Fotos: Gcom MT
Em meio ao processo de municipalização do Lar da Criança, em Cuiabá – que no último governo era investigado pelos abusos contra crianças e adolescentes abrigadas no local; o secretário de Trabalho e Assistência Social (Setas), Valdiney de Arruda, lidera um grupo de humanização do abrigo.
Mudando o modelo arcaico do local, a nova equipe gestora se esforça para adotar uma nova modalidade de acolhimento a menores abandonados pela família ou em situação de risco.
Em entrevista exclusiva ao Circuito Mato Grosso, Valdiney de Arruda explicou a pretensão de que até o fim deste ano o Estado apresente e efetive o processo de humanização do atual modelo do abrigo – que em determinadas épocas chegou a abrigar mais de 100 internos. Para isso, o atual prédio do Lar deve ser fechado, transferindo os menores atendidos para uma casa lar e aproximando-os da realidade vivida em lares com familiares.
Conforme explicou o gestor a nossa reportagem, o papel do Estado será o de adequar o Lar da Criança a uma modalidade de acolhimento mais humana, focar na adaptação dos menores, para, então, passar a responsabilidade ao município de Cuiabá, como previsto no TAC com o MPE. A transferência da responsabilidade do acolhimento de crianças e adolescentes abandonados para a Prefeitura deve ser feita até o ano de 2017.
Além disso, o gestor garantiu que os 100 servidores que trabalham no Lar não serão dispensados, sendo mantidos no quadro de funcionários do Executivo.
Confira a reportagem exclusiva com o secretário da Setas ao Circuito:
Circuito Mato Grosso: O Lar da Criança tem um histórico triste, de escândalos e agressões aos menores abrigados. Qual foi a situação encontrada pela nova gestão da Setas?
Valdiney de Arruda: Quando nós assumimos a secretaria, o Lar da Criança estava com alguns problemas administrativos. Pendências com pagamentos a fornecedores, estando eminente o atraso na entrega de medicamentos, de alimentos e na prestação de serviços de manutenção, como ar condicionado.
No dia 2 de fevereiro passei a tarde inteira no Lar da Criança, identificando os principais problemas. Em seguida, fizemos a conjunção de esforços interna e externa do governo para que fossem estabelecidas parcerias para não permitir a descontinuidade do atendimento. Enquanto estávamos preparando outros mecanismos internos, como licitações para poder gerenciar e dar continuidade dos serviços.
C.M.T.: Muitos especialistas no acolhimento de menores abandonados pelas famílias dizem que o modelo existente no Lar era inadequado, arcaico. Qual é o trabalho da Setas para mudar este quadro?
V.A.: As últimas resoluções do Conselho Nacional de Assistência Social e do Conanda determinam que as modalidades de acolhimento de crianças e adolescentes devem ser reordenadas, pensadas numa formatação em que esses lugares se aproximem da realidade de uma convivência familiar normal. Isso é chamado de Reordenamento do Acolhimento no Brasil.
Imediatamente criei uma comissão de reordenamento, colocando especialistas da casa [Psicólogos, assistentes, gestores, representantes do Conselho Estadual da Defesa da Criança e do Adolescente e o Ministério Público Estadual].
Essa comissão começou a estudar o aprofundamento da reestruturação do Lar, para torna-lo adaptado ao modelo do Conanda e do Conselho Nacional e fez proposições de um cronograma de atividade. Neste momento estamos na realização do que esse estudo apontou.
C.M.T.: Resoluções do Conselho Estadual de Defesa da Criança e Adolescente (CEDCA) e do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), além de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) entre o Governo e o MPE determinam a municipalização e a humanização do acolhimento dos menores abandonados ou em situação de risco familiar. Hoje o Lar está sob responsabilidade do Estado? Será passado para a Prefeitura da Capital?
V.A.: Em relação ao Lar da Criança a responsabilidade é do Estado, até o momento em que ele possa ser entregue 100% de seu gerenciamento ao município. Isso vai depender da capacidade do município em atender o novo Lar da Criança.
No reordenamento, conforme o Conselho Nacional, as resoluções e a Política de Assistência Social, o acolhimento é de competência do município. O que acontece é a existência de um acordo e uma exigência legal, impulsionada pelo MPE, de que os municípios estão assumindo esse papel, redefinindo suas estruturas internas. Nós temos, segundo o último senso Suas, 62 modalidades de acolhimento no estado.
No caso de Cuiabá existe este Lar da Criança que é do Estado, mas que deve ser entregue ao município. Existe um Termo de Ajustamento de Conduta com o Ministério Público, que está em analise no Governo, que exige que em no máximo um ano o Lar seja municipalizado.
C.M.T.: Mas o atual Lar das Crianças será fechado?
