Ao menos R$ 840 milhões foram corroídos pela corrupção em Mato Grosso entre 2010-2015. São esquemas formados a partir da contratação de empresas para o gerenciamento de serviços da Saúde, as Organizações Sociais de Saúde (OSS), que começou em 2010, e fraudes em projetos para obras da Copa do Mundo 2014, cujo controle das negociações, conforme a aproximação da data dos jogos, caiu no desmazelo por falta de fiscalização de órgãos externos. Desse total desviado, a CPI das Obras da Copa pede que empreiteiras devolvam de R$ 541 milhões aos cofres públicos.
Esse valor de R$ 840 milhões pode ser cruzado com base nos relatórios de conclusão das Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs), encerradas em agosto deste ano (a das OSS), e na semana passada (a das obras da Copa), cujos valores apontados pelos presidentes dos grupos somam R$ 841,11 milhões. Nas construções para a Copa, o deputado Oscar Bezerra (PSB) afirma que somente em um estágio de serviços houve fraude de R$ 100 milhões. Ele diz que o projeto dos serviços para telecomunicação estava orçado, originalmente, em R$ 17 milhões, mas nos documentos analisados na CPI os valores aparecem em R$ 120 milhões.
“Os itens de telecomunicações, telefonia, informática e elétrica foram contratados tanto para o Consórcio Santa Bárbara/Mendes Júnior, quanto para o Consórcio C.L.E. no valor de R$ 17 milhões e passaram para R$ 120 milhões, com a conivência do projetista do consórcio executor e do governo”, pontua.
Segundo Bezerra, houve fraude também no projeto de fundação da Arena Pantanal, em algum momento, no trâmite dos documentos em Brasília, ainda nos estudos de definição da estrutura do estádio. O deputado diz que a soma de “excessos” na obra ficou na casa dos R$ 120 milhões. No caso das estacas para base da estrutura, o sobrepreço foi de aproximadamente R$ 20 milhões.
“Para a produção do anteprojeto da Arena foi contratada uma empresa por R$ 500 mil. Quatro meses mais tarde outra empresa foi contratada por mais de R$ 20 milhões para fazer o mesmo serviço da anterior. Na etapa seguinte, fizeram 64 sondagens de preços para ver quais metodologias de estacadas seriam usadas. Colocaram no projeto que seria a estaca raiz, que é um modelo mais barato. Mas, no projeto de execução, para subir o valor, as estacas eram um modelo helicoidal, que é muito mais caro. Só aí houve sobrepreço de mais de R$ 20 milhões. É um negócio enterrado no chão, quem vai saber o que foi feito?”, diz.
Bezerra diz ainda que os processos de licitações das obras para a Copa do Mundo em Cuiabá, as da Arena Pantanal e as de mobilidade urbana, incluindo o VLT (Veículo Leve sobre Trilhos), ocorreram por meio de “jogo de planilhas”, para o direcionamento da concorrência para os consórcios que venceram o certame.
“Eles criaram um valor para licitar a obra com uma equipe que não possuía nenhum tipo de qualificação técnica. Primeiro lançaram no mercado que Mato Grosso iria fazer o VLT no valor de R$ 1, 610 bilhão, valor dado pela equipe que veio ao depoimento [da CPI], mas não soube explicar de onde tirou este valor. Fez pesquisa na internet para saber o material, o valor dos trilhos, do material rodante, completamente furado. A gente entendeu que veio estudo pronto [para a concorrência na licitação], já de interesse de alguém e eles [responsáveis pela aprovação dos projetos no Executivo] apenas chancelaram. E aí veio a empresa que se consagrou vencedora e apresentou um valor de R$ 1,400 bilhão. No projeto dessa empresa, os itens que eles sabiam que não seriam executados vieram com valores lá embaixo, por isso ela foi vencedora”, explica.
A CPI das Obras da Copa pede a devolução de R$ 541,11 milhões das empresas responsáveis pelas execuções dos três maiores projetos da matriz da Copa do Mundo. O VTL, que nem sequer foi concluído, tem o maior sobrepreço, de R$ 315,9 milhões. O deputado Oscar Bezerra afirma que o valor cobrado pelo consórcio para a conclusão das obras é “incabível”.
O conjunto de projetos de mobilidade urbana, que inclui duplicação de avenidas, construção de viadutos e readaptação de vias, com a criação de trevos e retornos para tráfego, por exemplo, soma um pedido de sobrepreço de R$115,5 milhões. Na Arena Pantanal, onde foram identificados pagamentos de obras que ainda não tinham medição, a CPI aponta para fraude de R$ 109,7 milhões.
Saúde perde R$ 300 milhões em contratos com OSS
A CPI das OSS investigou os contratos assinados pela Secretaria Estadual de Saúde com sete empresas filantrópicas para administração de hospitais regionais em Mato Grosso. A transferência de serviços teve início durante a gestão de Pedro Henry na pasta (2011-2012). Conforme o presidente da comissão, deputado Leonardo Albuquerque (PSD), somente em contrato mal elaborados o Executivo sofreu perda de aproximadamente R$ 300 milhões, entre 2011 e o primeiro semestre deste ano. A CPI começou a apuração em 2015.
“A década da perda na Saúde em Mato Grosso começou a partir dos anos 2000. Tudo o que poderia ser feito para que hoje Mato Grosso fosse referência sobre a gestão pública de saúde não foi realizado. Houve contratação de OSS sem nenhum controle, o Estado não mandava na determinação dos serviços, eram as empresas que faziam o que queriam, e isso gerou prejuízos enormes para os cofres públicos”, explica.
