Entre outros pontos, a matéria da jornalista Juliana Arini cita o atraso no andamento das obras na Capital mato-grossense, bem como a certeza da não conclusão de muitas delas antes do Mundial, como o Aeroporto Marechal Rondon e o Veículo Leve sobre Trilhos (VLT).
A reportagem ainda ironiza o ‘azar’ que Cuiabá teve no sorteio dos jogos da Copa e lembra que, entre as partidas a serem realizadas na Arena Pantanal, está o ‘memorável jogo’ entre Bósnia e Nigéria.
Confira íntegra:
O lamaçal do Pantanal: Cuiabá é a sede mais problemática à espera da Copa
A Copa do Mundo começará em Cuiabá na sexta-feira, dia 13 de junho, com o jogo entre Chile e Austrália. O sorteio das chaves não foi camarada com a cidade. Ela receberá também Rússia x Coreia do Sul, Nigéria x Bósnia e Japão x Colômbia, partidas que não podem ser consideradas clássicos do futebol mundial. O caos que Cuiabá vive às vésperas da Copa não pode, no entanto, ser creditado à falta de sorte. As expectativas eram imensas. Em 2009, o governador Blairo Maggi falava em avançar 40 anos em cinco. O projeto inicial parecia excelente. O estádio a construir, a Arena Pantanal, seria um dos mais baratos da Copa, a um custo de R$ 420 milhões. Para sediar quatro jogos do Mundial, Cuiabá receberia investimentos de R$ 2,5 bilhões, parte deles na forma de empréstimos feitos ao governo estadual pela Caixa e pelo BNDES. Com o dinheiro, Cuiabá reformaria o aeroporto que serve a cidade, faria diversas obras viárias e resolveria os problemas da mobilidade urbana com um sistema de bondes – os VLT, os Veículos Leves sobre Trilhos.
Às vésperas da Copa, o cotejo entre as intenções e o que foi realizado dá a medida do fracasso. Das 56 obras prometidas, apenas 14 serão inauguradas a tempo do Mundial, segundo o relatório do Tribunal de Contas do Estado (TCE). As obras incompletas começam pelo aeroporto. Os trechos completos do sistema VLT só serão entregues em 2017. O estádio está atrasado – deveria ter sido entregue em dezembro, e a nova data é 26 de abril, a um mês e meio da Copa. Todas as obras custarão mais caro que o previsto, e em todas as frentes pipocam denúncias dos órgãos de fiscalização.
Quem desembarca na cidade de Várzea Grande, onde fica o aeroporto internacional da região, encara uma paisagem lunar. O que se vê é uma imensa cratera cercada por materiais de construção. Desembarcar é uma aventura, pois é necessário pular tapumes e atravessar poças de lama em pequenas pontes improvisadas de compensado – para, depois, mofar à espera dos poucos táxis que disputam os espaços entre as obras e o acesso ao terminal. Custeada com os recursos federais, a obra, orçada em R$ 100 milhões, já recebeu uma advertência do Tribunal de Contas da União por sobrepreço – R$ 11 milhões. Pior: está longe de ser concluída. A empresa responsável, a Engeglobal, declarou há dois meses que o aeroporto não ficará pronto para a Copa do Mundo. Procurada na semana passada, a Engeglobal não atendeu aos pedidos de entrevista de ÉPOCA. Isso significa que os torcedores dos times que jogarão em Cuiabá continuarão se equilibrando nas pontes de compensado. Pobres nigerianos, bósnios, russos, japoneses…
Os torcedores também não poderão andar de bonde – ideia controversa desde o princípio pelo custo elevado, estimado em R$ 1,2 bilhão. O governador Blairo Maggi era contra os VLT. Preferia um sistema de ônibus em faixas exclusivas, o BRT (sigla de Bus Rapid Transit). Ele sairia bem mais barato – cerca de R$ 700 milhões. De outro lado, o deputado José Riva, ex-presidente da Assembleia Legislativa, defendia os VLT. Riva venceu. Vários incidentes ocorreram no meio do caminho. Em 2011, houve a denúncia de adulteração de um laudo do Ministério das Cidades. Num primeiro momento, o ministério se dissera a favor do BRT. De acordo com a denúncia que gerou um processo no Ministério Público Federal, a gerente de projeto do Ministério das Cidades, Cristina Maria Soja, alterou o laudo – e, em agosto de 2011, o novo parecer, favorável aos bondes, foi aprovado pela ministra do Planejamento Miriam Belchior. Riva, patrono do projeto, teve pouco tempo para comemorar. Ele foi afastado da Assembleia Legislativa de Mato Grosso em 2013, acusado de desvio de R$ 2,6 milhões dos cofres públicos.
