Suposto racismo da Folha de São Paulo, o maior jornal do país, agitou os jornalistas do grupo, centenas de intelectuais e outros tantos artistas que entraram na briga.
Um artigo do antropólogo Antônio Risério, baseado em dados coletados principalmente nos Estados Unidos, onde o racismo é mais evidente e também mais agressivo, sugeria a existência aqui de um embrião de “racismo de negros contra brancos”. O que Risério queria, assim entendi, é que o assunto entrasse no debate sobre opressores e oprimidos.
Mas gerou auê; cerca de duzentos jornalistas se manifestaram em um abaixo-assinado, criticando o antropólogo e a aceitação pela Editoria da Folha do texto para publicação. De outro lado mais de setecentos intelectuais e artistas rebateram, pedindo que a ideia do jornalista fosse respeitada.
Um mês antes – a propósito das estatísticas apresentadas pela imprensa sobre a prevalência das mortes violentas de negros em relação aos brancos – eu havia escrito um artigo para a imprensa mato-grossense, sugerindo que a discriminação no Brasil era muito mais social do que racial.
No geral os jornalistas não concordam com esta ideia e muitos deles, como no caso dos da Folha, acham inoportuno dar espaço para os que tentam relativizar ou questionar a origem da opressão a que os negros estão sujeitos na nossa sociedade.
Entretanto ninguém, a menos que seja louco, simpatiza com racismo, mesmo porque tal atitude pode ser considerada criminosa. O que acontece, como opino no artigo “Preconceito Social”, não é negar a discriminação no Brasil, mas sim questionar sua origem, que a meu ver é muito menos da raça do que da situação social do indivíduo: muitas pessoas não são discriminadas por serem pretas ou porque foram escravizadas no passado, mas sim porque são pobres.
Os jornalistas que questionam a publicação do texto pela Folha, têm alguma razão, mas não toda. Se por um lado não convém os meios de comunicação abrirem espaço para todas as posições socialmente sensíveis, sob pena de argumentações mentirosas minarem o entendimento de pessoas menos esclarecidas; por outro, não é interessante aumentar os temas tabu que já temos hoje, sobre os quais não é de bom tom falar ou escrever. De fato, não convém dar palanque para os antissemitas, terraplanistas,antivax cloroquinistas e homofóbicos, sob pena de atrasarmos o processo civilizatório que vai indo bem.
A escravidão, provável causa da pobreza dos negros aqui no Brasil, nada tem a ver com raça. Ela sempre esteve presente no mundo não necessariamente vinculada a etnias, mas ao poder da força e das armas. Brancos, negros e asiáticos escravizaram-se mutuamente, principalmente os vizinhos mais fracos. Tribos obrigaram outras a trabalharem para si e muitos povos fizeram o mesmo com outras nações.
De forma que, um racismo reverso (negros discriminando brancos) que estaria prosperando no mundo – aqui o Risério parece ter razão – não deve ser estimulado, pois ancestrais de atuais oprimidos, podem ter sido opressores no passado e voltar a oprimir no futuro, se não brecarmos o giro dessa roda maluca.
Os chefes de redação precisam ter muito cuidado ao escolher as matérias a serem publicadas. Na democracia todas as verdades podem ser ditas, mas nem todas convêm.
Renato de Paiva Pereira – empresário e escritor