V.A.: A Comissão de Acolhimento, que está coordenando este processo, fez um cronograma de ações para primeiro tornar o Lar adaptado a resolução. Primeiro vamos continuar o Estado, que irá fazer o seu papel conforme exige o Conanda e o Conselho Nacional de Assistência Social. Adaptando essas crianças, de forma gradual, pois existem crianças que estão no Lar há muitos anos e precisamos lava-las para outra modalidade, o que é necessário cuidado. Nós temos um prazo para tornar esse Lar em algo mais próximo de casa, família.
Aquele espaço físico é impossível que seja uma casa. O cronograma exige que a gente vá atrás de uma casa, que se aproxima da nossa realidade; e que esses adolescentes e crianças se adaptem a essa nova vida, que se aproxime é próxima de uma casa normal. O Estado é que vai fazer todo esse processo de readaptação.
C.M.T.: Mas, qual é o prazo?
V.A.: Elaboramos o cronograma de atividades e até o final deste ano nós queremos apresentar e dar efetividade nessa transformação para as crianças e adolescentes a um ambiente de casas lares.
É preciso intender, que além das crianças que foram abandonadas ou por algum motivo necessitam da atenção do Estado, nós temos seis crianças neuropatas, que requer um cuidado muito mais que especial. Essas casas precisam estar adaptadas para receber essas crianças e adolescentes.
C.M.T.: E os servidores que passaram no último concurso do Estado? São mais de 100 profissionais técnicos que só podem exercer suas funções no Lar. Eles serão dispensados?
V.A.: Por parte da Setas os servidores permanecerão no Governo, por dois motivos. Primeiro, nós temos até 2017 para fazer todo esse processo. Segundo, por mais que tenhamos o compromisso com o TAC para municipalizar, a nossa casa lar hoje ela ainda recebe crianças e adolescentes. Tem situações que o município não tem conseguido receber crianças e adolescentes que tem um problema da saúde ou síndrome.
Temos que entender que se o município não tem condição de abraçar essas crianças e adolescentes, o Estado tem que continuar. Então se me perguntar se daqui a um ano o município vai ter condições de gerenciar essas casas lares, eu não tenho certeza. O que posso afirmar é que nossa prioridade são as crianças e adolescentes.
Tanto a Justiça, quanto o MPE E O Governo tem a consciência de não dar descontinuidade e de não jogar essas crianças no ‘colo’ do município.
Não sabemos se o município vai receber integralmente este serviço ou será em cooperação.
Essa é uma realidade que precisa ser tratada com cautela, com foco na criança e do adolescente e diante da realidade econômica que os municípios e Estado apresentam. Não podemos determinar, por mais que existe uma orientação pela municipalização, esse processo gradual e bem construído. Por isso vamos precisar ainda destes servidores.
Existe uma pactuação nacional realizada por gestores do Estado e município e do MDS, que pactuaram algumas condicionalidades para a implantação do acolhimento. Por mais que a exigência seja pela municipalização, os entes do pacto federativo entenderam que alguns municípios, por baixa renda, não tem condições de implantar este modelo de acolhimento, pois é muito caro. E mesmo se implantar, às vezes eles ficam com um grande gasto, mas com poucas crianças e adolescentes atendidas.
C.M.T.: O Lar da Criança já foi alvo de denúncia de agressões e maus tratos, em decorrência a isso, muitas crianças fugiam do local. O que o Estado está fazendo para evitar que essas crianças sejam vítimas de novas agressões e evitar a fuga das mesmas?
V.A.: Internamente, já se evolui muito. A capacitação interna dos servidores, a modalidade de gerenciamento de turnos, ultimamente fizemos um grande trabalho interno de diálogo. Havia muito insegurança dos novos servidores, em virtude de má informação, por que confundem reordenamento do lar, com fechamento do lar. Não se fala em fechar o lar, porque não temos condições nenhuma de fechar.
O que nós temos que fazer é reordenar com processo de melhoria de atendimento. E para que isso aconteça, é necessário um processo de diálogo com todos ali, para que eles entendam o processo. Existe uma forma de gerenciamento do trabalho interno, inclusive com filmagem interna, para proporcionar segurança e também identificação de alguns problemas que podem aparecer.
Atualmente, não tem nenhum registro. Agora, é preciso dizer que a casa não é uma prisão. Embora o adolescente esteja sobre cuidados da instituição, eles não tratados como pessoas encarceradas. Há todo um processo de humanização, de ida e vinda desses adolescentes. Nas férias, há toda uma programação fora do abrigo. E nós temos adolescentes que possuem família na Capital. Por vezes, eles têm necessidade de procurar essas famílias. E é preciso entender que, eles não estão fugindo. De repente bate uma vontade nesses adolescentes de verem a família, isso é natural. Eles estão lá não por uma vontade do Governo, mas por uma imposição, por um motivo legal que a justiça entendeu que era preciso protegê-lo, mas ele não entende isso.
Hoje está mais bem administrado, tem assistência social técnica e psicológica, médicos. Não é próximo ao que é uma família, nada substitui, mas isso diminui os conflitos e a possibilidade de eles saírem por conta de violência ou outro motivo. Pode acontecer que algum adolescente saia e em algum passeio desses, ela desvie e vá visitar a família. Mas isso não é por maus tratos, pode ter certeza, será por uma necessidade familiar que o adolescente tem.
