No comecinho de 1973, em plena ditadura militar, estreou no horário nobre da Rede Globo a novela “Cavalo de Aço”. O protagonista era o galã Tarcísio Meira, então no auge do sucesso, que na trama se dividia entre três paixões: a mocinha Glória Menezes, a louquinha Betty Faria e a inesquecível Honda CB 750 Four.
Naquela época, ainda não existia a indústria brasileira de motocicletas, e todas as vendas no país eram fruto de importação. Vivíamos o obscurantismo da ditadura militar, que inclusive interferiu no roteiro da novela proibindo temáticas “desconfortáveis”, como reforma agrária e uso de drogas, segundo informações do site Memória Globo. Mas estávamos num momento relativamente feliz em termos econômicos. Eram os anos do chamado “milagre”, período de certa estabilidade econômica que logo seria abalada pela crise do petróleo, o que fez o preço do barril subir até 400% no final de 1973.
Porém, antes desse chacoalhão, o mundo parecia mais cor de rosa. Ou dourado, como a bela CB 750 Four de Tarcísio, que custava então cerca de CR$ 26.000,00 (quase 90 salários mínimos à época). Com o valor, era possível comprar um Ford Corcel GT ou, com um pouco mais, ícones esportivos nacionais de então, o Volkswagen SP-2 e o Puma GTE. Mas é a lendária Four que nos interessa, pois naquele momento ela representou o símbolo de uma nova era para o motociclismo brasileiro e mundial.
O modelo é reconhecido mundialmente por ter feito a Honda dar o golpe de misericórdia na indústria motociclística europeia, que desde o começo dos anos 1960 se mostrava incapaz de conter a escalada tecnológica oferecida pelas motos nipônicas. Ao chegar ao Brasil, essa nova safra de motocicletas definiu uma mudança comportamental: antes vistas apenas como alternativas de transporte ou “mania” de alguns poucos usuários exóticos, as motos viraram moda nos anos 1970.
Tarcisião era o mocinho, e o fato de ele usar uma motocicleta evidenciava que o veículo era coisa de gente “barra limpa”, um cara legal, “do bem”, na gíria da época. Fora isso, as novas motos não quebravam, não vazavam óleo, não deixavam as pessoas a pé no meio dos passeios e, especialmente, não exigiam que seus donos fossem experts em mecânica. Brutalmente eficiente do ponto de vista do desempenho, os 67 cavalos do motor da CB 750 Four a levavam a lamber os 200 km/h de velocidade máxima, enquanto os carros esportivos de preço equivalente à época, como os já citados Corcel GT, VW SP-2 e Puma, sofriam para chegar aos 150 km/h.
A CB 750 Four que Tarcísio usou na novela era um modelo K3, praticamente idêntica à primeira CB 750 Four lançada em 1969. Acessórios como a capa de tanque de courvin ou os faróis auxiliares “cebolão” instalados no “mata-cachorro” a caracterizavam como motocicleta de um usuário ferrenho, moto “pau para toda obra”, adequada ao personagem nada “mauricinho”, mas sim um fazendeiro em busca de justiça e felicidade, que escolheu a motocicleta como seu veículo. A Four era boa para a estrada, boa para a cidade e… Boa para compor o estilo do conquistador de corações.
Aliás, foi isso mesmo que a motocicleta fez no Brasil no começo dos anos 1970: conquistou os corações da juventude. Fosse a exclusiva e cara 750 ou as mais abordáveis cinquentinhas, ter motocicleta no Brasil de então era algo muito legal. Uma novidade que serviu para congregar as pessoas que, ao se cruzarem nas ruas, costumavam se saudar com uma buzinadinha, uma piscadinha de farol ou um aceno com a cabeça, que nunca estava com capacete pois a lei não obrigava o uso. Os motociclistas viraram uma confraria simpática.
Essa época romântica de nosso motociclismo e as boas vendas provavelmente incentivaram as grandes marcas mundiais a se instalarem no país. Em 1974, a Yamaha começaria a produzir a sua RD 50 em Guarulhos, SP. Dois anos depois seria a vez da Honda fabricar a Honda CG 125 em Manaus. Atender aos apaixonados brasileiros, fanáticos por motos, foi como sabemos um objetivo plenamente alcançado, e boa parte disso se deve à aura de fascínio, de exclusividade e de ineditismo da motocicleta, cujo ícone perfeito foi encarnado por Tarcísio Meira montado na Honda CB 750 Four.
Fonte: G1