É ele, governador, quem decide “o que e onde comprar obras de infraestrutura em benefício da população”, diz a lei. O poder legado ao governador do Estado, no entanto, pode levar “a conluios e cartas marcadas” na contratação das obras, na análise do procurador geral da República, Roberto Gurgel, que já fez duras críticas à aprovação da lei.
Em Cuiabá, uma das sedes da Copa do Mundo de 2014, o órgão responsável pelas obras do evento é a Secretaria Extraordinária da Copa (Secopa), subordinada diretamente ao governador Silval Barbosa, e que homologou esta semana o Consórcio C.L.E. Arena Pantanal, constituído pelas empresas Canal Livre Comércio e Serviços Ltda e Etel Engenharia, Montagens e Automações Ltda, como o vencedor do Edital Nº 5/2013, cujo objeto é a aquisição do sistema de Tecnologia da Informação (TI), som e iluminação por R$98,3 milhões.
Nesse tipo de contratação, qualidade e eficiência serão uma incógnita, pois o projeto básico e a execução são feitos pela própria empresa escolhida, contrariando a Lei das Licitações nº 8.666, que exige que uma empresa elabore e outra execute, assim, ambas se fiscalizam. O mesmo RDC, provavelmente, também regerá a aquisição dos assentos para a Arena Pantanal.
O poder do RDC é tamanho que, neste caso do Edital nº 5/2013, foi o próprio Governo – através da Secopa – que julgou improcedente a impugnação do consórcio Tnl Pcs S/A – Oi, que protocolou 24 questionamentos, todos julgados improcedentes pela secretaria.
Numa das questões da Tnl Pcs S/A – Oi sobre a idoneidade do consórcio vencedor, a Secopa responde que “a impugnação é tempestiva” quanto à alegação de que a penalidade incluindo impedimento de contratar com a administração pública em geral – inobservância do art. 47 da Lei n.º 12.46212011 e do artigo 87, inciso III da Lei n.º 8.6661/93.
A alegação é improcedente, pois tal disposição é ato de probidade administrativa e dever do agente manter afastadas de certames públicos concorrentes que tenham sido declaradas inidôneas para licitar com a administração pública de qualquer esfera. Permitir sua participação é pôr em risco o interesse público e toda a contratação”. A resposta do órgão governamental exprime dualidade, pois a contratação foi feita pelo RDC, mas o argumento para a improcedência foi baseado na Lei das Licitações.
Dra. Denise Vinci Tulio, coordenadora da 5ª Câmara do Ministério Público Federal, falando com exclusividade ao Circuito Mato Grosso, sintetiza a irrazoabilidade do RDC: “O principal problema é a falta de projeto básico. O governo não sabe o que está sendo licitado. Por mais que se descreva sumariamente o objeto, as dificuldades de mensurar o que está sendo executado é muito difícil”. Ela vai além: “Sem o projeto básico, não tem como controlar se a execução corresponde ao que foi licitado; o controle é deficitário. Aí pode acontecer o lesa-patrimônio, pois não se têm parâmetros para a fiscalização”.
A coordenadora lembra ainda que o procurador geral da República, Roberto Gurgel, entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) que está sendo apreciada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
RDC é o pior exemplo que existe, diz especialista
Maurício Zockun, advogado, professor de Direito Administrativo na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), mestre em Direito Tributário e doutor em Direito Administrativo pela PUC-SP, também em entrevista exclusiva ao Circuito Mato Grosso, diz que “por si só, o sistema RDC de contratação, em questões jurídicas, é o pior exemplo que existe”. Zockun fala que “num primeiro momento você acha maravilhoso. Depois vê que quem custeia é o contribuinte porque a empresa vencedora com menor preço é quem ditará o que fazer e como fazer com muito pouca ou nenhuma fiscalização por parte do Estado”.
O advogado lembra que estão tratando de formas distintas o mesmo objeto: “São dois pesos e duas medidas”. Explica Zockun que, se alguém for fazer um estádio de futebol, “aquele que servirá à Copa do Mundo ou às Olimpíadas, terá tratamento diferenciado juridicamente” (veja quadro ao lado). Tudo porque o RDC funciona “como uma venda casada: o contratado elabora e executa o projeto e essa não é a melhor solução para a tutela do bem público”.
Zockun destaca que “ao impedir julgamento objetivo da licitação do projeto básico e do projeto executivo, uma contratação integrada abre brecha para crimes e poderá ensejar graves desvios de verbas públicas”.
Por: Rita Aníbal
Foto: Pedro Alves