A medicina é uma tradição na família de Maria Clara Lemos Santos, de 19 anos, mas a jovem de São Paulo não queria apenas seguir os passos do pai, da mãe e de tios médicos. "No ano passado cheguei a ser convocada em algumas faculdades pelo Sisu [Sistema de Seleção Unificada], mas eram longe e eu não quis. Eu tinha bolsa no cursinho e pensei: 'mais um ano de cursinho não vai matar ninguém'", lembrou a estudante. A decisão, 12 meses depois, teve um resultado inesperado: nesta quarta-feira (28), ela descobriu que não só tinha sido aprovada no vestibular de medicina da Universidade Estadual Paulista (Unesp), mas que passou com a maior nota do curso (93,528), o mais concorrido da instituição, com 222,4 candidatos por vaga.
Ser a primeira da lista do vestibular não é novidade para Maria Clara, que diz ter tirado a maior nota no vestibular da Pontifícia Universidade Católica (PUC), para concorrer a uma vaga na Faculdade de Medicina em Marília (Famema). Ela também já foi aprovada na Faculdade de Medicina de Jundiaí e na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) pelo Sisu, e ainda espera o resultado da Fuvest, que seleciona para vagas na Universidade de São Paulo (USP).
Por enquanto, a jovem ainda não escolheu onde pretende estudar, mas já sabe responder qual foi o segredo de tantas aprovações. "O cursinho é bem difícil, e o segundo ano foi mais difícil do que o primeiro, porque eu sentia que estava preparada, mas não passei nas [universidades] que eu queria. Aí eu disse para mim: 'agora eu sei meus pontos fracos e vou focar nessas coisas para eu melhorar'."
Cinco redações por semana
Após a decisão de fazer um segundo ano de pré-vestibular no Curso Etapa, em São Paulo, ela voltou a se dedicar 100% para as provas, com ênfase no treino da prova de redação. "A aula do cursinho começava às 7h e terminava às 12h30. Eu almoçava em 15 minutos, sentava na sala de estudos, ficava lá até 20h, 20h30. Tinha dia que eu ficava lá até 22h", explica.
Isso de segunda a domingo, lembra ela. "No domingo tinha simulado, sempre tinha uma atividade. Se eu não estava estudando, estava fazendo alguma coisa relacionada a vestibular."
A opção por investir na redação foi uma forma de se manter à frente dos demais candidatos de medicina, que em geral têm mais aptidão para as provas de ciências da natureza. "Acho que redação é um diferencial. Cheguei a fazer cinco redações por semana e tirei a nota máxima em redação na Unesp", comemorou a jovem.
Família de médicos
O pai de Maria Clara é clínico geral e patologista. Sua mãe é hematologista. "Também tenho tios médicos, uma família cheia de médicos, e eu era aquela pessoinha de cinco anos que falava que queria ser médica", explicou ela.
A pressão pelos anos de preparação para ingressar na faculdade de medicina, porém, veio mais dela do que dos parentes. "Meu pai falava: 'Passou? Beleza. Não passou? paciência.' Obviamente todo mundo fica triste quando não tem resultado positivo, mas as pessoas não me pressionavam, a maior pressão vinha de mim."
A especialidade, porém, Maria Clara ainda não escolheu. "Estava esperando entrar na faculdade para decidir", diz ela.
Trotes na medicina
A estudante tem conhecidos dentro da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) e tem acompanhado os debates sobre trotes abusivos e violência sexual contra mulheres estudantes de medicina na instituição e em outras. Ela diz que, apesar de ainda não ter informações suficientes para tomar uma posição, acredita que o diálogo é fundamental para que menos trotes abusivos aconteçam.
"Acho que o diálogo pra procurar essa igualdade entre homem e mulher é essencial. Acho que agora, por causa dessas pessoas que foram atrás, me sinto mais confortável em reclamar. Não me sinto confortável em receber um trote que me humilhe, eu não gostaria disso."
Fonte: G1