Por Josiane Dalmagro/Cátia Alves
Foto Ahmad Jarrah
O Sindicado dos Médicos do Estado de Mato Grosso (Sindimed-MT) divulgou um áudio gravado durante encontro com o secretário Municipal de Governo e Comunicação Social de Cuiabá, Kleber Lima, nesta terça-feira (19). Nele, o secretário afirma que a Prefeitura de Cuiabá não apenas acompanha as eleições sindicais, como também pode interferir em algumas.
Na gravação feita no último dia 6 de abril, em uma reunião informal entre sindicato e prefeitura, o secretario faz uma explanação sobre o poder bélico que o Palácio Alencastro possui para intervir nas escolhas de representantes sindicais.
No trecho divulgado, Kleber Lima diz: “Tanto acompanhamos a eleição deste sindicato, como de todos os outros, de servidores de setores que são muito diretamente ligados a nós, como poderíamos interferir. Há muitas experiências de gestões que interferem nisso, como no Transporte Público. A gente podia interferir nisso tudo. Temos urgência, temos inteligência, temos experiência, temos network. Poderíamos interferir, ir lá, colocar gente nossa”.
O secretário afirma ainda que a Prefeitura de Cuiabá possui diversos médicos que exercem cargos de chefia na Secretaria de Saúde e que, se quisesse, poderia infiltrá-los nas assembleias da categoria, a fim de ganhar o jogo no tapetão. “É que nunca fizemos nenhuma ação deliberada: 'Gente, vai todo mundo pra Assembleia e derrota!'. Esse não é nosso papel”, abrandou o secretário.
Em outro trecho, o secretário Kleber Lima, diz: “Se a gente pegar o número de médicos que exercem cargo de chefia hoje na secretaria de saúde, dá mais gente que na assembleia de vocês, na boa. E mesmo assim nós nunca fizemos uma ação deliberada dizendo: 'gente vai todo mundo para a assembleia e derrota lá a posição do sindicato!'”.
O diretor do Sindimed-MT, Edinaldo Lemos, disse que a fala do secretário ilustra a estratégia de um jogo político que visa à perpetuação no Poder. “Democracia é a divergência de falas, discursos e ideias. Contudo, a revelação do secretário deixa claro que a Prefeitura de Cuiabá realiza um trabalho para anular os movimentos sociais, que poderiam contrapor a gestão pública. Este é um exemplo claro de que o Município está sob as mãos de um autocrata, caudilho e ditador e, como tal, não aceita divergências”, observou.
O assessor jurídico do Sindimed, Bruno Álvares, informou que a íntegra da gravação será anexada ao processo movido pela Prefeitura contra a entidade na justiça. “No diálogo, o secretário admite erros, como o corte de 14% de remuneração dos profissionais, referentes ao Prêmio Saúde. Além disso, cita que alguns pontos da pauta são fáceis de serem resolvidos. Portanto, fica claro o embate meramente político”, considerou, ao ressaltar que os ataques pessoais do prefeito Mauro Mendes à presidente do Sindimed-MT evidenciam isso.
OUTRO LADO
Em entrevista para o jornal Circuito Mato Grosso, o secretário Kleber Lima, confirma que a voz nos áudios divulgados pelo Sindimed é dele. O secretário lamentou que a conversa informal que teve com a categoria no dia 6 de abril tenha sido revelada apenas em trechos que os favorecem e agride a imagem da prefeitura.
O secretário disse que foi procurado pelo vereador Ricardo Saad (PSDB), presidente da Comissão de Saúde da Câmara de Cuiabá, para ter essa conversa informal com o Sindicato e que Saad estava presente quando tudo aconteceu.
“O que me deixa triste é saber que um médico, diretor do Sindimed, em uma conversa intermediada por um vereador do poder legislativo, deturpa o que eu falei, extrai trechos do que eu disse e não revela toda a conversa pra tentar criar um estado mental diferente daquilo que ouve”, disse Lima.
“Eu deixei claro desde o princípio que era uma conversa informal, que não tinha validade como negociação, mas que se a gente conseguisse ali avançar em alguns pontos de consenso, tanto eu, representando a prefeitura, como eles, representando o sindicato, levaríamos essas posições aos nossos respectivos superiores ou ao colegiado para verem se aquilo poderia avançar”, esclareceu Lima.
O secretário informou que das pautas apresentadas pelo sindicato no dia da conversa, a única resposta negativa foi quanto ao piso de R$ 12 mil, que não estaria em negociação. “Eu disse que se o prefeito concordasse eu faria o documento, mas que a gente só voltaria a conversar depois que eles suspendessem a greve”. Ele aponta ainda que o sindicato concordou desde que um documento assinado pelo prefeito fosse entregue, assegurando que os pontos passíveis de negociação seriam cumpridos.
Kleber afirmou que um documento chegou a ser feito dizendo que a Prefeitura de Cuiabá estava sempre disponível para sentar com o Sindimed e negociar os pontos das pautas deles desde que a greve fosse suspensa.
E atacou: “Eu lamento muito a desonestidade do sindicato e de médicos chegar a esse ponto. Inclusive, eu digo, esse médico já atendeu meus filhos, ele é pediatra, mas ele nunca mais atenderá meus filhos. Porque uma pessoa com essa desonestidade não é digna de tocar nos meus filhos”.
Médico rebate Kleber e Mendes
O médico em questão, é o diretor do Sindimed-MT, Edinaldo Lemos, que rebate a acusação afirmando que personificar a discussão não é a melhor maneira de levar adiante a discussão sobre a paralisação.
