeitura ignorou o fato de o Ministério Público de Contas (MPC) ter apresentado recurso, requerendo a suspensão do edital, por conta de irregularidades.

Postura do prefeito

O relator Luiz Carlos Pereira, ao fazer um resumo do processo na sessão de julgamento da pauta, destacou a postura do prefeito de Cuiabá, Emanuel Pinheiro (PMDB), em relação ao contrato milionário.

“Ele teve uma postura muito cuidadosa em relação ao tema, tanto que fez um decreto suspendendo todos os efeitos do contrato mesmo antes de começar a sua vigência e determinou auditoria interna para que, minuciosamente, se pudessem ver os detalhes”, comentou.

Valdir Teis alerta para risco de rombo nos cofres da Prefeitura

O conselheiro Waldir Teis reconheceu que a ausência de um sistema de tecnologia da informação para acompanhar a prestação do serviço de iluminação pública pelo Consórcio Cuiabá Luz, aliada ao fato de a Prefeitura de Cuiabá assumir 99% das avarias nas lâmpadas, representa um risco sem precedentes aos cofres públicos.

“O sistema de gestão, que é um sistema de TI, é o que dá toda garantia a todo o sistema de iluminação, porque senão o cidadão terá que correr todo dia para saber onde está tendo problema”, alerta o conselheiro.

Por outro lado, ele critica veementemente o fato de a concessionária assumir, conforme o contrato, apenas 167 lâmpadas num contexto de 68 mil pontos espalhados pela cidade. “Não dá para entender. Se contratei um edifício e ele cai, o risco deve ser 100% da contratada”, presume o conselheiro.
Waldir Teis ainda se posicionou contra o compartilhamento das receitas entre a Prefeitura de Cuiabá e a concessionária. “Antes precisamos saber como será feita a medição da tarifa de iluminação pública. Na minha opinião, a receita deve ser toda do município”.

Para Teis, não é viável um contrato de 30 anos em que a concessionária não compartilha o ônus, mas apenas o bônus.

Arsec deve ser capacitada para fiscalizar contrato

Um contrato de PPP deve, obrigatoriamente, ser fiscalizado por um órgão devidamente preparado e isto seria de responsabilidade da Agência Municipal de Regulação dos Serviços Públicos Delegados de Cuiabá (Arsec). 

Este é o posicionamento do conselheiro Luiz Henrique Lima em relação à concessão do serviço de iluminação pública em Cuiabá pelo valor de R$ 712 milhões.

“Trata-se da regulação deste contrato. Uma PPP com duração de 30 anos, envolvendo um serviço público tão essencial para a população cuiabana, exige uma regulação adequada, forte”. 

O conselheiro, no entanto, lembrou que na legislação que disciplina o funcionamento da Arsec não está prevista a regulação de PPPs. “Então este é um cuidado que a prefeitura deve tomar. Se vai realizar concessão de serviços públicos mediante PPP, ela tem que capacitar a sua agência regulatória para promover a regulação. Caso contrário, como este contrato será fiscalizado?”, questiona.

Lima ressalta que este não é um contrato comum, mas extremamente complexo, e por isso chama a atenção para a necessidade de a prefeitura de Cuiabá adequar a Arsec para esta missão. 

“Seja qual for a decisão final do mérito, seja dando continuidade ao certame que foi realizado, ou realizando um novo certame, vai ser necessário e indispensável fortalecer o poder regulatório da Arsec para que a prefeitura de Cuiabá possa acompanhar a prestação deste serviço tão importante”, completou.

O conselheiro João Batista compartilhou da mesma postura de Luiz Henrique Lima: “Temos um exemplo em Cuiabá que é a privatização dos serviços de água e esgoto por meio de contrato com a CAB Ambiental, que acabou sofrendo intervenção. Então, se o ente delega serviços, ele tem que ter uma regulação adequada”.

Recurso daria para 178 UPAs ou seis novos prontos-socorros

A construção de uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de porte 3, modelo padrão de Cuiabá, custa R$ 4 milhões, conforme dados do Ministério da Saúde. Isso significa que 178 poderiam ser construídas nos próximos trinta anos com o recurso de R$ 712 milhões do edital de iluminação. 

Em outra comparação, R$ 104 milhões – para construção do prédio e compra de equipamentos para atendimento – estão sendo investidos pelo governo estadual e a prefeitura para construção do novo pronto-socorro. Com a verba do contrato de iluminação, daria para construir e equipar pelo menos seis novos prontos-socorros.

O hospital está sendo projetado para ampliar o atendimento, com capacidade para absorver as demandas do interior de Mato Grosso e para disponibilizar atendimentos direcionados para gestantes. O hospital tem área de 20 hectares e contará com 320 leitos. Com o recurso aplicado na licitação de iluminação, 6,5 prédios com o mesmo porte poderiam ser construídos.

Na planta, o novo pronto-socorro está dividido em três setores, com leitos, centro de diagnósticos e centro ambulatorial. 

 

Sandra Carvalho

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