Política

Reforma trabalhista segue no centro das discussões

Foto: Ahmad Jarrah 

A proposta de reforma trabalhista em andamento apresenta diversos aspectos, que podem ser moldados em única lei assuntos de crise econômica, atualização de regras e projeção para um novo cenário de novas relações e “modernização” da legislação no Brasil.

Segundo o juiz titular do Tribunal Regional do Trabalho de Mato Grosso (TRT-MT), André Araújo Molina, a proposta de reforma pelo Poder Executivo teve início em meados de 2016 com alteração em dez normativas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Mas a celeridade do trâmite na Câmara dos Deputados, sem tempo para o debate do tema, levou à inclusão de 100 emendas, transformando o projeto original no que foi votado na semana passada pelos deputados federais, com fragilização das leis, inclusive barrando ações judiciais.

“A reforma dá grande ênfase à negociação coletiva, permitindo negociação direta entre sindicatos e empresas. As normas coletivas retiram outros direitos dos trabalhadores, ao mesmo tempo em que impede que o Poder Judiciário Trabalhista analise e invalide cláusulas maléficas, principalmente relacionadas à flexibilização da jornada de trabalho”, observa.

A proposta de reforma dá prevalência a decisões tomadas em acordos e convenções ante o que é regido por lei. Por exemplo, a elaboração de planos de carreira, tempo de intervalo para o almoço e o banco de horas extras.

A jornada é limitada a 8 horas diárias, 44 horas semanais e 220 horas mensais, podendo haver até 2 horas extras por dia. Pela reforma, a jornada diária poderá ser de 12 horas com 36 horas de descanso, respeitando o limite de 44 horas semanais (ou 48 horas, com as horas extras) e 220 horas mensais.

Também é proposta mudança na contagem do banco de horas. Hoje, o excesso de horas em um dia de trabalho pode ser compensado em outro dia, desde que não exceda, no período máximo de um ano, a soma das jornadas semanais de trabalho previstas, nem seja ultrapassado o limite máximo de 10 horas diárias. No projeto de nova regra, o funcionário poderá ser compensado um prazo de um mês, conforme acordo firmado com empregador.

Para o juiz Molina, a prevalência de convenções e sindicatos trabalhistas deve ser precedida por uma reformulação do modelo dos sindicatos, que podem ficar coagidos nas negociações com empresas pelo poder econômico.

“Ao se dar maior força à negociação coletiva, sem antes ajustar o modelo sindical brasileiro, em tese, haverá negociação formal em condições de igualdade. Mas na prática e na maioria dos casos teremos o poder econômico submetendo inclusive os sindicatos, chegando a ponto de poder-se reduzir diversos direitos, conforme admitido no projeto de reforma”.

Ele diz que no Brasil, hoje, os sindicatos são exclusivos, sem liberdade ao trabalhador para escolher a qual sindicato filiar. Trocando em miúdos, existe apenas um sindicato para representação de categoria. Ou o trabalhador se filia ou fica de fora da participação de discussões coletivas, caso não simpatize com o representante.

Ainda assim, uma vez por ano, o trabalhador em profissão articulada em sindicato fica obrigado a contribuir com a entidade. Pela reforma, a contribuição compulsória é eliminada.

“Teremos, na prática, muitos sindicatos sem nenhuma representatividade, com um número baixíssimo de associados, negociando e renunciando direitos de toda a categoria”, diz Molina.

Texto foi aprovado com mais de 100 emendas

A Câmara dos Deputados aprovou o projeto de reforma trabalhista na madrugada de quinta-feira (27).  O projeto altera mais de 100 pontos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Entre as alterações, a medida estabelece que nas negociações trabalhistas poderá prevalecer o acordado sobre o legislado, e o sindicato não mais precisará auxiliar o trabalhador na rescisão trabalhista.

A prevalência do acordado sobre o legislado é considerada a “espinha dorsal”. Esse ponto permite que nas negociações entre patrão e empregado os acordos coletivos tenham mais valor do que o previsto na legislação. O texto mantém o prazo de validade de dois anos para os acordos coletivos e as convenções coletivas de trabalho, vedando expressamente a ultratividade (aplicação após o término de sua vigência).

Foi alterada a concessão das férias dos trabalhadores, com a possibilidade da divisão do descanso em até três períodos, sendo que um dos períodos não pode ser inferior a 14 dias corridos e que os períodos restantes não sejam inferiores a cinco dias corridos cada um. A reforma também proíbe que o início das férias ocorra no período de dois dias que antecede feriado ou dia de repouso semanal remunerado.

A contribuição sindical obrigatória é extinta. Atualmente o tributo é recolhido anualmente e corresponde a um dia de trabalho, para os empregados, e a um percentual do capital social da empresa, no caso dos empregadores.

A sessão que aprovou a reforma foi aberta na manhã de quarta-feira e se estendeu até depois das 22h, com o final da votação do mérito da reforma. Ainda falta votar os destaques que visam alterar pontos do texto do relator, deputado Rogério Marinho (PSDB-RN). Depois de votados os destaques, o texto segue para o Senado.

