Esportes

Sensei Massao: a serviço do judô brasileiro nos últimos 74 anos

Se você gosta de esportes, e principalmente de artes marciais, já deve ter ouvido falar em nomes como Aurélio Miguel, Carlos Honorato e Luís Onmura, todos judocas brasileiros e donos de um total de quatro medalhas olímpicas. Mas a semelhança entre eles vai além, e passa pelas mãos de um homem que foi o mentor de todos eles e de muitos outros, e que hoje, perto de completar 90 anos em janeiro próximo, ainda veste o seu kimono todos os dias. O nome dele? Mestre Massao Shinohara, um dos judocas mais graduados do país, e que neste domingo estará presente ao Desafio Internacional de Judô, entre Brasil e Japão, a partir de 10h, em São Paulo, com transmissão ao vivo no Esporte Espetacular, na TV Globo.

Chegar à Associação de Judô Vila Sônia, na Zona Oeste da capital paulista, é como entrar num outro mundo. Mesmo para aqueles que praticam o judô. Ali está um dos pedaços mais importantes da história do esporte no país. E o que é melhor: uma história viva. É nesse lugar que ele mora, aos 89 anos – 74 deles dedicados ao judô -, ainda cheio de energia e vitalidade, mesmo que numa cadeira de rodas. Se Massao Shinohara foi capaz de ajudar a família na lavoura, aprender e ensinar o judô, erguer sua academia com as próprias mãos e preparar grandes atletas brasileiros, não seria uma cadeira de rodas que o impediria de subir ao dojo.

– Meu espírito é forte. Trabalhava na lavoura, dirigi caminhão dia e noite, e ainda tinha aulas de judô. Chegava a dormir no caminhão. Tudo valeu à pena.  Enquanto estiver vivo, não vou parar – conta ele.

A relação de Shinohara com o judô começa de forma curiosa, na cidade de Embu das Artes-SP, numa típica colônia japonesa. Em 1940, aos 15 anos, ainda tinha estava na sua terceira aula quando seu professor decidiu voltar ao Japão, para se alistar ao exército e lutar na Segunda Guerra Mundial. A determinação não deixou Massao desistir, e não permitiu que os outros alunos fizessem isso.

– Nessa época, outra academia nos chamava para treinar, mas a gente sempre perdia. Todo mundo falou: “não quero ir mais”. Disse: “Por quê? Eu também estou perdendo, tem que continuar. Uma hora vamos começar a ganhar”.

A busca pela perfeição na arte marcial que escolheu como forma de vida levou Massao Shinohara até Ryuzo Ogawa, em 1947, um dos responsáveis pela difusão da modalidade no Brasil. “O estilo dele era diferente, muito dedicado, o admirava, e o procurei na sua academia na Liberdade. Comecei a ter aulas lá, ia e voltava para Embu. Foram três anos assim”. A cada um desses anos, ele recebeu uma graduação na faixa preta. “Então o professor Ogawa me disse: você já está pronto para ensinar. Foi através dele que a gente conheceu o verdadeiro judô”. E assim Shinohara se tornou professor, ainda em Embu das Artes.

Nascido em Presidente Prudente, a ida de Shinohara para São Paulo aconteceu em 1956, com a chegada à Vila Sônia. Ali, trabalhava com o transporte de legumes e já via a família crescer. As responsabilidades quase o levaram para longe do judô. Mais uma vez, o desejo de repassar a arte aos mais novos foi mais forte, assim como os pedidos dos vizinhos. Aos poucos, a academia foi surgindo e crescendo, sempre no mesmo bairro, e cada vez à procura de espaços maiores. O nascimento da Associação de Judô Vila Sônia veio em 1986, quando começou a ser construída, em mais uma história que o mestre se orgulha de contar.

– Sou grato à família Tatsumi. Através dela que essa academia surgiu. Sem eles nada disso seria possível. O Sr. Juntaro teve três filhos faixa-preta que treinavam comigo, e me pediu que não parasse. Um dos filhos dele, Jorge Tatsumi, sugeriu que eu vendesse 60 cotas e depois devolvesse o dinheiro. Ele mesmo fez isso e o dinheiro arrecadado pagou o terreno e a academia, que levantei sozinho, já que a mão de obra era muito cara. Se pedreiro faz, porque a gente não pode fazer? – relembra. A inauguração aconteceu no dia 23 de abril de 1988.

