Foto: Ahmad Jarrah / CMT
A estatal russa RZD, gigante mundial do setor de companhias ferroviárias, negocia com o governo brasileiro sua participação no leilão que vai conceder um trecho de 855 km da Ferrovia Norte-Sul, que ligará as cidades de Palmas (TO) e Anápolis (GO). A via férrea foi concluída e entregue no dia 22 de maio de 2014 e teve investimento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) da ordem de R$ 4,28 bilhões.
O diretor-geral da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), Jorge Bastos, confirmou o interesse da RZD nos projetos ferroviários brasileiros.
Para o Doutor em Engenharia de Transportes pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e docente da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Luiz Miguel de Miranda, a Rússia detém capacidade técnica para tanto, uma vez que “possui a segunda maior rede ferroviária do mundo”, e que eles compartilham com os chineses a discussão de como uma empresa estatal poderia competir com empresas nacionais e estrangeiras num eventual certame de projeto, construção e operação de ferrovias de cargas.
“Esse problema já teve iniciada sua discussão com o interesse demonstrado pelos chineses com a denominada Ferrovia Transcontinental. Assim, não vejo qualquer risco técnico caso os russos se apresentem para essa disputa, mesmo porque as normas ferroviárias são as mesmas para qualquer tipo de economia: de estado ou de capital”, afirmou.
Antes de cruzar Campinorte (GO) – interligando-se com a Ferrovia de Integração do Centro-Oeste (FICO), que dá acesso à maior região produtora de soja no País, em Mato Grosso –, a Norte-Sul passará por Figueirópolis (TO), conectando-se à Ferrovia de Integração Oeste Leste (FIOL), o que permitirá acesso ao Porto Sul, projeto em fase de estudos que prevê a construção de uma estação aduaneira nos arredores de Ilhéus (BA), segundo a Valec Engenharia, Construções e Ferrovias S.A., empresa pública ligada ao Ministério do Transportes.
Como contrapartida, o governo brasileiro pretende exigir da empresa vencedora dessa concessão a construção do trecho final da ferrovia Norte-Sul, ligando Açailândia (MA) ao porto de Barcarena (PA). São 477 km de ferrovias entre as cidades do Maranhão e do Pará, com investimento previsto de R$ 7,8 bilhões.
Segundo o professor Luiz Miguel de Miranda, ao contrário dos chineses, que possuem “o plano estratégico de garantir a alimentação de 1,3 bilhões de pessoas”, é difícil prever se os russos também estão de olho na Ferrovia de Integração do Centro-Oeste. Entretanto, ele aponta para possíveis interesses geopolíticos e nacionais de Moscou.
“A indústria de transporte na Rússia não cabe mais dentro das suas fronteiras. Além disso, o projeto daria mais visibilidade e poder ao Kremlin”.
O Circuito Mato Grosso procurou a Secretaria de Estado de Infraestrutura (SINFRA-MT) pedindo uma avaliação do interesse dos russos na concessão da norte sul e foi informado que a secretaria ainda não havia feito um parecer do caso, sugerindo que nossa equipe procurasse diretamente a opinião do governador Pedro Taques (PSDB). A assessoria de gabinete, por meio de contato telefônico, afirmou que o assunto deveria ser tratado na SINFRA, o que impossibilitou de termos uma posição oficial sobre a iniciativa.
Mato Grosso, unidade federativa que possui uma demanda antiga pela logística, pode se beneficiar do interesse dos russos na participação da disputa pela concessão de um trecho da Ferrovia Norte-Sul. A opinião é do diretor executivo do Movimento Pró-Logística, Edeon Vaz Ferreira, que conversou por telefone com o Circuito.
Edeon considera positivo o interesse dos russos no investimento das ferrovias brasileiras, e afirma que a estatal russa que está de olho no trecho da Norte-Sul é “uma das maiores companhias ferroviárias do mundo” e pondera ser uma “questão de tempo” até que eles também queiram investir na logística mato-grossense.
“Vejo como positivo o interesse russo em querer participar da disputa dessa concessão. Além disso, acredito ser apenas questão de tempo até que os russos se interessem por algumas das ferrovias que cruzarão Mato Grosso”, analisa.
Formada por associações de classe, sobretudo do agronegócio, o Movimento Pró-Logística é uma entidade que também congrega setores da indústria, comércio e da sociedade civil. A associação foi criada em agosto de 2009 para articular a implantação e manutenção da infraestrutura de logística federal e estadual em Mato Grosso e nos acessos aos portos.
Apesar de considerar positivo o interesse russo nessas empreitadas, Edeon enxerga um entrava que pode não só “afugentar” Moscow do negócio, mas também os chineses, que expressamente já demonstraram querer investir na Ferrovia de Integração do Centro-Oeste (FICO).
“Hoje um dos maiores entraves brasileiros para investimentos em logística são as licenças ambientais. Eles podem encontrar alguma barreira nessa área”.