Circuito Entrevista

Representante do movimento negro fala sobre realidade da população

Foto: Ahmad Jarrah

A pele negra é motivo de orgulho para Elis Regina Prates. A voz calma e a propriedade para falar das lutas dos afrodescendentes, mesmo em meio ao barulho do evento que ocorria enquanto era feita a entrevista, reforçam ainda mais o desejo de que todos sejam iguais. 

É esse o anseio que se vê nos olhos de Elis, a representante do “Movimento das Mulheres Negras”, e também assistente social. Ela que está na luta pelos direitos dos negros há mais de 30 anos revela que também foi vítima de racismo. 

Até mesmo no trabalho não escapou. Elis diz que em uma cidade habitada por maioria branca era olhada com estranhamento. Ainda conta que ter um salário maior já era motivo para ser menosprezada. Ao entrar em um mercado, shopping chegou a ser perseguida por seguranças devido a cor da pele. O preconceito sofrido na pele, fez com que Elis se emponderace e enfrentasse o racismo.

O Circuito Mato Grosso bate um papo com a militante para esclarecimento sobre o dia da Consciência Negra, 20 de novembro. Instituído oficialmente pela lei nº 12.519, de 10 de novembro de 2011, o dia da Consciência Negra faz referência à morte de Zumbi, o então líder do Quilombo dos Palmares – situado entre os estados de Alagoas e Pernambuco, na região Nordeste do Brasil. Zumbi foi morto em 1695, na referida data, por bandeirantes liderados por Domingos Jorge Velho. 

Confira a entrevista com Elis Prates

Circuito Mato Grosso: No dia 20 de novembro comemoramos o dia da Consciência Negra, o que a população negra tem a comemorar neste dia?

Elis Prates: Infelizmente muito pouca coisa em minha opinião. Bom seria se não tivéssemos o dia da Consciência Negra, mas que todos os dias do ano a população em geral visse a população afrodescendente, a população negra, como a população de Mato Grosso, do Brasil, do mundo, sem discriminação. Temos muito que comemorar, temos muitas conquistas sim, mas que ainda não refletem de fato na vida das pessoas.

CMT: O Brasil é um país de misturas de raças, em sua opinião, por que o preconceito, especialmente contra o negro, ainda é muito marcante?

Elis Prates: Por conta da colonização do nosso país. As pessoas habituaram a achar que o negro é feio, que o negro é sujo, por que tem a imagem do negro escravizado. A imagem do negro que ficava lá na fazenda dos cafezais, da cana-de-açúcar, com a mesma roupa, trabalhando de sol a sol, sem condições de tomar um banho. Enfim, sem condições mínimas de vida, então, qualquer pessoa se viver numa situação dessas com certeza não vai ser agradável de conviver. Mas a gente tem que entender que esse tipo de situação hoje não existe mais. Não tem porque sermos vítima deste preconceito quando já estamos superando isso. Mesmo assim a distância ainda é grande do branco e do negro. Já avançamos em muitos aspectos, mas a população ainda não aceita.

CMT: Qual o atual cenário da população negra: em relação aos postos de trabalho ocupados, a escolaridade, enfim, a inserção social?

Elis Prates: Eu vejo que o cenário vem sofrendo mudanças ainda tímidas, mas significativas. Porque hoje com as políticas públicas que vem sendo implantadas pelo Governo Federal, a população afrodescendente tem tido condições de estudar mais, tendo condições de ter uma profissão, de ter um nível superior. Isso é claro que vai refletir positivamente na vida da pessoa negra. Mas sabemos que tem um caminho árduo pela frente, porém não podemos deixar de reconhecer os avanços. O nível de escolaridade aumentou, estamos ocupando outros postos de trabalho, isso são ganhos, mas que ainda não tem visibilidade para a população.

CMT: Assim como o Mapa da Violência aponta que os negros são as maiores vítimas de violência, também podemos dizer que eles acabam sendo a maior população carcerária. O que influencia para que isso aconteça? Como você avalia?

Elis Prates: Primeiro porque é muito mais fácil prender um negro do que um branco. Porque se tiver dois suspeitos de um crime, no caso do negro nem vão querer saber se ele é realmente culpado. O negro já é culpado pela nossa melanina, pela cor da nossa pele nós já somos culpados. E o branco não, muitas vezes tem muitos ladrões, muitos traficantes, muitas pessoas que estão ilesas porque são brancas, tem olhos claros, tem uma posição social diferente dos negros. Os negros não, eles são imediatamente encarcerados, muitas vezes até indevidamente.

