Jurídico

Rebeliões mostram má gestão e ineficiência do sistema, dizem criminalistas

A primeira semana de 2017 nem terminou e já traz um saldo de 89 presos mortos em rebeliões — 56 em Manaus (AM), no último domingo (1º/1), e 33 em Boa Vista (RR), na madrugada desta sexta-feira (6/1). Além das mortes, 112 detentos fugiram na capital amazonense.

No Amazonas, a razão da rebelião foi clara: disputa entre as facções Família do Norte (FDN), ligada ao Comando Vermelho (CV), do Rio de Janeiro, e o Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo. Em Roraima, as causas ainda estão sendo apuradas. Segundo a Assessoria de Imprensa da Presidência da República, o presidente Michel Temer conversou com a governadora do estado, Suely Campos, e ofereceu ajuda federal.

Suely informou que a situação já está controlada e que não será necessária a presença federal no estado. Ela agradeceu ainda a liberação de R$ 45 milhões do Fundo Penitenciário pelo governo federal. O valor foi disponibilizado na última semana de 2016 e será usado para a construção de um novo presídio e para comprar equipamentos e armamentos para a polícia estadual.

Apesar das nuances de cada caso, um ponto parece ser comum às duas barbáries vistas em rede nacional: as rebeliões são resultado da má gestão dos recursos públicos destinados às penitenciárias e da ineficiência do sistema carcerário, que não ressocializa seus internos, mas os capacita ainda mais para cometer os mesmos ou novos delitos.

Entre os fatores que corroboram essa falência institucional estão o jogo de repassar a responsabilidade, disputado por autoridades federais e estaduais, a superlotação das unidades prisionais e a falta de controle sobre o que entra nas penitenciárias (armas, drogas e celulares). Dados de 2016 do Conselho Nacional de Justiça apontam que o Brasil tem 622 mil presos, sendo a quarta maior população carcerária do mundo, atrás apenas da Rússia, da China e dos Estados Unidos.

“A sociedade precisa entender que a prisão não é uma panaceia para os nossos problemas cotidianos. Prender alguém não deve ser visto como um fim, mas sim como o início da fase de ressocialização de alguém que errou. A solução do problema carcerário começa por aí”, afirma o criminalista Alexandre de Oliveira Ribeiro Filho, do escritório Vilardi e Advogados Associados.

Do total de presos brasileiros, outra informação também é alarmante: 40% deles são provisórios. Além disso, dados de governos estaduais mostram que, em 2016, ao menos 372 pessoas foram mortas em unidades prisionais, número que tende a crescer neste ano, com as mortes ocorridas em Manaus e Boa Vista apenas nos primeiros dias de janeiro.

Para o também criminalista Daniel Bialski, do Bialski Advogados Associados, o primeiro item a ser examinado não são as falhas, mas a situação prisional caótica do Brasil. “Os culpados e os envolvidos devem ser punidos e responsabilizados, mas devemos aproveitar essa situação para realmente refletir a respeito desses presos que podem ser chamados de meios-cidadãos. Muitos sequer deveriam estar presos ou já poderiam ter obtido benefícios”, diz.

“Digo meios-cidadãos, porque, infelizmente, não está se pensando em melhorar a condição do cumprimento da reprimenda, justamente para tentar frear e evitar a proliferação desses grupos criminosos”, complementa Bialski. Ele ressalta que, independentemente de quem administrava os presídios, novas rebeliões vão ocorrer porque estão relacionadas à briga de grupos criminosos.

“Novamente haverá nivelamento por baixo e, apesar de não dever ser assim, programas futuros deverão selecionar qual preso poderá e deverá ser tratado com distinção, com a chance de poder trabalhar, cumprir sua pena, superar as etapas da ressocialização e integração gradativa com a sociedade”, opina o criminalista.

Já para Fabrício de Oliveira Campos, sócio do Oliveira Campos & Giori Advogados, o problema está na criminalização. “O massacre começa bem antes, com o alto grau de dependência que nossa sociedade tem dos sistemas penais baseados no encarceramento e na cultura da segregação.”

