Jurídico

Silval confirma denúncia de esquema com a Canal Livre feita pelo Circuito

A divulgação de trechos da delação do ex-governador Silval Barbosa (PMDB) esta semana apontando para um esquema de propina na obra da Arena Pantanal, construída em Cuiabá para sediar jogos da Copa do Mundo Fifa 2014, confirma uma série de denúncias de direcionamento feitas com exclusividade pelo Circuito Mato Grosso em 2013. Silval relata que ele próprio, o deputado estadual Romoaldo Júnior, do mesmo partido, e o então secretário da Agecopa, Éder Moraes, receberam dinheiro ilícito da construtora Mendes Júnior, responsável pelo obra da Arena, e também da Canal Livre, empresa que compunha o Consórcio C.L.E. Arena Pantanal juntamente com a Etel Engenharia Montagens e Automações. A obra da Arena custou em torno de R$ 500 milhões e teria rendido 3% de propina para o grupo de Silval, e o consórcio C.L.E. faturou R$ 108 milhões e teria repassado R$ 500 mil.

Governou optou por “solução caseira” para serviços de T.I. na Arena

A edição 446 do Circuito Mato Grosso apontou que a Canal Livre S/A não teria estrutura para realizar serviços tão complexos como a implementação da tecnologia da informação e comunicação (TIC) da Arena Pantanal.

O contrato com o consórcio C.L.E. Arena Pantanal teve valor inicial de R$ 98 milhões. Porém, o Circuito Mato Grosso mostrou no dia 15 de outubro de 2014 recebeu aditivo de R$ 12,626.

O objeto previa o fornecimento de materiais, equipamentos e prestação de serviços técnicos especializados de instalação, ativação, configuração, realização de testes, garantia, treinamento e manutenção. Também estipulava a operação e suporte para a implementação de sistemas de telecomunicações, sistema de TV, IPTV e Signage e sistemas de segurança.

A matéria de julho de 2013 apontava que os indícios de que uma pequena empresa de Várzea Grande – em contraponto ao porte das organizações que realizam o TIC em outras arenas brasileiras – na época chamou a atenção do Ministério Público Estadual (MPE-MT).

A reportagem fez um levantamento apurando que empresas responsáveis pelo TIC das chamadas “Arenas Multiuso” – caso da Arena Pantanal – possuíam certificações nacionais e internacionais em projetos de grande porte, como demanda este tipo de serviço. As empresas Nippon Electric Company (NEC, do Japão), responsável pela Arenas das Dunas, em Pernambuco e Fonte Nova, na Bahia, e a Sonda IT (a maior organização de infraestrutura de tecnologia da informação da América Latina) na Arena Corinthians, são exemplos citados pela matéria.

O Sindicato Nacional das Empresas de Arquitetura e Engenharia Consultiva (Sinaenco) inclusive foi taxativo quando citava que as sedes do Mundial deveriam seguir, como bom exemplo, o sistema de Barcelona, apontado como referência no uso de TI em favor da experiência do torcedor, e o do Allianz Arena, na Alemanha, considerado um estádio totalmente inteligente, desde a venda dos ingressos até o uso do telão.

Além destes exemplos, havia pontos colocados pela própria Fifa como demandantes, a exemplo do caderno de encargos da entidade que determina que toda a segurança do evento deveria ser baseada em Tecnologia da Informação, incluindo dinheiro circulante, serviços de banda larga, e que o projeto deve ser desenvolvido com o objetivo de atingir os padrões do Leed (Leadership in Energy and Environmental Design), que é uma certificação para edifícios sustentáveis, além de todos os outros projetos como civil, mecânica e elétrica e que dão a garantia de resultados de excelência.

OUTROS ESTADOS CONTRATARAM TECNOLOGIA DE PONTA

GRÊMIO ARENA – NEC – NIPPON ELECTRIC COMPANY

Responsável pela TIC da Arena das Dunas, em Natal, da Arena Pernambuco, no Recife, e na Itaipava Arena Fonte Nova, em Salvador, a empresa japonesa NEC, uma das maiores organizações de serviços de tecnologia da informação do mundo, possui um portfólio comparável a gigantes do mercado, como Cisco, Siemens etc. A empresa implantou a TIC da Grêmio Arena – considerado, hoje, o estádio com a maior e melhor estrutura de tecnologia da informação da América Latina, em Porto Alegre.