“A personalização do tema não é bom para a discussão. Se houve desonestidade, não foi por parte do sindicato, e, sim, sobre negociar na mesa e depois a negociação não ser mantida pelos gestores. Na hora de pedir para greve acabar eles sentam na mesa com a gente, mas não querem assumir o ônus da negociação. Se a greve acabar eles sairão com os bônus da negociação, e para que você saia com os bônus de uma negociação é necessário arcar com os ônus também. Ele não está garantindo o que fala, quem está sendo desonesto é o representante da gestão”, retruca.
EM ASSEMBLEIA
O Sindicato dos médicos da Capital realizam assembleia todas as segundas do mês para discutir os rumos da greve. Em greve há quase 50 dias, a assembleia realizada na segunda-feira (18) foi a primeira em que autoridades estiveram presente. O secretário-adjunto de Saúde de Cuiabá, Daoud Abdallah, por exemplo, mas ele não apresentou nenhuma proposta de acordo. Foram apresentadas apenas justificativas para o corte dos 14% do Prêmio da Saúde.
No grupo contrário estavam presentes o secretário adjunto de Estado de Saúde, Werley Perez, o diretor do Hospital Municipal São Benedito, Huark Douglas Correa, e a ex-presidente do Sindicato, Elza Queiroz. Para a atual presidente do Sindicato dos Médicos do Estado de Mato Grosso (Sindimed-MT), Eliana Siqueira, a participação dos profissionais revela uma tentativa clara da Prefeitura para tentar vencer o movimento no tapetão.
Sendo assim, os médicos continuarão a greve por tempo indeterminado.
PREFEITURA DE CUIABÁ X SINDIMED
A prefeitura de Cuiabá disparou uma nota de esclarecimento sobre seus motivos para manter seu posicionamento quanto à greve. Em seguida, mantendo seu lado nesse cabo de força o Sindicato do Médicos do Estado de Mato Grosso deu sua réplica. Confira a seguir:
Prefeitura: O município de Cuiabá possui atualmente 720 médicos em seus quadros, sendo que, desses, apenas 82 aderiram à greve do sindicato, numa verdadeira afronta ao Estado de Direito e ao Tribunal Justiça de Mato Grosso, e um desrespeito à população que necessita dos serviços públicos de saúde. A Secretaria Municipal de Saúde também tem feito todo o esforço necessário para contratar emergencialmente novos médicos para substituir os 82 faltosos, até que a situação volte à normalidade.
Sindimed: A Prefeitura afirma que possui 720 médicos contratados, mas onde estão distribuídos? Essa é a questão. As escalas das policlínicas estão incompletas há mais de 1 ano, gerando, muitas vezes, esperas que chegam a mais de 8h por atendimento. Em alguns PSFs da Capital não há sequer um médico há mais de seis meses. Profissionais são vítimas de agressões, enquanto o Executivo promove uma ‘greve institucional velada’, agora sob a anuência de uma decisão precária da Justiça. A liminar que decretou a ilegalidade do movimento dos profissionais gerou polêmica e dividiu magistrados na última sessão do Pleno do Tribunal de Justiça de Mato Grosso. Nove desembargadores condenaram a atitude do Executivo. O mérito ainda não foi julgado.
Prefeitura: A greve foi considerada ilegal pelo Tribunal de Justiça, que arbitrou multas diárias por desobediência que já ultrapassam a casa dos R$ 2,8 milhões, sem, contudo, que o Sindimed-MT se dignasse a cumprir a decisão da instância máxima do Judiciário mato-grossense.
Sindimed: A Prefeitura alega que a greve é ilegal, enquanto descumpre decisões da própria Justiça que momentaneamente a beneficia. Exemplo disso é a determinação de agosto do ano passado, que proíbe que pacientes fiquem amontoados nos corredores do Pronto Socorro de Cuiabá. Além disso, o gestor não cumpre os acordos judiciais feitos com o Sindicato. Pior, num verdadeiro atentado à vida, não acata liminares expedidas pelo Judiciário, a fim de garantir sobrevida a pacientes que necessitam de condições mínimas, como um simples e primordial oxigênio.
Prefeitura: Diante da radicalização do Sindimed-MT, a Secretaria Municipal de Saúde tomará todas as providências legais e administrativas cabíveis para assegurar o funcionamento deste serviço que é essencial à população, bem como para punir os faltosos com o corte de ponto, por entender que quem não trabalha não tem direito a receber.
Sindimed: Se fossem apenas 82 médicos parados, como afirma o gestor público, o movimento não afetaria a demanda por atendimentos no Pronto Socorro de Várzea Grande, que já registra um aumento de 30%. O fato é que ‘todos os médicos das policlínicas, UPA e Pronto Socorro aderiram e apoiam à greve’, mas não deixam de comparecer ao posto de trabalho para atender à população. E, apesar do cumprimento de suas obrigações, a Prefeitura descontou de forma ilegal os salários de mais de 50% dos médicos.
Prefeitura: Reitera também que mantém uma relação respeitosa e de alto nível com todas as categorias de servidores públicos, tendo resgatado direitos e concedido benefícios a todas elas, mesmo num cenário de crise econômica que afeta todo o país. Porém, apenas a atual diretoria do Sindimed-MT se recusa a negociar responsavelmente com o município, patrocinando uma greve sem fundamento e ilegal; portanto, em respeito ao Poder Judiciário de Mato Grosso, à maioria absoluta dos médicos que estão trabalhando e à população, a prefeitura reitera sua disposição de retomar o diálogo com os médicos, assim que o sindicato suspender a greve ilegal e os 82 médicos voltarem aos seus postos de trabalho.
Sindimed: Por fim, a categoria reitera que está aberta à negociação e que é contra a radicalização antidemocrática do gestor, incapaz de ouvir o clamor social. O prefeito Mauro Mendes só precisa da sua vontade para receber o Sindicato, que aguarda reunião desde o ano passado. As mãos que salvam, também lutam!