No dia 23 de agosto deste ano, o indígena Tanaru, conhecido como ‘Índio do Buraco’, foi encontrado morto, deitado em sua rede por um integrante da Frente de Proteção Etnoambiental da Funai, que com tanto esmero e profissionalismo lutou por Tanaru. A nominação ‘Índio do Buraco’ origina-se do costume de cavar um buraco no interior de sua casa. Seu corpo estava vestido ritualisticamente de ornamentos plumários.
Fonte: Samaúma. Jornalismo do Centro do Mundo
Em nota, a Funai informou que ‘os pertences, utensílios e objetos utilizados costumeiramente pelo indígena permaneciam em seus devidos lugares. No interior da palhoça havia dois locais de fogo próximos da sua rede.’ Por mais de duas décadas, Tanaru, ao morrer com idade estimada de 60 anos, viveu isolado nas matas do sul de Rondônia. Em 1998, a União reservou uma área de floresta de 8.070 hectares, com o intuito de garantir a sobrevivência do indígena, com restrição de uso, salvo para estudos destinados à demarcação do território.
O indigenista Marcelo dos Santos registrou que a etnia de Tanaru sofreu dois massacres. Na década de 1980, ‘os indígenas trocaram produtos de suas roças por açúcar com pistoleiros de uma fazenda. Os homens puseram veneno no açúcar e mataram parte da aldeia.’ Na década seguinte, ‘um fazendeiro mandou atacar a tiros os sobreviventes, incendiar as casas restantes e passar o trator. Assim, restou apenas um indígena no Tanaru.’
‘Conhecido por sua solidão, resistiu até seus últimos dias ao contato com não-indígenas depois de tantos traumas e violências. Seu território deve continuar representando a resistência e deve ser preservado e cuidado, tornando-se uma área de conservação’ (Txai Suruí, fundadora do Movimento da Juventude Indígena de Rondônia).
Na história do SPI e da Funai, o caso do ‘Índio do Buraco’ é único: um território em processo de demarcação em que morreram todos os indígenas que nele habitavam. Nessa região, cercada de pastagens e grandes plantações, por 26 anos Tanaru viveu em fuga, afastando-se de madeireiros e grileiros. Foram 53 casas construídas, todas com uma única porta e com um buraco em seu interior. Há registros que o indígena ‘mudava de lugar dentro do território para não ser morto, numa vida de guerrilha. Assim, construía tapiris com uma entrada. Dentro, abria um buraco em forma ovalada, de meio metro de largura, um de comprimento e até três de fundura.
Fonte: Survival Internacional/Divulgação.
Do dia 23 de agosto, quando Tanaru foi encontrado morto em sua rede, até seu sepultamento, prevaleceram a morosidade e o descaso das instituições governamentais. Seu corpo foi levado para Vilhena, em Rondônia e, em seguida, para o Instituto de Criminalística, em Brasília, com o intuito de verificar a causa da morte. Um mês depois, retornou a Rondônia, para a sede da Polícia Federal. Seu corpo, insepulto, ficou à espera da decisão da Funai e da Polícia Federal que não decidiam ‘quando vão enterrar os restos mortais do ‘Índio do Buraco’.
O corpo de Tanaru, encontrado no dia 23 de agosto, somente foi enterrado em 4 de novembro por decisão da Justiça Federal de Rondônia, em atendimento ao pedido do Ministério Público Federal. Na presença de funcionários da Funai, Purá, indígena pertencente ao povo Kanoé, de Rondônia, conduziu a cerimônia fúnebre.
A morte de Tanaru deixou incerta a situação da Terra Indígena Tanaru. Em 2025 finaliza o prazo de restrição de uso. ‘Fazendeiros da região entraram com um pedido na Funai para ter direito à área, que teria sido comprada por eles em leilão na década de 1970. Os fazendeiros alegam que não há mais nenhum indígena no local e a Funai já estuda a possibilidade de revogar a portaria de restrição de uso da área.’
A floresta, que por décadas foi protegida por Tanaru, corre o risco de sofrer degradação ambiental. No entendimento do Ministério Público de Rondônia, ‘a terra que é indígena pertence à União, com o direito de posse e usufruto aos povos indígenas. Não há mudança dessa natureza pelo fato de o Índio do Buraco ter falecido. Ela permanece como terra da União e terra indígena.’
Tanaru testemunhou o genocídio de seu povo. Viveu solitário. A fugir das garras dos não indígenas que cobiçam suas terras ancestrais. Em sua rede, esperou paramentado de plumas por sua morte. Seu corpo retornou à floresta de Tanaru, que não escuta mais os ruídos de seus passos, do trabalho da roça, do tecer seus cestos e redes. Tanaru jaz junto ao seu povo. Mas sabe a floresta que continua a ter sua proteção.
Anna Maria Ribeiro Costa é etnóloga, escritora e filatelista na temática ‘Povos Indígenas nas Américas’.