ARENA CORINTHIANS – SONDA IT

A Arena Corinthians também conta com uma parceira de peso para a implementação de soluções de infraestrutura de tecnologia da informação. A Sonda IT é outra empresa que se destaca no cenário nacional e internacional. Com sede no Chile, onde foi fundada em 1974, é uma das maiores organizações de tecnologia da informação da América Latina, presente em mais de 10 países, incluindo Brasil, Argentina, México e Costa Rica.

ARENA CASTELÃO – OI TELECOMUNICAÇÕES

Empresas estrangeiras, contudo, não são as únicas a terem know-how para implantar infraestrutura de tecnologia da informação numa arena multiuso, como também são conhecidos os estádios que já são projetados para abrigar outros eventos, além dos esportivos. A Oi telecomunicações cuida do TIC da Arena Castelão, em Fortaleza. Presente nas áreas de telefonia móvel, internet banda larga e TV por assinatura, a organização, que tem sede no Rio de Janeiro, é umas das maiores operadores de telecomunicações do país. Até setembro de 2012, a Oi possuía mais de 73 milhões de Unidades Geradoras de Receita (UGRS). Cada unidade dessas representa um serviço utilizado – telefonia fixa, móvel, internet etc.

Romoaldo e Silval eram muito próximos da Canal Livre

Na época, o Circuito Mato Grosso procurou insistentemente os diretores das duas empresas que formavam o Consórcio CLE a fim de saber qual a sua capacidade técnica para assumir o TIC da Arena Pantanal, mas não obteve resposta.

Coincidência ou não, a diretora da Canal Livre Comércio e Serviços, Eroyta da Silva Frison, é correligionária do presidente da Assembleia Legislativa e líder do governador Silval Barbosa no parlamento, Romoaldo Júnior.

Os três pertencem ao PMDB e ela chegou inclusive a ser candidata a vereadora em Várzea Grande, onde está localizada a sede da Canal Livre. Quem assinava como procurador do consórcio era o filho de Eroyta, Rodrigo Santiago Frison.

Ex-governador afirma, em delação, que Romoaldo recebeu propina

As suspeitas levantadas pelo Circuito Mato Grosso de um possível esquema do grupo de Silval Barbosa com as obras da Arena Pantanal foram confirmadas pelo ex-governador em delação à Procuradoria Geral da República (PGR).

Silval Barbosa revelou que ele e o deputado Romoaldo Júnior receberam propina da Canal Livre, cuja proprietária, como disse o Circuito em 2013, também é do PMDB e tem forte ligação com ambos. Trechos da delação vieram a público esta semana.

O ex-governador confessou que usou o contrato com o Consórcio C.L.E. Arena Pantanal para desviar recursos públicos liberados em forma de propina sob a alegação de que seriam utilizados para cobrir despesas da campanha de 2010.

A Canal Livre compunha o consórcio com a Etel Engenharia Montagens e Automação Ltda e faturou R$ 108 milhões com o contrato.

Romoaldo também teria recebido propina da Construtora Mendes Júnior, responsável pela obra da Arena Pantanal.

O valor acertado seria de 3% e teria sido articulado pelo então secretário da Agecopa, Éder Moraes, e teria vigorado durante toda a sua gestão. Com a saída de Éder, Maurício Guimarães, que assumiu a Secopa, teria mantido o esquema.

Ainda em relação à Canal Livre, Silval disse ter recebido parte do dinheiro entregue a Romoaldo, com o qual havia se comprometido a priorizar os pagamentos. O peemedebista afirmou ter recebido entre R$ 200 e R$ 300 mil.

O deputado também teria custeado a reforma de uma pousada, que tinha vendido ao ex-governador, resultante da negociação.

Secopa fez contrato R$ 3,9 milhões sem licitação com a Canal Livre

Outro contrato com a Canal Livre, oficializado na gestão do ex-governador Silval Barbos e que chama a atenção, foi a aquisição de um equipamento de R$ 3,9 milhões.

Adquirido por dispensa de licitação junto à extinta Secretaria Extraordinária da Copa do Mundo – Fifa 2014 (Secopa), o SGL MU360 é uma máquina que foi projetada para “tratar grandes áreas do campo de um modo estrutural”, como explica o site do fabricante.

O aparelho é utilizado em gramados de todo o mundo para fornecer iluminação artificial nos locais onde a luz solar não alcança – devido à sombra projetada, por exemplo –, fato que causa enfraquecimento das folhas e caule da grama pela falta de fotossíntese.

