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Saúde no Brasil: conheça desafios para os próximos prefeitos

A cada quatro anos, a saúde é tradicionalmente apontada por eleitores como a área a ser priorizada por candidatos a comandar os 5.570 municípios brasileiros. Pesquisa Ibope divulgada pelo Estadão mostra que 33% dos paulistanos apontam a saúde como a sua maior preocupação.

Nas eleições 2020, a pandemia de covid-19 torna ainda mais urgente a demanda por propostas que reduzam a fila por exames, consultas com especialistas e cirurgias de menor complexidade – uma atribuição da Atenção Primária, sob o comando de prefeituras.

Ministério da Saúde aponta uma queda de 16,3% nesse tipo de atendimento de janeiro a julho deste ano se comparado ao mesmo período do ano passado. Segundo levantamento feito pelo Estadão, todos os 31 procedimentos considerados padrão pelo Sistema Único de Saúde (SUS) tiveram redução. Foram pouco mais de 6 milhões – uma diferença de 1,16 milhão em relação a 2019.

Na prática, a prioridade dada pelas redes de saúde de todo o País ao tratamento de pacientes infectados com o novo coronavírus fez com que o SUS retrocedesse ao menos 12 anos na prevenção de doenças por meio de atendimentos eletivos. Em 2008, primeiro ano da série histórica disponível para consulta, foram feitos 6,3 milhões de procedimentos padrão.

Atendimentos em queda

No caso de cirurgias de mama, por exemplo, o Sistema Único de Saúde (SUS) realizou 12.003 procedimentos neste ano. Em 2016, entre janeiro e julho, haviam sido 19.880. A queda também é acima da casa de 30% em cirurgias de visão e do aparelho digestivo.

O retrocesso no número de cirurgias é acompanhado pelo total de consultas com especialistas, que antes registrava ligeiro aumento ano a ano, mas que caiu diante do coronavírus. Foram 188,4 mil atendimentos em 2020, contra 218,6 mil em 2016.

Na contramão, a pandemia forçou os municípios a ampliarem o número de leitos clínicos de suas redes hospitalares, elevando ainda os custos do sistema e deixando uma herança para os futuros governantes.

Leitos clínicos em alta

Neste primeiro dia de campanha, especialistas ouvidos pela reportagem apontam os principais desafios e também algumas soluções possíveis. Os vencedores das eleições 2020 terão de comandar um sistema ainda mais deficitário por estrutura e verba e apto a vacinar a população contra o novo coronavírus.

O cenário geral, especialmente dos municípios grandes e médios, é de um sistema público inchado, em decorrência da recessão econômica e da alta do desemprego. Mas também desigual, por causa dos modelos de gestão estarem em boa parte divididos entre a administração direta e a crescente participação das Organizações Sociais, nem sempre de forma exitosa.

Professor da Faculdade de Saúde Pública da USPGonzalo Vecina afirma que atualizar as agendas médicas das doenças crônico-degenerativas que deixaram de ser cumpridas é medida urgente a ser tomada. Por causa da pandemia, não se deu início, por exemplo, a internações para tratamento de câncer, cirurgias cardíacas e colocação de marcapasso, entre diversos outros procedimentos.

“Essa agenda é uma agenda irrecuperável. Quem passou do tempo ou já morreu ou vai morrer. É um negócio bem dramático.”

Gonzalo Vecina, professor da Faculdade de Saúde Pública da USP

Milhares de pessoas já aguardavam nas filas antes da pandemia

Somente na capital paulista havia 910 mil pessoas à espera de uma consulta com especialista em janeiro –  ou seja, antes do início da pandemia. Outras 370 mil aguardavam para fazer um exame ou uma cirurgia agendada. Os dados foram obtidos pelo Estadão via Lei de Acesso à Informação (LAI) e não foram atualizados pela Secretaria Municipal de Saúde.

A demora na realização desses serviços, além de prejudicar a saúde da população, onera ainda mais os cofres públicos. Isso porque diagnosticar uma doença em sua fase inicial aumenta as chances de cura e reduz os custos do tratamento, evitando, muitas vezes, a necessidade de uma cirurgia.

A zeladora Ana Paula Estevo, de 47 anos, enfrentou três meses de angústia. Moradora de Curitiba (PR), ela trata, desde o ano passado, de um mioma no útero na Santa Casa de Misericórdia. Depende de acompanhamento especializado e de uma rotina de exames para fugir da cirurgia. “É arriscado por eu ser hipertensa”, conta.

