Antes de usar os R$ 119 milhões, porém, precisou provar que tinha sido o autor da aposta e ainda desmontar uma versão -inicialmente aceita pela polícia- de que o bilhete premiado era na verdade de um bolão.
O alívio veio somente no mês passado, quando o Ministério Público denunciou 12 pessoas sob acusação de mentir e tentar enganar a Justiça com a história do bolão.
Hoje dono de fortuna equivalente a três anos de salário do craque argentino Lionel Messi, o apostador vivia até o dia do sorteio em São José do Herval, 2.200 habitantes e a 176 km de Porto Alegre.
Como não havia lotérica no município, registrou os bilhetes em Fontoura Xavier, cidade vizinha, onde a notícia de que o prêmio recorde havia saído de uma lotérica local logo ouriçou moradores.
Foi então que funcionários da prefeitura passaram a afirmar que o bilhete sorteado tinha sido desviado de um bolão. Dez pessoas se disseram parte do grupo de apostadores e recorreram à polícia.
Nos meses seguintes, era com eles que a sorte parecia estar: a apuração de policiais deu razão ao grupo.
Eles acusavam um colega da prefeitura, Décio Sabadin, 64, que havia registrado as apostas, de sumir com o bilhete e entregá-lo a Nicolau em troca de parte da fortuna.
Em 2011, o inquérito foi concluído pedindo a responsabilização de Nicolau, Sabadin e mais três pessoas.
A reviravolta veio meses depois: a Justiça considerou o inquérito falho e determinou nova investigação para esclarecer se houve falsa comunicação de crime.
DENÚNCIA
No mês passado, depois de receber o resultado da nova apuração da polícia, o Ministério Público decidiu denunciar os integrantes do bolão e o prefeito de Fontoura Xavier à época, sob suspeita de denúncia caluniosa, coação, falso testemunho e extorsão.
O horário das apostas foi a prova crucial para a nova conclusão: o grupo do bolão dizia que os jogos tinham sido registrados pela manhã, enquanto o bilhete premiado foi computado à tarde.
Inocentado pela polícia e Promotoria, Nicolau ainda tenta na Justiça reparação contra seus acusadores.
A Folha não o localizou na semana passada. Seu advogado disse que ele estava em viagem e não poderia falar.
OUTRO LADO
O delegado responsável pela primeira investigação sobre o caso da Mega-Sena no interior gaúcho discorda do Ministério Público e diz manter a convicção de que o empresário Ortenilo Nicolau fraudou um bolão.
Heliomar Franco, que comandou o inquérito entre 2010 e 2011, afirma que havia extensas provas de que o empresário e outras pessoas se apropriaram do prêmio.
Ele diz se basear em escutas telefônicas, perícias e quebras de sigilo bancário. Também afirma que houve "movimentações suspeitas" de dinheiro e que os apostadores do bolão eram "pessoas humildes" que não teriam condições de inventar a história.
O advogado de 10 dos 12 réus, Alessandro Becker, diz que a denúncia da Promotoria é uma "aberração jurídica". "Não houve denunciação caluniosa. Ninguém sabia quem era o ganhador."
Anoar Pinheiro, um dos integrantes do bolão, disse que só seu advogado iria falar.
O ex-secretário municipal de Obras José Carlos Pinto, responsabilizado nas duas investigações, disse que "qualquer um iria desconfiar". "Faz uma série de jogos e depois falta um bilhete.
Foi pedido [à polícia] para fazer uma averiguação", afirma.
O ex-prefeito de Fontoura Xavier José Flávio Godoy (PT) nega qualquer participação e afirma que não tinha envolvimento com o grupo que diz ter apostado no bolão.
Folha