Oaroma de culantro (primo do coentro) frito paira no ar do The Beak and Barrel, no Magic Kingdom. Parece alga marinha. Mas Bobby Rivera Otero, desenvolvedor de conceitos gastronômicos porto-riquenho com 19 anos de Disney, sorri ao ver a confusão. “O culantro é uma erva que se usa em Porto Rico para tudo. No sofrito, nos guisados, nos arrozes”, explica. “A história do Piratas do Caribe é no Caribe, e eu queria incluir um ingrediente que fosse indígena.”
Essa é apenas uma das histórias culinárias que se desenrolam diariamente nos bastidores dos parques da Disney, especialmente durante o Mês da Herança Hispânica e Latino-Americana, que ocorre até o dia 15 de outubro. Por trás dos pratos que chegam às mesas existe uma rede de chefs latinos que enfrentam o desafio de manter a autenticidade cultural enquanto atendem milhões de visitantes.
Durante uma coletiva de imprensa, quatro profissionais revelaram os segredos por trás dessa operação gastronômica multicultural. Yoly Lazo Colon, chef de confeitaria do Magic Kingdom há 32 anos; Bobby Rivera Otero; Phil Rizo, sous chef de festivais do Epcot; e Jan Díaz, gerente de experiências dos visitantes no Epcot, compartilharam principalmente estratégias utilizadas para harmonizar o sabor latino com a magia da Disney.
Arroz
Rivera Otero começou como recepcionista no programa Disney College. “Cada dia percebo que aprendo algo novo, conheço alguém novo, e mais de mim. E tudo isso é pela influência de cada colega de trabalho”, diz.
Rizo trabalha com uma equipe de mais de 400 profissionais de países como Venezuela, Colômbia, Brasil, Argentina, além de ilhas caribenhas como Curaçao, Trinidad e Tobago e Jamaica. “É como um mundo inteiro treinando em uma linha de cozinha completa”, diz. “Já fizemos vários tipos de arroz – arroz com feijões pretos, feijões verdes. Arroz é arroz, mas todo mundo
A riqueza cultural vem acompanhada de desafios. Quando Jan Díaz desenvolveu a piña colada “galáctica” para o novo marketplace de Guardiões da Galáxia no Epcot, teve que adaptar a bebida tradicional porto-riquenha para o formato frozen. “Por causa do calor da Flórida e porque é mais rápido também. Os visitantes querem algo refrescante para caminhar pelo parque inteiro.”
Rizo enfrenta dilemas similares nos festivais do Epcot. Como servir um ceviche autêntico quando não é possível usar peixes crus por questões de segurança alimentar? “Cozinhamos os frutos do mar primeiro e depois os colocamos no suco de limão ou marinamos”, revela. Por isso, muitas vezes, os pratos aparecem nos menus como “inspirado em” em vez de “tradicional de”.
É algo parecido com o que acontece no estande do Brasil. A feijoada não é aquela tradicional, com paio, orelha e rabo. O feijão é mais caribenho e o porco vem representado por uma barriga bem feita – ainda tem um pesto por cima, talvez para remeter às ervas frescas.
Os chefs contam que a disponibilidade de ingredientes representa outro obstáculo cotidiano. “Embora sejamos a Disney, há ingredientes que queremos trazer, mas não podemos”, admite Bobby. “Então temos que criar coisas com o que já temos em casa.”
Imersão
O desenvolvimento de um novo conceito gastronômico na Disney é um processo meticuloso que pode levar de 18 a 24 meses. Bobby descreve o ritual da “Semana de Imersão” no Flavor Lab da empresa. “Por uma semana inteira, fazemos um treinamento de oito horas diárias. Damos todas as receitas com fotos, medidas detalhadas, todos os pesos. Eu te ensino como preparar o prato, como preparar a molho, e depois te vejo para que você produza”, explica.
O objetivo é conseguir manter o padrão em todos os parques, independentemente da equipe que estiver lá. Atualmente, acontecem dois eventos importantes nos parques: o Halloween, principalmente no Magic Kingdom, e o Food & Wine Festival, no Epcot.
Lazo Colon, que supervisiona 26 restaurantes no Magic Kingdom, considera o Halloween o evento mais desafiador. “Todos vêm fantasiados, é o momento de ser o que você gostaria de ser”, diz. Para o evento, ela criou sobremesas que se tornaram hits, como o flancocho – uma fusão de flan e bolo – e o tembleque com arroz doce, servido dentro de um ornamento do Mickey.
Quando a Disney lançou Encanto e Viva: A Vida É uma Festa, com histórias e personagens latinos, os chefs receberam a missão de expandir essas narrativas através da culinária. “Fizemos arepas, sancocho, vários tipos de empanadas”, conta Rizo. “Toda nossa comida e bebida tem que ter uma história, e isso é o que faz definitivamente a diferença”.
Jan Díaz destaca que a representatividade vai além dos sabores. “Também temos nossa personalidade. É o que conecta nossos funcionários, a comida com os funcionários. É tudo o que nós temos para oferecer. Deixamos que nossos funcionários expressem como são e tenham esse calor latino, toda a nossa hospitalidade”, diz.
O impacto da diversidade da gastronomia latina é mensurável nos festivais do Epcot, onde mais de 30 quiosques globais servem mais de 400 pratos e bebidas diferentes. “Olhamos todos os menus quase um ano antes”, revela Rizo. É uma operação que funciona o ano todo; desde o café da manhã até eventos after hours.
“Tiramos uma foto de todos os nossos doces”, explica Lazo Colon. “O que você está comendo tem que ser exatamente o que você vê na foto. Não posso vender um filé mignon e dar um Big Mac.”
O resultado final transcende a simples alimentação. Cada mordida representa uma ponte cultural. “No final do dia, é satisfazer nosso visitante para que voltem e queiram mais de nós”, resume Rizo.