Um dos problemas que inviabilizam a utilização da máquina é a queda de braço travada pela conclusão da empreitada. Uma decisão da juíza da Vara Esp. de Ação Civil Pública e Ação Popular, Célia Regina Vidotti, no último dia 6 de julho, determinou o bloqueio de bens da Mendes Júnior, empresa responsável pela construção da Arena Pantanal.

Porém, mesmo com problemas de infiltração, instalações elétricas, judicialização, etc., a Arena Pantanal já abrigou mais de 100 jogos desde a Copa do Mundo, deixando sob responsabilidade da Federação Mato-grossense de Futebol (FMF) a manutenção do gramado – serviço que não vem sendo realizado dadas as condições do campo, que apresenta faixas secas de grama e mesmo terra, outro indício de que o SGL MU360 não vem sendo utilizado para viabilizar a fotossíntese da vegetação.

O Circuito Mato Grosso entrou em contato com FMF em busca de informações sobre a utilização da máquina que ajuda a realizar a fotossíntese do gramado da Arena Pantanal. Contudo, a Federação disse que não iria comentar o caso. O último evento promovido pelo estádio foi a Abertura da Super Liga Brasileira de Futebol Americano, jogo em que o Cuiabá Arsenal venceu o Corinthians Steamrollers.

Consórcio não cumpriu contrato

O Consórcio C.L.E. Arena Pantanal não cumpriu todo o contrato, alegando que não houve pagamento do governo do Estado. O não pagamento, alegado pelas empresas, foi uma das razões para o pedido de recuperação judicial da Etel Engenharia, segundo o juiz Felippe Rosa Pereira da 3ª Vara Cível do Foro de Rio Claro (SP) – sede da empresa.

Em seu despacho ele afirmou que o “inadimplemento” foi uma das razões “cruciais” para a crise financeira que acometeu o grupo.

O Sistema Integrado de Planejamento, Contabilidade e Finanças (Fiplan) do governo afirma, no entanto, que entre junho de 2013 e novembro de 2014 foram pagos R$ 104 milhões ao consórcio.

Procurador da República previu “conluios e cartas marcadas”

A suspeita de que todo o serviço de instalação da Tecnologia de Informação e Comunicação (TIC) da Arena Pantanal tenha sido entregue pela Secopa a empresas sem capacidade técnica para elaborar e executar o projeto chamou a atenção do Ministério Público Federal (MPF) em Mato Grosso. 

O contrato de R$98 milhões levou o MPF a requerer da Secopa uma cópia da proposta do Consórcio CLE Arena Pantanal, vencedor da licitação nº 005/2013, bem como cópia do respectivo contrato, que foi feito no modelo de Regime Diferenciado de Contratação (RDC), criado pelo governo federal especialmente para atender a demanda dos projetos para a Copa. Se constatadas falhas no processo, o MPF poderá denunciar a Secopa.

O RDC, regulamentado em outubro de 2011 pela Lei nº 12.462, foi criado para dar maior celeridade na contratação de empresas especializadas na execução de obras de infraestrutura da Copa do Mundo de 2014 e Olimpíadas de 2016.

Em uma de suas nuances, deu poderes quase que supremos aos governadores.  É ele, governador, quem decide “o que e onde comprar obras de infraestrutura em benefício da população”, diz a lei. O poder legado ao governador do Estado, no entanto, poderia levar “a conluios e cartas marcadas” na contratação das obras, na análise do procurador geral da República, Roberto Gurgel, o que veio a acontecer em Mato Grosso.

O poder do RDC é tamanho que, neste caso do Edital nº 5/2013, foi o próprio governo – através da Secopa – que julgou improcedente a impugnação do consórcio Tnl Pcs S/A – Oi, que protocolou 24 questionamentos, todos julgados improcedentes pela própria secretaria.

Dra. Denise Vinci Tulio, coordenadora da 5ª Câmara do Ministério Público Federal, sintetizou a irrazoabilidade do RDC: “O principal problema é a falta de projeto básico. O governo não sabe o que está sendo licitado. Por mais que se descreva sumariamente o objeto, a dificuldade de mensurar o que está sendo executado é muito grande”. Ela foi além: “Sem o projeto básico, não tem como controlar se a execução corresponde ao que foi licitado; o controle é deficitário. Aí pode acontecer o lesa-patrimônio, pois não se têm parâmetros para a fiscalização”.

A coordenadora, que falou com exclusividade ao Circuito Mato Grosso à época, lembrou ainda que o procurador geral da República entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) junto ao Supremo Tribunal Federal (STF).

 

Redação

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