Circuito Entrevista

Redução da maioridade penal não é solução para reduzir violência

Fotos: Andréa Lobo

Crimes cometidos por menores infratores aumentaram nas cidades de Cuiabá e Várzea Grande, conforme dados levantados pela Secretaria de Segurança do Estado (Sesp-MT). Entre os anos de 2013 e 2014, houve acréscimo de quase 8% nas duas maiores cidades de Mato Grosso. Embora os números sejam preocupantes, especialistas defendem que a redução da maioridade penal ainda é algo a ser discutido com cuidado. Para eles, aprovação da lei não é o caminho, e muito menos irá amenizar a violência no país.

Em entrevista exclusiva ao Circuito Mato Grosso, o delegado da Delegacia Especializada do Adolescente, Paulo Alberto de Araújo, analisa o aumento do número de ocorrências, que tem sido gradativo nos últimos anos. Ele lembrou que em 2012 houve um fenômeno inespecífico dos demais anos, o qual acentuou um índice alto na criminalidade entre jovens menores de idade.

Araújo destacou que mais de 70% dos jovens são reincidentes nas unidades prisionais de Cuiabá. Conforme dados da Sejudh, só em 2013 foram contabilizados 689 adolescentes que voltaram para a cadeia em um total de 817.

Embora os números deixem transparecer o aumento da criminalidade provocada pelos jovens no país, o especialista analisa que a aprovação da PEC 171/93 que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos não é o caminho indicado para diminuir a violência no país.

Confira na integra a entrevista com o delegado Paulo Alberto de Araújo:

Circuito Mato Grosso: Como o Sr. analisa o aumento de crimes cometidos por menores infratores em Cuiabá e Várzea Grande?

Delegado Paulo Alberto: Sempre há um aumento de um ano para outro. Só em 2012 que houve um verdadeiro ‘boom’ de ocorrências aqui. Todo ano temos uma média de 3 mil ocorrências, mas em 2012 o aumento foi de 5 mil. Nós não conseguimos identificar o motivo em específico.

CMT: Qual é o perfil desses menores infratores?

DPA: Continuam sendo aqueles que têm renda baixa e que abandonam a escola. O índice de evasão escolar é matéria de perigo público. É fácil falar daqueles que não frequentam a escola ou abandonam a sala de aula, existem políticas públicas para que isso não aconteça. Então, o perfil basicamente é esse: jovens mães, que na maioria dos casos tem pais ausentes, de 30 a 40 anos, que têm filhos com diversas passagens pela polícia. 

Nós começamos a identificar mais jovens adolescentes que têm filhos, mais que nos anos anteriores. Diversos jovens relatam que têm "esposas" grávidas, mas na verdade são garotas que se juntam a eles e tem o mesmo perfil que eles. É preocupante, pois são nascidos da miséria.

CMT: Delegado, e qual é o índice de reincidência destes jovens que são pegos cometendo ilícitos?

DPA: 70% são reincidentes. Eu posso receber mil, dois mil procedimentos no ano, mas o que vai interessar realmente em praticar um fato de maior potencial, em questão da violência genérica é uma faixa de 200. Só que estes 200 eles são reincidentes, quer dizer, que daqueles dois mil, estes 200 vieram três a quatro vezes. 

Já pode ser internado a partir dos 12 anos até os 18 anos incompletos. O ‘jovem adulto’ de até 21 anos também pode ficar internado no sistema, desde que o fato que ele esteja respondendo seja praticado enquanto ele era adolescente.

Se o adolescente cometeu um ato infracional, seja roubo, homicídio, estupro dos 17 aos 18 anos, faltando um dia que seja para completar a maioridade, ele pode ficar até os 21 anos lá dentro, conforme a determinação do juiz.

Há um grande número de reincidência, mas não há um grande número de reincidentes. Os demais meninos são pessoas que têm vínculos com a escola, mas que foram presos devido a ameaça, lesão corporal, entre outros. 

Temos cerca de 1.200 que estão na escola e que não são reincidentes, mas há um grande índice de evasão escolar. Então, temos que focar nos que não frequentam mais as escolas.

Existe ferramentas para combater o crime na adolescência, mas não está dando certo. Tanto que a cada mês os jovens estão ficando cada vez mais violentos. Então temos que identificar porque não está dando certo. 

CMT: O Sr. acredita que falta verbas públicas para desenvolver projetos voltados para a redução do índice de criminalidade destes jovens?

DPA: Verba, se tem ou não, por lei é para ter. O governo gasta com cama, comida, e se o ambiente está caindo em ruínas, o gasto é maior ainda. Então, deve ser visto de forma gerencial. De forma a olhar o próprio ambiente. O que está errado se o Estado oferece tudo para melhorar? Tem jeito? Tem! Estamos falando de seres-humanos e não de animais irracionais. Vejo que é possível, sim, enfrentarmos esta problemática de forma para fazer a diferença. 

CMT: A Comissão de Constituição de Justiça (CCJ) da Câmara Federal aprovou a PEC 171/93, que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos. O Sr. é a favor, acredita que este seja o caminho para diminuir o índice de menores infratores?

DPA: Eu sou totalmente contra. Este não é o caminho, porque estamos tratando de duas questões fundamentais que todos nós sabemos, mas há quem quer retribuir somente a um problema. Uma coisa é a violência, outra coisa é a criminalidade. A violência é social e tudo que está aí é fruto da violência. 

Tem adolescentes de 17 anos que tem passagens desde os 14 anos. Resolveu o problema deles? Não. Pelo contrário. Há casos que a própria mãe encoberta o garoto, porque muitas vezes ela também faz parte do crime que o filho cometeu.

Então, estes jovens sofrem violência em casa. Crescer em um ambiente degradante, como que podemos exigir que o adolescente tenha um comportamento diferente daquilo que ele conheceu? Não tem como. Ele vai ser o produto do meio dele.

Adolescentes presos são frutos da violência, da falta daquele que tem a obrigação de educar, que são os pais, e também o Estado. O Estado estipula mecanismos fiscais que é a voz defensora do povo. Para dar um equilíbrio social na comunidade.

Preocupa muito a questão da redução da maioridade penal. Eu não acredito que diminua a violência. Primeiro porque o Brasil teria que criar estrutura para começar a criar a faixa etária de novos criminosos, caso contrário pegar um adolescente que é privado da presença de uma educação da voz do pai, coloca ele junto com criminosos, ele vai achar muitos pais. Agora, ele já tem toda energia e coragem necessária para introduzir a violência pela falta de experiência e imaturidade, estas são as principais armas contra a sociedade.

Atacar o crime em si não resolve é o social que deve ser atacado, a questão social que deve ser tratada. Eu posso estar enganado, mas tenho a minha convicção que toda essa convulsão que a sociedade tem pela maioridade penal não resolve. O crime nunca vai acabar ou diminuir se você não atuar com o jovem.

Noelisa Andreola

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