CMT: Você acredita que já foi criado um estereótipo do negro, por exemplo, durante abordagens policiais, os negros sempre são suspeitos?

Elis Prates: Não é só o policial. Eu mesma já sofri perseguições em lojas, em shopping, você entra em uma loja as pessoas acham que você vai roubar uma coisa. Não acreditam que você, independente do seu tom de pele, pode ser um consumidor. O preconceito está em muitas formas, em muitas etapas, é muito difícil.

CMT: Quanto à mulher negra, qual a realidade, elas acabam sendo ainda mais vítimas de preconceito?

Elis Prates: Aumentou o número de violência contra a mulher, em geral com a mulher negra, porque a maioria das mulheres hoje que estão na periferia são as mulheres negras, onde o maior índice de violência ainda se encontra. Isso devido ao consumo de drogas e de álcool, então a violência doméstica está presente. Não tem como você negar que infelizmente nós mulheres negras acabamos ficando mais vulneráveis com relação a isso.

CMT: Quanto ao sistema de cotas, você acha que ele inclui ou acaba gerando ainda mais preconceito de que a pessoa só conseguiu a vaga porque era negra?

Elis Prates: Sou totalmente favorável às cotas. Porque penso que é aquele remédio amargo que precisa tomar para garantir que você melhore de saúde. É como se a população afrodescendente estivesse doente e nós tomássemos o remédio das cotas para uma elevação socioeconômica. Se nós não fizermos isso não vamos conseguir de maneira alguma garantir a valorização do negro, a inserção no mercado de trabalho e muitas coisas que a gente ganha a partir do sistema de cotas.

CMT: Os atores, os jogadores negros acabam sendo vítimas constantes de preconceito, podemos citar o caso da atriz Taís Araújo que em outubro foi vítima de comentários racistas. Se nem os famosos escapam desta realidade, imagina o cidadão comum. Você acha que esses casos deveriam ter importância como os dos famosos?

Elis Prates: Na verdade todos nós temos que ter o mesmo direito. Mas infelizmente isso não acontece. Mas acho que esses personagens públicos vem reforçar este movimento contra o racismo. Talvez até muito mais do que uma pessoa comum, mas acho que todas as pessoas que sofrem esses ataques nas redes sociais ou pessoalmente tem sim que denunciar e que garantir seus direitos.

CMT: Você acha que a rede social é uma forma de disseminar o preconceito?

Elis Prates: Muitas pessoas acham que estão se escondendo nas redes sociais, mas hoje não existe essa possibilidade. Tanto é que as pessoas desse último ataque a Taís Araújo já estão sendo identificadas. É ingenuidade da pessoa que pensa que vai estar escondida atrás da tela de um computador ou de um celular. Isso não é possível, tem que pensar muito bem antes de fazer a bobagem de denegrir a imagem de alguém.

CMT: O quanto o Brasil e o Mundo precisam caminhar para fazer com que o racismo deixe de existir?

Elis Prates: Temos muito que caminhar. Mas penso que a base ainda está na família, a discussão tem que se dar na família, pois é de lá que saem as pessoas preconceituosas para a sociedade. Então a gente precisa ter essa compreensão das coisas e valorizar mais a questão dos direitos humanos como um todo. Porque a partir do momento desta valorização integral da pessoa humana é que vamos acabar com todo tipo de preconceito.

CMT: Como você acha que deve ser tratada a pessoa que comete preconceito?

Elis Prates: Ela tem que ser punida, pois está infligindo uma lei. Mas ela tem que ter na condenação a obrigação de passar por um processo de reeducação para compreender que o que está fazendo um crime, que o que está fazendo é errado. Que ela possa mudar a visão que tem sobre o assunto.

CMT: Nossas leis são suficientes para combater o racismo, precisamos de mais leis ou precisamos da efetividade das que existem?

Elis Prates: Precisa de efetividade. As leis estão postas, elas são boas e eu acredito que talvez uma ou outra seja necessária, mas a partir das leis que nós temos seriam suficientes. Mas elas faltam ser cumpridas, implantadas. 

Redação

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