O sistema de bondes também foi acusado de se beneficiar, inapropriadamente, do Regime Diferenciado de Contratação, criado para apressar as obras da Copa, mesmo sabendo de antemão que ele não ficaria pronto a tempo do Mundial. Pelo regime, os autores do projeto do VLT ficaram dispensados de apresentar o projeto executivo formal. “Fizemos uma ação para paralisar a obra e questionar o governo sobre os custos e ausência de projetos. Temos dúvidas sobre se o trem será viável para a população”, afirma Clóvis Almeida, promotor do Ministério Público Estadual. Procurada por ÉPOCA, a Secopa – secretaria estadual responsável pelas obras – negou que não existisse projeto executivo. Por fim, existe outra denúncia, também investigada pelo MPE, de fraude na licitação da obra. A soma de denúncias fez com que a obra fosse embargada no TCE. A decisão acabou revogada.
Liberada pela decisão judicial, a obra do VLT é a que mais transtornos gerou no trânsito. Em menos de um mês, todas as avenidas principais foram interditadas, árvores foram cortadas – e o comércio da Avenida da Prainha, uma das mais antigas vias do Centro Histórico de Cuiabá, foi isolado do restante da cidade. Os lojistas tiveram prejuízo. “Fizemos passeatas e custeamos laudos para mostrar nossas perdas. Tem gente na avenida que até infarto sofreu. Só sairemos daqui depois de o governo nos indenizar pelos danos que nos causou”, afirma Dilma Gaião Gentil, lojista no Morro da Luz e presidente da Associação dos Empresários e Locatários da Prainha.
Por último, e talvez mais importante, está a Arena Pantanal. O estádio que prometia ser um dos mais baratos da Copa, a um custo de R$ 420 milhões, já consumiu R$ 570 milhões, e a previsão é que chegue aos R$ 600 milhões. O atraso da obra é de mais de três meses. Há suspeita de superfaturamento até nas cadeiras. A licitação vencida pela empresa Kango, em 2013, mostrou que a Arena Pantanal teria as cadeiras mais caras do Mundial, com um custo total de R$ 20 milhões. Cada cadeira seria vendida a R$ 436, o dobro do valor das que foram instaladas pela mesma empresa no Estádio Mané Garrincha, em Brasília – onde também houve suspeitas de superfaturamento. A compra quase foi anulada por uma ação do Ministério Público. Depois de um acordo, a Kango concedeu um desconto, e o preço total caiu para R$ 18 milhões.
O jogo inaugural, entre Vasco da Gama e Luverdense, será no dia 26 de abril. Para evitar a síndrome do elefante branco – a média de público do Luverdense, melhor time do Estado, é de 5 mil pessoas por jogo –, a Arena Pantanal deverá ser privatizada e terá de buscar o destino de outros estádios da Copa: abrigar megashows. Como é duvidoso que Madonna, Lady Gaga ou os Rolling Stones incluam Cuiabá em suas turnês, não se espera facilidade na privatização. Somando o estádio sem público, o aeroporto enlameado e os bondes embargados, o legado da Copa para Cuiabá, que prometia ser auspicioso, pode se limitar à lembrança de um período de muita confusão – além de jogos memoráveis, como Bósnia x Nigéria.