O filme Spotlight – Segredos Revelados conta a história verídica de uma equipe de jornalistas investigativos do jornal Boston Globe que, em 2001, revelou um escândalo de abuso sexual envolvendo padres da Igreja Católica na cidade de Boston. A obra não se limita a retratar uma investigação jornalística de impacto, mas toca no âmago das responsabilidades éticas e jurídicas da sociedade diante de crimes que, por décadas, foram silenciados em nome da preservação institucional.
A narrativa nos recorda que nenhuma instituição, por mais respeitável que seja, pode ser colocada acima da lei ou servir de escudo para a prática de crimes hediondos.
O poder religioso, político ou econômico não pode se sobrepor ao valor maior da dignidade humana, princípio consagrado na Constituição e nas convenções internacionais de direitos humanos. Qualquer tentativa de utilizar a fé como instrumento de encobrimento é, em si mesma, uma afronta à essência espiritual que a religião pretende sustentar.
Separar a fé dos atos criminosos de seus representantes é não apenas possível, mas necessário. A fé, enquanto experiência subjetiva de transcendência, permanece intocável. Já os crimes praticados por indivíduos investidos de autoridade religiosa devem ser enfrentados com todo o rigor da lei. O direito não admite zonas de imunidade em matéria de proteção à vida, à infância e à integridade psíquica e física da pessoa humana.
Do ponto de vista jurídico, a omissão institucional diante de tais fatos configura grave violação ao dever de proteção. A infância e a juventude, reconhecidas constitucionalmente como prioridade absoluta, não podem ser relegadas em nome de interesses políticos ou religiosos. O silêncio e o encobrimento, ao perpetuarem a impunidade, transformam-se em cumplicidade. Assim, a responsabilidade é coletiva: Estado, sociedade civil e instituições religiosas têm o dever de prevenir, punir e reparar violações dessa natureza.
O filme também ressalta a função social do jornalismo investigativo responsável como instrumento de controle democrático. A liberdade de imprensa, assegurada constitucionalmente, revela-se aqui não como um direito apenas da corporação jornalística, mas como um serviço à coletividade, capaz de romper pactos de silêncio e devolver voz às vítimas. É nesse sentido que a obra adquire um valor jurídico-político: demonstra que a verdade, mesmo quando incômoda, é imprescindível para a realização da justiça.
Do ponto de vista técnico, a sobriedade da fotografia, a quase ausência de trilha sonora e a escolha por enquadramentos contidos reforçam o caráter documental da narrativa.
Não há espetáculo, mas a insistência em registrar os fatos tal como são: frios, duros, perturbadores. O estilo visual e sonoro se alinha à própria postura ética do filme, que não busca comover pela manipulação estética, mas sensibilizar pela força da realidade.
Spotlight é, assim, um lembrete contundente de que a verdade não pode ser aprisionada. A lei, a ética e a consciência coletiva exigem que nenhuma crença, tradição ou poder se sobreponha ao direito fundamental das vítimas à justiça. A fé pode permanecer como fonte de esperança, mas jamais deve ser confundida com as práticas criminosas de homens que dela se valeram para violentar os mais vulneráveis.
A mensagem final é clara: proteger a dignidade humana é um dever universal, que está acima de qualquer dogma ou instituição.
E que cada espectador leve consigo o alerta silencioso que ecoa do filme: é preciso vigiar e não se calar, é preciso romper pactos de conveniência e agir em defesa da vida. A dignidade humana não se negocia, não se adia e não se cala. Que nunca nos esqueçamos de que a verdade, por mais dolorosa, é sempre caminho de libertação, e que cada um de nós tem o dever de erguê-la como luz contra as sombras que insistem em se esconder atrás das máscaras do poder.
Vale muito a pena assistir.

Olinda Altomare é magistrada em Cuiabá e cinéfila inveterada, tema que compartilha com os leitores do Circuito Mato Grosso, como colaboradora especial.
Foto capa: Reprodução/Divulgação