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Risco de deportações na República Dominicana gera alerta

Autoridades e instituições que atendem imigrantes no Brasil monitoram ações do governo dominicano que poderão ampliar o fluxo de haitianos para o país, sobrecarregando os sistemas de acolhimento e regularização de estrangeiros.

Nas próximas semanas, a República Dominicana poderá decidir o destino de cerca de 200 mil moradores de origem haitiana que não cumprem os requisitos legais para viver no país.

A expectativa de que o grupo seja expulso para o Haiti já tem gerado movimentações. Segundo o governo dominicano, cerca de 40 mil pessoas cruzaram voluntariamente a fronteira rumo ao Haiti nas últimas semanas.

Os dois países dividem a ilha Hispaniola, no Caribe. Há muitas décadas haitianos têm cruzado a fronteira em busca de melhores condições de vida na nação vizinha.

Especialistas avaliam que, se forem forçados a se mudar para o Haiti – a nação mais pobre das Américas e onde muitos deles jamais puseram os pés – , parte do grupo acabará migrando para outros países. E o Brasil, que desde 2010 tem recebido levas crescentes de haitianos, poderá ser um dos principais destinos.

'Medo e angústia'
"Não tenho dúvida de que isso vai trazer um número maior de imigrantes para cá", disse à BBC Brasil o padre Antenor Dalla Vacchia, um dos diretores da Missão Paz, abrigo de estrangeiros da Igreja Católica, em São Paulo.

Vacchia diz que muitos haitianos com parentes na República Dominicana estão "intranquilos" com a situação no país e têm pedido ajuda para trazê-los ao Brasil.

"Eles estão têm manifestado para a gente esse medo, essa angústia."

O padre diz, no entanto, que ainda não notou mudanças no fluxo de haitianos ao Brasil. Ele afirma que, nos próximos dias, deverão chegar a São Paulo 43 ônibus de imigrantes que ingressaram no país pelo Acre.

Hoje, segundo Vecchia, dos 110 imigrantes alojados na Missão Paz, entre 60 e 65 são haitianos.

O governo do Acre também diz que as ações na República Dominicana ainda não tiveram impactos na chegada de haitianos.

O secretário de Direitos Humanos do Estado, Nilson Mourão, afirma que, no último mês, houve, inclusive, uma redução no fluxo de imigrantes. Ele diz, porém, que, se forem expulsos da República Dominicana, muitos imigrantes "tentarão é claro buscar outros países", entre os quais o Brasil.

Negociações diplomáticas
Em público, o governo federal tem adotado um tom cauteloso sobre o tema. No fim de junho, o ministro de Relações Exteriores, Mauro Vieira, visitou a República Dominicana. A viagem ocorreu alguns dias após expirar o prazo dado pelo governo local para que indocumentados se registrassem.

Em nota à BBC Brasil, o ministério diz que o chanceler dominicano falou a Vieira sobre o plano de regularização de estrangeiros e da coordenação entre os governos dominicano e haitiano.

Segundo o ministério, "o chanceler brasileiro ouviu, sem manifestar posição, uma vez que se trata de questão interna dominicana".
O presidente do Conselho Nacional de Imigração (CNIg), Paulo Sérgio Almeida, diz à BBC Brasil que é cedo para avaliar se as políticas dominicanas terão algum impacto no Brasil.

"É algo que está no nosso radar. Temos interesse em acompanhar, mas não sabemos a evolução que isso terá nos próximos meses."
Ele diz que efeitos no Brasil dependerão dos laços entre as pessoas que possam vir a ser deportadas e haitianos que estejam no Brasil. "As redes de contatos, sejam familiares ou de amizade, têm um grande impacto nos processos migratórios".

Ainda não está claro o que ocorrerá com as pessoas que não puderem se regularizar na República Dominicana.
O grupo entrou num limbo jurídico após uma decisão de 2013 da Corte Constitucional do país. O órgão determinou que todas as pessoas nascidas após 1929 de pais que estivessem em situação migratória ilegal não tinham direito à cidadania dominicana.

Desde então, em resposta a críticas internacionais, o governo do presidente Danilo Medina iniciou um processo para regularizar o grupo.
Até o mês passado, 288 mil moradores sem cidadania dominicana se registraram para poder permanecer no país.

esses, segundo o governo, 55 mil apresentaram todos os documentos necessários e serão naturalizados.

A BBC Brasil perguntou ao Ministério do Interior dominicano o que ocorreria com o resto do grupo. Não houve resposta às indagações nem a pedidos de entrevista com autoridades locais.

Governos caribenhos têm criticado a postura da República Dominicana no episódio. A Caricom, o principal bloco regional, disse que as ações do vizinho ameaçavam criar uma crise humanitária na região.

Após protestos do Haiti, a Organização dos Estados Americanos (OEA) enviou uma missão aos dois países para monitorar o caso.

Vistos humanitários
Desde o terremoto no Haiti em 2010, o Brasil entrou na lista dos países que abrigam a numerosa diáspora haitiana.
Os haitianos são o grupo de migrantes que mais cresce no país. Entre 2011 e 2013, segundo o Ministério do Trabalho e Emprego, o número de trabalhadores haitianos no Brasil passou de 814 a 14.579.

Em 2012, o governo brasileiro passou a conceder vistos permanentes para haitianos que quisessem se mudar para o país. A medida, segundo o governo, respondia à piora das condições de vida após o terremoto, que destruiu boa parte da capital Porto Príncipe.

Ao conceder os vistos, o governo também pretendia evitar a entrada de haitianos sem documentos pela fronteira na Amazônia. Eles ingressavam após voar até o Equador e, de lá, pegar um ônibus até a fronteira do Peru com o Brasil.

Ao tentar fechar a rota, o governo dizia buscar combater a ação de "coiotes", atravessadores que cobram para transportar os imigrantes.

A chegada de grandes levas pela fronteira também incomodava o governo do Acre, onde muitos imigrantes ficavam até obter documentos ou serem contratados por empregadores de outras regiões.

A maior parte dos estrangeiros se amontoava em Brasileia, na fronteira com a Bolívia, onde dormiam em colchões num ginásio, rodeados por lama e esgoto a céu aberto. O governo do Acre chegou a decretar estado de emergência por causa das condições do abrigo.

Em 2014, o governo estadual fechou o abrigo e passou a enviar os imigrantes de ônibus a São Paulo, superlotando os centros da capital paulista e gerando protestos da prefeitura local.

Apesar dos esforços do governo federal para fechar a rota, o trajeto se consolidou e passou nos últimos anos a ser usado por imigrantes de outras nacionalidades, entre os quais senegaleses e bengalenses (nacionais de Bangladesh).

Clima de ódio
Para Bridget Wooding, diretora da Obmica, um centro dominicano de estudos sobre migração, as decisões do governo em Santo Domingo criaram um ambiente de ódio contra imigrantes.

"Muitas pessoas com status irregular estão temendo por sua vida, seus bens, e tomaram a iniciativa de cruzar a fronteira e voltar a seu país".
Ela diz que o plano de regularização do governo teve um prazo muito curto. Segundo Wooding, informações escassas, autoridades pouco treinadas e sistemas complexos fizeram com que muitos não conseguissem se registrar adequadamente.

Ela afirma que as incertezas também têm gerado uma migração interna no país, com migrantes se deslocando de um bairro a outro.
"Eles não querem que saibam seus endereços, pois temem que venham buscá-los e percam tudo".

Fonte: BBC BRASIL

Redação

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Reportagens realizada pelos colaboradores, em conjunto, ou com assessorias de imprensa.

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