Pela oposição, PT, PDT, PSOL, PCdoB e Rede se posicionaram contra o projeto. O PSB, SD e PMB também orientaram suas bancadas a votar contra a aprovação do texto-base. O PHS liberou a bancada. Os demais partidos da base governista votaram a favor do projeto de lei.

Sindicatos dizem que reforma “aniquila” a CLT

Os sindicatos ouvidos pelo Circuito Mato Grosso também questionam a “fragilização” da lei com prevalência de acordos e convenções trabalhistas. Segundo o presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Educação em Mato Grosso (Sintep-MT), professor Henrique Nascimento, a mudança pode levar a pressões de negociações, que desfavorecem o trabalhador.

“A justificativa dada pelo governo é que a reforma é para impulsionar o emprego, mas o problema é que as negociações não vão ser amparadas por nenhuma lei e no caso de pessoas que aceitarem o emprego com uma negociação diferente, por exemplo, com salário menor, isso pode levar a uma mudança de todo o quadro”, aponta.

James Rachid Jaudy, membro do Fórum Sindical, afirma que a alteração das leis trabalhistas retira a garantia social dos trabalhadores, visto que se sentirão pressionados a aceitar oferta apertada de negociação.

“Um executivo, por exemplo, pode subir de nível na empresa, mas com o salário de ‘piso de fábrica’. Se não houver lei que garanta negociação trabalhista, ele pode sair de um salário correspondente ao cargo para o ‘piso de fábrica’. Isso leva a uma regressão profissional”.

Ambos contestam a possibilidade de mulher grávida trabalhar normalmente. Afirmam que a mudança representa perda de seguridade à saúde e pode acarretar problemas na gestação.

“Está ocorrendo uma deformação dos direitos trabalhistas. É uma medida que aniquila os direitos conquistados pelos trabalhadores nos últimos 200 anos”, critica Henrique Nascimento.

Crise econômica e teto de gastos são apontados como raiz de reforma

Oscarlino Alves, presidente do Sindicato dos Servidores do Meio Ambiente e da Saúde (Sisma), afirma que o governo Michel Temer não tem legitimidade moral para implantar a reforma trabalhista. Ele cita os casos de corrupção investigados pela Justiça e que envolvem a cúpula política no Brasil.

“Os deputados federais não têm base teórica para sustentar a reforma trabalhista. Já estivemos em Brasília para conversar com eles, mas todos correram dos representantes dos sindicatos, para evitar falar sobre o assunto”.

Alves diz que o governo federal busca medida jurídica para resolver o problema econômico da crise. O que, diz ele, não tem cabimento na prática. “O governo quer penalizar dois terços dos trabalhadores para colocar um terço no mercado do trabalho. Mas não cobra as empresas que devem mais de R$ 500 bilhões à Previdência”.

O professor Henrique Nascimento diz que a reforma trabalhista é uma mudança para amarrar a efetivação do teto dos gastos públicos, homologado no fim do ano passado pelo presidente Michel Temer.

“Tanto a reforma trabalhista quanto a da Previdência e a terceirização estão sendo forçadas para que o teto de gastos públicos se realize. Sem essas mudanças, ele não vai para frente”.

Entidades dizem que alterações vão legalizar práticas já realizadas

O superintendente da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo em Mato Grosso (Fecomércio-MT), Evaldo Silva, afirma que algumas alterações propostas na reforma trabalhista vão legalizar medidas já realizadas hoje entre empregador e funcionários.  Os regimes de férias parceladas, de jornada de trabalho de 12/36 horas já são praticados.

“É comum o funcionário pedir ao patrão para tirar férias que não sejam os 30 dias diretos e a gente precisa falar que não pode ou arcar com o passivo trabalhista que pode gerar caso autorize as férias fragmentadas”.

Ele diz ainda que também ocorrem negociações de jornada de 12 horas de trabalho e 36 horas de descanso, em casos especiais de atividades na produção. “Isso não significa que o trabalhador vai perder o direito de ter o descanso. O funcionário é um parceiro da empresa e às vezes é necessária uma jornada diferente para situações específicas”.

A alteração também é elogiada pelo diretor jurídico da Câmara dos Dirigentes Lojistas (CDL) de Cuiabá, Otacílio Peron. O advogado afirma que as mudanças de parcelamentos de férias, de intervalo de jornada diária, não serão imposições das empresas ao funcionário.

“São mudanças que serão negociadas, não é uma determinação, é uma alternativa para que haja a possibilidade de relações diferentes de trabalho”.

Peron diz ainda que a mudança na regra de jornada de trabalho para grávidas tende a corrigir uma distorção. “Hoje, se você contrata uma mulher para o tempo de experiência (três meses) e ela engravida neste período, você não pode demiti-la. A empresa precisa arcar com a situação. Com a reforma, há liberação para trabalho para classificação: baixa, média ou alta”.

Reinaldo Fernandes

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