Segundo o advogado, a estratégia deve evitar segregar o preso, mas resgatar sua dignidade e sua cidadania, comprometidas pela condenação, para que ele saia da cadeia pronto para contribuir com a sociedade. Porém, continua Campos, essa mudança depende do comprometimento de todas as esferas governamentais, dos funcionários do sistema penitenciário e de conselhos comunitários, além de promotores e juízes.

“Nesse passo, uma parcimônia maior com a prisão preventiva também ajuda”, explica, destacando que o Supremo Tribunal Federal ajudou a retardar a solução ao permitir que a prisão seja cumprida antes do esgotamento dos recursos, “mesmo diante da enxurrada de condenações que são corrigidas, em termos de tempo de prisão, pelos tribunais superiores, incluindo o STF”.

O advogado constitucionalista Marcus Vinicius Macedo Pessanha, do Nelson Wilians e Advogados Associados, afirma que as duas revbeliões mostram que o Estado Democrático de Direito ainda precisa amadurecer bastante "para sair das páginas da Constituição Federal e fazer parte do dia a dia dos cidadãos”.  Para Pessanha, “lamentavelmente, a concretização dos direitos humanos ainda esbarra na precariedade da legislação criminal e na grave crise institucional e política disseminadas em todos os setores da sociedade".

Federação falida
Para a constitucionalista Vera Chemim, os dois episódios registrados no Norte do país demonstram, acima de tudo, a falência do Estado Federativo do Brasil. Essa quebra institucional, diz a advogada, vem das condições miseráveis em que se encontram muitos presídios brasileiros.

“Partindo do pressuposto de que o número de presos é superior à capacidade de cada presídio brasileiro, não há como um ser humano conseguir suportar o dia a dia sem partir para a violência, consequência mais do que natural e previsível nessas condições”, diz a Vera Chemim.

A advogada afirma que o Estado Federativo brasileiro está doente e que o diagnóstico é complexo e de origem múltipla. “Ressalta-se principalmente a total ineficácia e ineficiência do Estado, enquanto ente federativo responsável pela segurança pública. Trata-se, pois, de uma má gestão de recursos públicos somada ao descaso que gerou a atual situação de incerteza, além do potencial e efetivo risco à vida em que a sociedade se encontra exposta.”

“É uma doença crônica, de natureza estrutural e com a eclosão de uma crise aguda caracterizada por graves disfunções de ordem política, social, moral e econômica que somente será contida com a correta divisão e equilíbrio entre os poderes públicos”, afirma Vera Chemim.

O criminalista e também constitucionalista Adib Abdouni complementa o raciocínio de sua colega destacando que, caso seja comprovada a omissão do Estado em relação às mortes nos presídios, o poder público poderá ser condenado a indenizar as famílias dos mortos, já que a Constituição Federal garante a integridade física do preso.

“É preciso ressaltar que nem todas as pessoas que estão cumprindo pena em penitenciárias pertencem a facções criminosas. O governo federal tem sua parcela de culpa, uma vez que reduziu os repasses para o Fundo Penitenciário. Por outro lado, há muito tempo a polícia já deveria ter utilizado seus mecanismos de inteligência para evitar a aglomeração de membros das facções criminosas num mesmo estabelecimento prisional”, conclui.

O professor Luiz Fernando Prudente do Amaral, do IDP-SP, diz ainda que é possível responsabilizar as empresas que cuidam desses presídios, apesar da responsabilidade do estado. “O fato de o presídio estar nas mãos na iniciativa privada não foi determinante para que o evento ocorresse. Precisamos lembrar que em que pese o fato de o Estado trabalhar com concessão de serviços públicos, é imprescindível que o Estado fiscalize a ação desses agentes da iniciativa privada. ”

Luiz Fernando diz também que é preciso estabelecer em contrato quais são os exatos deveres desses concessionários. “É importante investigar profundamente como foram feitas essas licitações e redigidos esses contratos. Esse é um evento que deve servir de exemplo como aquilo que não pode ser seguido por nenhuma unidade federativa nacional. ”

Fonte: Conjur

Redação

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