No relatório da CPI concluída em agosto deste ano, 55 irregularidades são apontadas pelo grupo de investigação, dentre elas a realização de 11 aditivos para somente um hospital gerenciado por um OSS. Conforme o deputado, as contratações foram possíveis por direcionamento das licitações e por criação de lei estadual, em 2011, que possibilitou a contratação das Organizações de Saúde com precária análise técnica da gestão da rede pública em Mato Grosso.
“Ficou claro na CPI que as OS foram contratadas por influência política, tanto que foi identificada empresa que já vinha sendo investigada dois anos antes de começar suas atividades em Mato Grosso pelas mesmas irregularidades identificadas aqui”.
Ainda conforme o deputado, nos primeiros anos de 2000, o Estado comprou ao menos dois hospitais (São Tomé, Modelo) por um montante de aproximadamente R$ 4 milhões para ampliar a oferta de leitos (UTI, geral e especializado), o que não foi cumprido. Hoje, o déficit de leitos em Mato Grosso está na casa de 1,6 mil.
“Se Mato Grosso tivesse aplicado os R$ 300 milhões de contratos irregulares na construção de hospitais regionais, hoje nós teríamos os quatro hospitais de que precisamos como referência no interior do Estado. Somente um hospital, hoje, consome R$ 20 milhões do governo e não consegue fazer o atendimento necessário”.
“O Estado foi frouxo para fiscalizar os serviços das OS, elas faziam o que queriam e não cumpriram as metas. Esta Casa [Assembleia Legislativa] foi falha em não acompanhar o Estado como órgão de fiscalização e também errou ao aprovar leis que não deveriam ter sido aprovadas. Está tudo errado”, complementa.
Hoje, o governo mantém contrato com duas organizações de saúde em Mato Grosso, e segundo o deputado Leonardo Albuquerque com a utilização do CNPJ das empresas, e que poderá ser cobrado, por meios legais, pagamento do que é realizado de forma nominal.
Agentes políticos usam de tráfico de influência
Os resultados das CPIs da Copa e das OSS sugerem que o tráfico de influência é um dos principais desvios utilizados pelo Poder Público em Mato Grosso para a realização de esquemas de fraudes. Na instalação do VLT, o relatório de investigação aponta que a nota técnica que autorizou a troca de veículo a ser instalado em Cuiabá e Várzea Grande para utilização nos dias dos jogos foi fraudada no Ministério das Cidades, autorizando o repasse dos recursos alocados do BRT para o VLT. A mudança à época provocou um incremento superior 100% nos gastos com o modal e, hoje, o valor estimado está quase quatro vezes acima.
Para o modelo do BRT, primeiro sistema cogitado, a extinta Agecopa, agência responsável pela administração de projetos da Copa, estimava gastos de R$ 450 milhões. Com a transferência para o VLT, o custo ampliou em R$ 1,1 bilhão. Hoje, o Consórcio VLT estima um aditivo de R$ 600 milhões para a conclusão das obras. A soma extrapola a casa dos R$ 2 bilhões.
Conforme o deputado Oscar Bezerra, as obras do VLT iniciaram já com perspectiva de que os serviços listados no projeto não seriam executados no tempo estimado ou sequer teriam lançamento de base.
“Na minha opinião, 85% dos 96 agentes públicos envolvidos no projeto foram usados, mas é lógico que alguém na Secopa (Secretaria Especial para a Copa do Mundo 2014) sabia que o pessoal dos projetos não tinha qualificação para fazer um projeto dessa envergadura e a gente vê que isso já venho encomendado de algum lugar para entrar em Mato Grosso”, disse.
A lista de sugestão de indiciamento da CPI contém sete agentes políticos, 96 agentes públicos, 16 empresas privadas e sete consórcios de empresas. Conforme o resultado da comissão, todos incorreram em crimes administrativos (Responsabilidade na Gestão Fiscal e Responsabilidade Empresarial), cíveis (Improbidade Administrativa) e criminais (Lei de Licitações e Contratos e Código Penal, artigos 29, 299, 312 e 315).
“Cabe aos órgãos competentes analisar e definir se os envolvidos serão julgados por crimes penais, empresariais ou administrativos. O papel da CPI foi investigar as ações do Estado. Mas acredito que, com as provas robustas que a CPI trouxe, os envolvidos vão responder criminalmente”, diz Bezerra.
Na lista de sugestão de indiciados aparecem o ex-governador Silval Barbosa, o ex-presidente da ALMT, José Geraldo Riva, os ex-secretários da Secopa, Eder Moraes e Maurício Guimarães, e os ex-diretores da Agecopa, Yênes Magalhães, Yuri Bastos e Carlos Brito de Lima.
A reportagem procurou o Consórcio VLT para falar sobre o resultado da CPI, mas o grupo informou que irá se posicionar sobre as informações após analisar o relatório.
O deputado Leonardo Albuquerque também diz que foi identificado na CPI das OSS que intervenção de agentes políticos possibilitou a transição da administração direta para o modelo de organizações sociais. Ele diz que falta de fiscalização da própria Assembleia Legislativa facilitou que leis fossem aprovadas sem análise do conteúdo.
“Houve enfraquecimento de toda rede de controle da saúde. Os escritórios responsáveis por acompanhar os serviços dos hospitais regionais foram enfraquecidos e não podiam fazer nada para agir, para cobrar as atividades das OS. Nos planos de saúde, as operadoras têm equipes que acompanham os procedimentos para saber se realmente aconteceu e o que foi usado. Na rede pública de Mato Grosso um mesmo paciente passa mais de uma vez por um mesmo procedimento e em cada um é cobrado um valor do Estado”.