Grande Sertão: Veredas, livro de Guimarães Rosa publicado em 1956, é um romance moderno, cuja história se passa no sertão brasileiro. O romance é o relato que Riobaldo faz de suas aventuras como jagunço no sertão. As lembranças de Riobaldo começam pela sua infância, época em que ouviu muitas histórias de jagunços, que muito influenciaram a sua vida. Ele faz seu relato para um interlocutor desconhecido, entremeado de reflexões a respeito dos mistérios da vida, de Deus, do diabo e de seu amor proibido por Diadorim. A oposição dos temas apresentados por Riobaldo referem-se às contradições da vida, particularmente da vida de jagunço, o qual podia ser um justiceiro ou um criminoso.
As histórias de jagunços mostram como no Brasil, principalmente no interior, o exercício da violência estava a serviço dos poderosos. Em Grande Sertão: Veredas, o jagunço, personagem real da história social do país, é mitificado. Para Riobaldo, o bando de jagunço funcionava como uma instituição apropriada para resolver os problemas do sertão. O sistema dos jagunços é ambíguo, pois esse personagem não é um criminoso comum e sua ação baseia-se na honra e na lealdade para com o chefe do ando. No sertão, o jagunço estabelece uma ordem que segue as normas de seu sistema de poder. A serviço dos proprietários de terras, impõem uma ordem privada como se fosse a ordem pública.
Para Riobaldo, o sertão é o mundo e, por isso, seus questionamentos a respeito dos mistérios da vida são os mesmos de todo ser humano em relação à existência. No sertão, o destino dos indivíduos depende da superação das dificuldades do meio físico. O homem do sertão elabora suas leis para sobreviver ao meio hostil e à opressão do sistema de poder no interior, comandado por coronéis, sem a intermediação do estado e da lei. Nas palavras de Riobaldo, “o sertão é onde manda quem é forte, com as astúcias. Deus mesmo, quando vier, que venha armado”. Riobaldo aprendeu a viver no sertão com o chefe de seu bando Zé Bebelo. Esse personagem queria tornar-se deputado, mas foi como jagunço que prometeu por ordem no sertão. Zé Bebelo termina vencido por outro bando e temos a impressão que será o fim de todos os confrontos, contudo, as lutas entre os bandos não podiam acabar, pois a guerra é o ofício e o meio de sustento dos bandos.
A legitimidade dos bandos de jagunços será discutida no episódio do julgamento de Zé Bebelo. Nesse processo, o caçador de jagunços será julgado por outros jagunços mais civilizados. O evento representa a ambiguidade da vida do jagunço, que luta por justiça à margem da lei, que pode ser visto como criminoso ou como justiceiro. O julgamento pode ser entendido como uma tentativa de fundar uma ordem legal, para racionalizar as ações e os ataques motivados por desavenças pessoais na luta pelo poder. Todos os presentes são autorizados a opinar e debater questões políticas relevantes como a guerra, o crime e a lei. Ao final, concluem que a luta entre os bandos era justa e necessária e não se podia condenar o antagonista do embate. Finda uma luta outras guerras deviam se feitas.
A história de Riobaldo é o resultado de todas as suas observações da vida sertaneja. Riobaldo quer compreender a mentalidade e o sistema de poder que justificam todas aquelas guerras. O relato de suas memórias tem o objetivo de descobrir a lógica das coisas e dos sentimentos, em uma sociedade na qual a sobrevivência depende da superação das adversidades do meio físico, além dos conflitos permanentes entre os homens. Em Grande Sertão: Veredas, o sertão é o espaço onde os homens devem provar sua coragem e enfrentar o maior desafio de todos, que é a disputa pelas almas entre Deus e o diabo.
Ana Paula Poncinelli G. Rodrigues, é Mestre em Teoria Literária e Gestora Governamental.