Curiosamente, o ano de inauguração da academia foi o mesmo em que Aurélio Miguel, aluno de Shinohara, conquistou sua primeira medalha olímpica, e logo de ouro, em Seul, na Coreia do Sul. Ele relembra histórias curiosas com o ex-judoca meio-pesado.

– Plantava cenoura e cheguei, na frente dele, e arranquei uma e dei para ele: come isso aí que dá medalha. Ele comeu. Arranquei mais uma e saiu maior. Disse: come que dá medalha de ouro. Ele acreditou e comeu. Foi brincadeira, mas ele pegou a medalha de ouro. Na hora em que ele competia, estava na casa do pai do Aurélio, vendo na televisão. Ele foi ganhando e chegou na final com o alemão (Marc Meiling). Falei para o pai dele: “tem que fazer força”, e fiz o gesto de golpe. Ele então fez esse golpe e ficou em vantagem. O pai do Aurélio falou: será que ele ouviu? – contou o sensei, já aos risos. “Ouvir não dá, mas o espírito sim”.

Em 1996, Aurélio Miguel ainda conquistaria uma medalha de bronze para o Brasil, nos Jogos Olímpicos de Atlanta. Em 2000, Carlos Honorato, também discípulo de Shinohara, ficou com a prata nos Jogos de Sydney. Mas, antes disso, veio a primeira medalha de um brasileiro nascido no Brasil: Luís Onmura, em 1984, nos Jogos de Los Angeles. Outra boa história para o mestre do judô contar.

– Fui convocado para ir para a Olimpíada, mas disse que não tinha condição porque tinha que dar aula. O presidente da confederação me chamou ao telefone e discutimos três horas, mas disse que não dava. Aí ele diz: “Já que Shinohara não vai, vou mandar qualquer um”. Não, qualquer um não, tem que ser merecido. “Então eu vou”. Um repórter veio me perguntar: vamos trazer medalha? Era difícil, brasileiro nenhum tinha medalha, só o (Chiaki) Ishii, japonês naturalizado (bronze em Munique, em 1972). Mas disse que se não trouxesse medalha não tinha problema, tinha passaporte do Japão e ia para lá, não teria coragem de voltar ao Brasil.

Foi aí que a medalha de bronze de Luís Onmura “garantiu” a volta de Massao Shinohara ao Brasil. “Depois, no quinto dia, Walter Carmona pegou mais um terceiro lugar. No penúltimo dia, Douglas Vieira foi segundo. Tinha sorte. A partir daí o pessoal ficou mais motivado para ser campeão”, conta ele, humilde. Onmura recorda que o início, criança, não foi fácil na academia, mas o espírito do judô foi importante na formação como atleta e cidadão.

– Naquela época era muito rígido, e tinham bons atletas aqui, apanhava e voltava para casa chorando quando pequeno, tinham uns que judiavam bem (risos). Foi muito bom porque deu o espírito do judô: mesmo que você apanhe e persista apanhando, uma hora chega o resultado positivo. (Massao) foi um grande professor, porque do mirim até juvenil, ele conseguiu uma dedicação especial para a gente – lembra Onmura, que começou com dez anos.

O sobrenome Shinohara ainda hoje é sinônimo de educação e liderança no judô, também com o filho Luís, atual técnico da seleção brasileira, e que está sempre junto ao pai quando não está com os judocas da equipe. Na Associação na Vila Sônia, Massao Shinohara não mostra sinais de aposentadoria. Pelo contrário. No dojo, chama todas as crianças da aula pelo nome e comanda todas as atividades. Se o Brasil deve a ele muitas medalhas, promete ver essa dívida aumentar ainda mais por muitos e muitos anos.

Globo Esporte

Redação

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Reportagens realizada pelos colaboradores, em conjunto, ou com assessorias de imprensa.

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