Os anos batem à porta
E ninguém aparece
Autoestima e solidão
são íntimas quando florescem
A loucura da razão
Ludibria quem padece
De falta de opinião
Ou um corpinho modelete
Aparência substituiu a alma
A carne é o que enfraquece
O vício é o alívio da tensão
Mas o espelho nunca esquece
Fiz esse poema em 2006. Mas impressionante como ele é mais do que atual.
Inacreditavelmente, hoje, a aparência substitui qualquer outra qualidade. Na minha época quem era inteligente ainda tinha uma chance, hoje simplesmente não. Claro que o rico fica fora, pois se dá bem de qualquer jeito, mas a idolatria do corpo perfeito nunca esteve tão em alta. Não por acaso, é muito comum me perguntarem: “Mas João, por que não emagrece?”. “Por que não coloca um balão, e fica magrinho?”. Ser gordo hoje é o mesmo que xingar a mãe de quem não é. Que eu posso fazer? Como bom gaúcho, não abro mão de um churrasco. O problema é que daqui uns dias vão falar que ser gordo é fazer bullying social.
– Para de exagerar, Junior – dispara meu tio Jonas no almoço de domingo.
– Exagero não. Esses dias o menino da quadra chamou o Joãozinho de gordinho, e fui lá chamar a atenção dele.Repreendi Lilian na mesma hora. Afinal, João é gordinho. Na minha época, quebrei muito o pau com outras pessoas por ser gordo. Hoje vejo que aquilo não me tirou pedaço. Pelo contrário, me fortaleceu. Cada umtem que se virar como pode. Aliás, hoje tudo sofre uma padronização globalizada. As pessoas têm que seguir a moda, têm que seguir as tendências, as tendências têm de ser comerciais. Fica muito difícilser uma pessoa sensível nos dias atuais.
– Picasso mesmo disse: é preciso saber construir para depois desconstruir, que ele, mesmo sendo gênio,levou 60 anos para aprender a pintar com a pureza das crianças – dispara Jonas em tarde inspirada.
É verdade. Ninguém é mais criativo que as crianças. Por ser despretensiosa. Por ser angelical. Ficopensando em que lugar viveria um anjo como a Dunga Rodrigues, nesses dias atuais violentos, urbanos eirracionais. Silva Freire. Já teria morrido a bala. Não há espaço para a poesia. Não há espaço para oamor, o ódio, não há espaço para quebra. Não há espaço para pensar fora da baleia. Talvez por isso anossa arte atual seja tão igual. Cito numa das mãos artistas que se proponham a fazer diferente. A artetem que vender. A arte tem que entreter.
– Pera lá, Junior. A arte não tem que fazer nada. A arte serve para emocionar. Ela não tem obrigaçãocom nada – dispara meu tio Jonas Barros, em plena mesa de churrasco.