C.M.T.: No Lar existe seis criança neuropatas. Há algum tipo de ação para que essas crianças sejam acolhidas por outras famílias?
V.A.: Nós iniciamos uma campanha conjunto ao Tribunal de Justiça que dia 25 de Maio é o Dia Nacional da Adoção, e a nossa secretaria entrou de cabeça nessa proposta. No caso especificamente da campanha do dia 25 de Maio, fizemos dois movimentos. Um com o Tribunal de Justiça e a Seges (Secretaria Estadual de Gestão), que trabalha para dar rapidez ao processo jurídico da adoção, que é uma linha interna do Tribunal de Justiça.
Existe uma burocracia interna que a corregedoria entendeu que teria que acelerar o processo. Pois ainda há em torno de 700 crianças para adoção no Estado. E os processos de adoção tem que ser desburocratizados, dentro do limite – se é criança vai ser confiada a alguém, não poder qualquer alguém -, mas precisa de uma celeridade. Inclusive, produziram um cadastro de famílias que querem adotar de forma online.
Segundo, é o trabalho com a Ampara. Recebemos de lá um selo de “Atitude adotivas. Um dom para todos”, por conta da nossa efetividade de agir na proposta de campanhas. Atualmente, estamos na idealização, em conjunto, da campanha de adoção.
Especificamente dos neuropatas, nós trouxemos uma mãe que adotou uma pessoa excepcional, para sensibilizar as famílias. Pois essas crianças podem e devem ter uma vida normal. Passamos a idealizar isto esse ano, e nós continuamos o diálogo com a Ampara e o TJ, para criar essa linguagem. Nós temos que pensar que para a adoção destes neuropatas, temos que ter uma ajuda de custo a essas famílias. Eles exigem um custo muito alto para cuidar, uns são atendidos por HomeCare [Assistência Domiciliar]. Nós temos notícias de famílias que gostariam de cuidar, mas não tem condições financeiras.
Nesse reordenamento do acolhimento, essa é uma das linhas que nós estamos desenhando. E que nós tenhamos essa modalidade de ajuda pelo Estado, para que as famílias que tenham amor para dar possam ter condições de acolher.
C.M.T.: A atenção com a criança e o adolescente é uma das prioridades da Setas?
V.A.: Nós assumimos a Setas tendo isso como um dos focos principais, se não o principal. A criança e o adolescente são únicos. É uma fase de crescimento, desenvolvimento, aprendizagem. É uma fase de ser bem direcionada e protegida.
Nós temos um índice de trabalho infantil que permite com que muitas crianças não acessem uma vida saudável quando adultas. Temos altos índices de abusos sexuais. Nós temos crianças no Lar que o irmão estava levando para prostituição. Se o Estado não conseguir cumprir com o papel de cuidar dessas crianças, ele esta falhando.
E nós desenvolvemos essa missão. De visitar o Lar no nosso primeiro dia de trabalho. De construir um comitê. De nos esforçar fortemente para manter as estruturas de atendimento. De ter um forte trabalho com do Conselho Estadual da Defesa da Criança e do Adolescente, de fazer várias visitas ao tribunal de justiça e conversar com a promotoria, tanto de Cuiabá quanto de Várzea Grande. E estamos dimensionando isso para ter um papel mais forte do Estado nessa proteção da criança e do adolescente. E nós falamos do acolhimento, que o acolhimento remete a uma criança e um adolescente que está na pior das situações – violentada, em situação de abandono. Mas nós estamos redirecionando também em outras modalidades, que tenham assistência, uma modelagem de transição escola-trabalho, outra politica que desenvolvemos aqui.
Logo estaremos implementando uma resolução do Cedeca [Centro de Defesa Criança e Adolescente] para garantir que a criança e o adolescente do Estado tenha direito a se profissionalizar. Nós teremos que intervir nesse processo, e lançaremos essa modelagem pelo conselho e também com a Seduc.
O Estado de Mato Grosso é um dos primeiros a usar a medida socioeducativa para ressocialização dos adolescentes. Nós estamos preparando, e vamos atender todos os adolescentes que vão para semiliberdade, na modelagem de aprendizagem e dar a ele uma oportunidade educacional e também profissional. E também ao adolescente dentro do sistema fechado. No sistema fechado não havia trabalho nessa linha. Era um trabalho que eles ficavam em regime fechado com algumas atividades.
Neste momento, nós estamos finalizando uma proposta que permite que eles passem por profissionalização de algum trabalho. E como é em conjunto com a Secretaria e o Tribunal de Justiça, queremos que isso passe por uma evolução e até de troca da medida restritiva deles. De repente a gente consiga formatar uma modelagem que a partir do momento em que ele evolua a pena dele, ele vá para o regime semi-aberto acompanhado e assistido.