As consultas, no entanto, foram interrompidas por três meses. “A alegação foi a de que os esforços estavam no combate à covid-19 e, com isso, houve falta de agenda”, lamenta Ana Paula. Nesse período, sem acompanhamento, sofreu uma hemorragia e precisou ser submetida a exames para diagnóstico de uma anemia, retornando ao médico especialista apenas na semana passada.

A capital paranaense tinha quase 105 mil pessoas aguardando por uma consulta com especialista em março, também na fase pré-pandemia. O total de casos de covid-19 por lá já passa de 41 mil.

A prefeitura de Curitiba informou que a “situação ficou mais crítica nos meses de abril e maio, mas que está normalizando os atendimentos”. Também afirmou que “alguns procedimentos não deixaram de ter acompanhamento, como casos relacionados a câncer”. O município afirma investir em videoconsultas e monitoramento dos pacientes por telefone.

O cenário não é diferente no restante do País. Pelo contrário, é regra na maioria das cidades grandes, especialmente capitais. No Recife, mais de 170 mil pessoas estavam na fila eletiva em março.

Lindalva de Assis Vieira, de 63 anos, aguarda por um chamado da prefeitura para fazer uma ultrassonografia. Desempregada e com diagnóstico de artrose na perna, o que provoca muitas dores, ela já tentou se aposentar por invalidez, mas teve o benefício negado por apresentar exames muito antigos. Isso foi no início de 2019. Desde então segue na fila.

“A médica pediu um raio-X e uma ultrassonografia da minha perna. O raio-X eu consegui fazer. Demorou, mas consegui, já a ultrassonografia eu espero até hoje. E a consulta foi em março, antes da pandemia. É sempre assim. Uma vez, eu precisei fazer uma ultrassonografia das varizes que tenho nas pernas e esperei tanto tempo que o sistema apagou o meu caso. Não sei se deu problema ou se apagou pelo tempo”, conta.

A prefeitura do Recife informou que a ultrassonografia do joelho foi solicitada no dia 28 de fevereiro deste ano, mas que, por causa da pandemia, os exames eletivos e as consultas com especialistas foram suspensos. “Os serviços estão sendo retomados gradualmente e Lindalva segue na fila de espera e deverá receber uma ligação ou mensagem quando o exame for agendado.”

Sobre o desaparecimento de uma solicitação de exame relatado por Lindalva, a prefeitura afirmou que, na época, em 2017, o município tentou contato com a paciente diversas vezes, mas não obteve sucesso, e que, por isso, precisou devolver o pedido.

Em Belo Horizonte, mais um relato de espera. A aposentada Ivana Alves da Silva, de 70 anos, tem indicação para se submeter a uma cirurgia para corrigir catarata no olho esquerdo. De Morada Nova de Minas, cidade que fica a 298 quilômetros da capital mineira, Ivana não sai da estrada. Uma rotina desgastante em busca de exames e consultas pré-operatórios.

No dia 21, ela estava sentada em um banco de praça na chamada região hospitalar de Belo Horizonte,

área que concentra o maior número de estabelecimentos públicos de saúde da cidade. Às 10h daquela segunda-feira, a aposentada havia acabado de tirar sangue para checar seu nível de glicose – como é diabética precisa controlar a doença para poder ser operada. O problema é que não há data para o procedimento.

“A pandemia atrasou tudo. Agora até que as coisas voltaram a caminhar, mas ainda não sei quando a operação vai ser feita", conta Ivana, que se trata no Hospital das Clínicas, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Em nota, a unidade informou que está retomando, gradativamente, as cirurgias e as consultas eletivas. “As equipes médicas estão avaliando os casos individualmente e entrando em contato com os pacientes.”

Segundo a Secretaria de Saúde de Belo Horizonte, 22.721 pacientes estão cadastrados na central de internação que mantém para realização de cirurgias em 18 especialidades. Do total, 1.727 são para ortopedia, 491 para oftalmologia, 381 para cirurgia cardíaca, 5.762 para otorrinolaringologia e 4.016 para plástica. “As marcações de cirurgia serão normalizadas conforme avaliação sobre os indicadores da pandemia na capital”, afirmou a pasta.

A pandemia do novo coronavírus derrubou para menos da metade o número de cirurgias eletivas realizadas por hospitais da rede municipal. De janeiro a julho de 2020, ocorreram 9.413 procedimentos dessa natureza, contra 20.987 no mesmo período do ano passado – recuo de 55,15%. Em relação a consultas e exames especializados, também houve queda para menos da metade. O total caiu de 522 mil para 234 mil.

Redação

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Reportagens realizada pelos colaboradores, em conjunto, ou com assessorias de imprensa.

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