SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um pedido de vista conjunto interrompeu, nesta quarta (23), a votação, pela diretoria-colegiada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), de um relatório em que técnicos da própria agência recomendam a proibição da venda e do uso de agrotóxicos à base de carbendazim, um dos fungicidas mais usados por agricultores brasileiros no combate a fungos que atacam plantações de feijão, arroz, soja e de outros importantes produtos agrícolas.
O documento que propõe o banimento do carbendazim foi apresentado pela diretora Cristiane Rose Jourdan durante a 3ª Reunião Ordinária Pública da diretoria da agência nesta quarta-feira. Cristiane é a relatora do processo de análise de impacto regulatório iniciado em dezembro de 2019, para reavaliar aspectos de segurança do fungicida. O laudo foi formulado por técnicos da gerência-geral de toxicologia. As informações são da Agência Brasil.
Segundo o relatório, o carbendazim "possui aspectos toxicológicos proibitivos de registro, não sendo possível estabelecer um limiar de dose segura para a exposição [humana]". Entre os aspectos listados pelos técnicos da Anvisa e enfatizados por Cristiane está o potencial do agrotóxico de provocar câncer, prejudicar a capacidade reprodutiva humana e afetar o desenvolvimento.
"Importante pontuar que as análises realizadas [pela gerência-geral] basearam-se em evidências técnicas e científicas, incluindo estudos e relatórios das empresas [fabricantes dos produtos registrados no Brasil] e das principais agências reguladoras internacionais, além da literatura científica e outras referências necessárias", pontuou Cristiane.
O carbendazin encabeça a lista de sete ingredientes ativos de agrotóxicos que a Anvisa pretende submeter à reavaliação toxicológica.
Segundo Cristiane, isto se deve ao fato de que, além de ter sido "enquadrado em critérios potencialmente proibitivos" para obtenção do registro de agrotóxicos, o produto "apresenta comercialização expressiva no país, sendo o ingrediente ativo mais detectado em alimentos, além de representar risco dietético à população". De acordo com a diretora, 24 empresas detêm, hoje, no Brasil, 67 diferentes produtos à base de carbendazim com registro ativo.
"O carbendazim está entre os 20 agrotóxicos mais comercializados no país e tem o uso agrícola como agrotóxico aprovado para a modalidade foliar nas culturas de algodão, cevada, citros, feijão, maçã, milho, soja e trigo. E também para a aplicação em sementes das culturas de algodão, arroz, feijão, milho e soja", explicou a diretora durante a leitura do relatório.
No documento, os técnicos da agência sustentam que, "caso a diretoria da Anvisa opte por não atuar, a população estará em risco em razão da exposição a uma substância que, por suas propriedades, deveria ser proibida conforme a legislação vigente".
Durante a reunião pública desta quarta, a diretoria apenas votaria o teor do relatório para, na sequência, dar prosseguimento ao processo de reavaliação toxicológica, que pode ou não resultar na proibição da produção, importação, exportação, venda e uso do agrotóxico. Uma das etapas do processo, caso ele avance, será a realização de uma audiência pública para discutir com os setores interessados os impactos de uma eventual proibição.
"As empresas detentoras de registros de agrotóxicos poderão ter impactos econômicos imediatos na venda de produtos, uma vez que o ingrediente ativo está entre os 20 agrotóxicos mais comercializados no Brasil. Por outro lado, o uso do carbendazim como fungicida será substituído por um ou mais ingredientes ativos e, no curto ou médio prazo, as empresas poderão, eventualmente, substituir as perdas imediatas pela venda de produtos substitutos", ponderou Cristiane, reconhecendo que, no primeiro momento, pode haver uma alta dos preços dos principais alimentos.
"Os trabalhadores, a depender da quantidade destes [defensivos agrícolas] substitutos, podem vir a ser expostos a uma diversidade maior de ingrediente ativos. Contudo, [é certo que] serão beneficiados pela redução da exposição ocupacional ao carbendazim, um relevante fator de risco à saúde humana", acrescentou.
A deliberação da diretoria-colegiada sobre o teor do relatório de Análise de Impacto Regulatório em que a Gerência-Geral de Toxicologia da Anvisa se manifesta pelo banimento do carbendazim e, consequentemente, pela continuidade do processo de reavaliação toxicológica do produto, foi adiada pelos pedidos de vista da diretora-presidente substituta, Meiruze Sousa Freitas, e do diretor Alex Machado Campos. Os dois elogiaram o relatório e defenderam que alguns agrotóxicos consumidos no país passem por um processo de reanálise, mas destacaram a importância de que todas as dúvidas sobre o tema sejam esclarecidas.