Vozes-Mulheres
A voz de minha bisavó ecoou criança nos porões do navio.
Ecoou lamentos de uma infância perdida.
A voz de minha avó ecoou obediência aos brancos-donos de tudo.
A voz de minha mãe ecoou baixinho revolta no fundo das cozinhas alheias
De baixo de trouxas roupagens sujas de brancos pelo caminho empoeirado rumo à favela.
A minha voz inda ecoa versos perplexos com rimas de sangue e fome.
A voz de minha filha recolhe todas as nossas vozes recolhe em suas vozes mudas caladas engasgadas nas gargantas.
Conceição Evaristo acaba resgatando desde sua bisavó toda uma ancestralidade que se manteve ausente entre os afrodescendentes. Na tentativa de apagar qualquer herança africana durante a escravidão, desumanizaram e sustentaram a ideia de que naquela condição – a de objeto – o negro não pertencia a nenhum lugar, somente ao seu dono e senhor. Na voz do eu-lírico pode-se constatar que além de buscar e confirmar no tempo e no espaço a presença de sua família, denuncia na voz destas mulheres as duras condições em que viveram seus antepassados.
Bem, encerro este texto compartilhando com o leitor um conto maravilhoso, Olhos d'água, de Conceição Evaristo, disponível na internet. É a minha homenagem a todas essas escritoras negras guerreiras em nosso Brasil.
Rosemar Coenga é doutor em Teoria Literária e apaixonado pela literatura de Monteiro Lobato cultura@circuitomt.com.br