A estiagem prolongada aliada a altas temperaturas mostram que vivemos no Brasil (e no mundo) um delicado momento climático e ambiental, o qual, junto com a ação humana criminosa, tem fomentado uma série de queimadas e incêndios florestais em terras públicas e privadas, prejudicando sobremaneira o setor agropecuário brasileiro.
Nessa esteira, há de se ter os devidos cuidados com movimentos que venham a imputar aos produtores rurais a responsabilidade por incêndios criminosos. Além da responsabilidade penal, administrativa e civil prevista no Código Florestal (Lei 12.651/2012), começam a surgir discursos defendendo a expropriação de terras utilizadas para atividades criminosas. Neste caso, a pena seria aplicada, em tese, quando constatada a ocorrência de incêndio doloso, para manejo irregular ou expansão da fronteira agrícola da propriedade. Contudo, não há regulamentação adequada, nem critérios claros definidos, o que pode perpetrar injustiças e confiscos. Os riscos existem e devem ser minimizados.
Em relação à matéria penal, os crimes relacionados a queimadas no Brasil estão previstos em diversos dispositivos legais, principalmente na Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/1998). O artigo 41 desta lei dispõe que “provocar incêndio em mata ou floresta” constitui crime, sendo a pena prevista reclusão de dois a quatro anos e multa. A mesma lei prevê agravantes no caso de incêndios praticados em áreas de proteção permanente, unidades de conservação ou quando resultem em graves danos ambientais.
Além da Lei nº 9.605/1998, o artigo 250 do Código Penal também tipifica o crime de incêndio, dispondo que “causar incêndio, expondo a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem” é passível de pena de reclusão de três a seis anos e multa. Em sua redação, o artigo ainda prevê que, se o incêndio é causado em matas ou florestas, a pena pode ser aplicada em seu grau máximo.
É certo que a caracterização desses crimes exige o dolo como elemento subjetivo para a configuração do tipo penal. Porém, ante a dificuldade probatória de sua comprovação, cada vez mais tem se recorrido a indevidas extensões hermenêuticas e interpretações alargadas em prol da objetivação na aplicação das penalidades neles previstas, ou seja, aplicam-se as sanções independentemente da intenção ou da vontade do proprietário rural em “causar o incêndio”.
Na seara administrativa, o Decreto nº 6.514/2008 regulamenta infrações administrativas ao meio ambiente e, em seu artigo 58, prevê a aplicação de multas que podem variar de R$ 1.000,00 a R$ 50.000,00 por hectare ou fração, para quem “causar incêndio em mata ou floresta”.
É preciso ficar atento também às disposições da nova Lei nº 14.944, de 31 de julho de 2024, que dispõe sobre a Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo e regulamenta o uso de fogo nas propriedades rurais, estabelecendo as diretrizes e os princípios dessa política. Ela institui importantes regras a serem seguidas, bem como a responsabilização pelo uso irregular do fogo, com previsão de ressarcimento de despesas públicas e privadas no seu combate.
Outra novidade é o Decreto nº 12.189, de 20 de setembro de 2024. Ele altera o valor de diversas multas aplicadas por queimadas e responsabiliza objetivamente o produtor rural que não adotar medidas para combater ou prevenir incêndios. Essas multas são bastante elevadas, podendo alcançar dez milhões de reais, e podem ser impostas ao responsável pelo imóvel rural que deixar de implementar “as ações de prevenção e de combate aos incêndios florestais em sua propriedade de acordo com as normas estabelecidas pelo Comitê Nacional de Manejo Integrado do Fogo e pelos órgãos competentes do Sisnama”.
Por certo, o objetivo da recente legislação de assegurar a sustentabilidade e a proteção da biodiversidade, reduzindo incêndios florestais, é indiscutivelmente nobre e deve ser saudado. Contudo, ela impõe uma série de deveres ao produtor rural ao mesmo tempo que prevê a responsabilização por sua eventual omissão, o que gera um grande risco de arbitrariedade na imposição de sanções pelas autoridades fiscalizatórias. Por exemplo, os órgãos do Sisnama realizam o monitoramento via satélite, fixando multas diretamente ao proprietário, sem identificar corretamente causas e os verdadeiros responsáveis, o que onera excessivamente a atividade produtiva com punições descabidas.
Diante desse cenário, em caso de incêndio que atinja a propriedade são necessários cuidados imediatos e ações de precaução. Em especial devem ser produzidas provas e guardada toda a documentação que demonstre que o produtor não deu causa ao fogo/ incêndio e nem foi omisso na adoção de medidas preventivas e no seu combate.
De início cabe alertar as autoridades competentes, lavrando o devido Boletim de Ocorrência. O corpo de bombeiros deve ser acionado, narrando a extensão do dano e solicitando medidas imediatas ao poder público. Se possível, o número de protocolo e os horários que as chamadas foram realizadas devem ser anotados, para que as gravações sejam recuperadas, caso haja um processo administrativo ou caso a área seja embargada.
Necessário, também, tomar todas as providências que estiverem ao alcance do produtor, mobilizando vizinhos e funcionários para mitigar os efeitos do incêndio, até que o corpo de bombeiros chegue ao local. É importante gravar as medidas tomadas, por meio de filmagens de celular, drones, e toda a tecnologia disponível, justamente para demonstrar que o proprietário da área não poupou esforços para mitigar os efeitos do incêndio.
É igualmente salutar que haja acompanhamento jurídico especializado desde o surgimento do incêndio até o arquivamento dos processos administrativos que poderiam imputar a responsabilidade ao proprietário.
As duras sanções que podem ser impostas e o contexto de instabilidade jurídica e política hoje experimentado demonstram que todo cuidado se faz necessário, a fim de que não haja responsabilização indevida a quem trabalha e produz. No mais, a atuação conjunta no combate ao fogo e a incêndios florestais é dever de todos nós, e dele não podemos nos furtar.
Marco Aurélio Marrafo é Advogado atuante nas áreas de Direito Constitucional, Agroambiental e Regulatório. Professor da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ. Doutor e Mestre em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná – UFPR com estudos doutorais na Università degli Studi di Roma Tre – Itália. Diretor-Geral da Academia Brasileira de Direito Constitucional – ABDConst. e-mail: marco@mrgadvocacia.adv.br