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Quinto dia do júri do massacre do Carandiru recomeça com debates

O conselho de sentença é formado por sete homens. Caberá a eles definir o destino dos policiais que, em 2 de outubro de 1992, integravam as Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota), a tropa de elite da Polícia Militar, e invadiram a Casa de Detenção da Zona Norte da capital para conter uma rebelião. Lá dentro, fizeram mais de 300 disparos. Alguns presidiários morreram com nove tiros. Os réus alegam terem agido em legítima defesa. Nove deles continuam trabalhando na Polícia Militar.

Durante o júri, o número de 26 réus foi alterado para 25, após o falecimento de um dos PMs ser informado pelo TJ-SP.

Em abril deste ano, outros 23 policiais que também eram da Rota foram julgados e condenados a 156 anos de prisão cada um pelas mortes de 13 presos do primeiro andar do Pavilhão 9. Apesar disso, continuam livres. Em 2001, o coronel Ubiratan Guimarães foi julgado e condenado a 632 anos de reclusão por 102 mortes, mas após cinco anos acabou absolvido pela Justiça em novo julgamento. Terminou assassinado em 2006 por razões desconhecidas.

4º dia: último réu

Nesta quinta-feira (1º), aconteceu o depoimento do último réu a se manifestar, o tenente-coronel Salvador Modesto Madia. Em mais de seis horas de perguntas e respostas, ele voltou a negar que seja o responsável pelas mortes dos detentos na Casa de Detenção e reafirmou a versão repetida nos interrogatórios de outros oficiais, de que a ação ocorreu depois que policiais foram feridos por presos.

A Promotoria apontou diversas divergências entre depoimentos prestados anteriormente pelo coronel e a ausência de detalhes no atual interrogatório. “Eu não lembro”, reafirmou na resposta a grande parte das perguntas sobre a localização dos seus atos dentro da casa de detenção.

Interrogado por sua advogada de defesa, Ieda Ribeiro, o réu defendeu a atuação da Rota na contenção da rebelião e refutou a fama de agressividade relacionada à tropa. "Nós não somos melhores do que ninguém. Só temos a predisposição de servir a sociedade mais do que os outros", afirmou. "Todos somos criados por Deus", disse, questionado pela advogada sobre a frase: "Deus cria e a Rota mata". Houve comoção na plateia quando o coronel citou que sua tropa também tem negros, nordestinos e japoneses.

Promotoria e defesa exibiram cada uma um vídeo de cerca de 40 minutos. Em seguida, as partes abriram mão da leitura das peças e a sessão foi suspensa por volta das 22h. Vídeos produzidos pela Promotoria e pela defesa dos réus, com cerca de 40 minutos cada, foram exibidos aos jurados e encerraram a sessão desta quinta, pouco antes de as partes abrirem mão da leitura das peças.

3º dia: silêncio dos réus

O terceiro dia de julgamento foi marcado pelos interrogatórios de quatro dos 25 réus. A exemplo do que ocorreu no primeiro bloco do julgamento, em abril deste ano, apenas parte dos acusados se manifestou, por escolha da advogada de defesa, Ieda Ribeiro.

O primeiro a ser ouvido foi o coronel inativo Valter Alves Mendonça, à época capitão da Rota. Em seu depoimento, ele admitiu que a Polícia Militar não tinha um treinamento específico para entrar no presídio, mas defendeu a tese de ter efetuado disparos apenas como reação à ação dos presos. “Ao dar os primeiros passos, na minha frente vi clarões, ouvi estampidos e senti um impacto no escudo. Nesse momento eu efetuei disparos", contou. Em uma das quatro situações que descreveu como confronto com os presos, o coronel disse ter sido agredido com estiletes e pauladas, mas destacou ter passado apenas 15 minutos dentro da Casa de Detenção.

O então tenente da Rota, e hoje major, Marcelo Gonzalez Marques confirmou que havia um planejamento de intervenção no Carandiru e que a Rota fazia parte dele. “Decidida a invasão, esta inicialmente seria feita pelo (Batalhão de) Choque. Nós erámos uma tropa de reserva, de exceção. Pelo fato de os presos terem efetuado disparos com arma de fogo, nos avisaram que iríamos entrar junto com o Gate”, afirmou o major.

O major disse que foi esfaqueado por um detento e que, por isso, efetuou disparos “para se defender”. "Acredito que havia preso ferido na direção que eu atirei. Efetuei uns quatro disparos”, relatou Marques.

O tenente-coronel Carlos Alberto Santos, que à época do massacre era tenente da Rota, disse ao júri que a atuação da tropa seria o de adentrar ao pavilhão e subir até o terceiro pavimento (segundo andar), para tentar controlar a rebelião. Segundo ele, a ordem teria sido dada após reunião com a direção do presídio. “No andar térreo, não houve resistência nenhuma por parte dos presos. Mas ao adentrarmos um corredor, fomos recebidos por porretes, por estiletes e, pior, por tiros. Nós revidamos em direção de onde partiam estes disparos”, relatou. Inclusive, ele teria sido atingido na perna esquerda durante a ação. “Assim que eu caí, eu já efetuei disparos na direção dos clarões dos tiros”, declarou.

O tenente Edson Pereira Campos, que à época era soldado, disse ao júri que tinha apenas três anos de polícia na ocasião, quando foi designado para portar um escudo à frente da tropa ao entrar no pavilhão do presídio. “Não consigo entender por que respondo por 73 mortes se eu dei apenas um tiro”. “Me recordo que quando entrei (no segundo andar) houve um confronto, houve tiros. Eu tinha certeza de que iria morrer ali. Eu efetuei um disparo. Carregava o escudo com a mão direita e efetuei o disparo com a mão esquerda”, disse.

Choque entra no Carandiru na tarde de 2 de outubro de 1992 - Foto: Arquivo/Diário de S.Paulo2º dia: Fleury e depoimentos sigilosos

Na terça-feira (30), segundo dia do júri, houve o depoimento de duas testemunhas arroladas pela defesa e mantidas sob sigilo, cujos conteúdos das falas não puderam ser acompanhados pelos réus e por jornalistas. O então governador de São Paulo, Luiz Antônio Fleury Filho, também prestou depoimento.

O então secretário de Segurança Pública, Pedro Franco de Campos, afirmou que a entrada da Polícia Militar no presídio foi autorizada por ele, com base nas informações que recebia do coronel Ubiratan Guimarães, comandante da operação, e de Antonio Filardi, à época assessor para Assuntos Penitenciários da Secretaria de Segurança Pública.

"Eu disse ao coronel Ubiratan: 'se houver necessidade de a PM entrar no presídio para controlar a rebelião, o senhor tem autorização. A informação que chegou para mim é que a casa de detenção estava tomada e por isso precisava da intervenção da polícia", contou, nesta terça. "As negociações estariam esgotadas, pelo que fui informado. Não tinha outra alternativa. Ele [coronel Ubiratan] usou a expressão 'caótica'. E depois fui constatar que era mesmo necessária a intervenção da Polícia Militar", disse Campos.

Fleury também reafirmou o que já havia defendido em depoimento anterior, no júri de abril. “A entrada no presídio foi legítima e necessária. Isso eu reafirmo. Eu não dei a ordem, mas se estivesse no meu gabinete, com as informações que eu recebi, eu teria dado a ordem", afirmou.

1º dia: perito e o confronto

O perito da Polícia Técnico-Científica de São Paulo Osvaldo Negrini Neto foi ouvido no primeiro dia de julgamento, na segunda-feira (29), e afirmou que a versão dos PMs de que agiram para se defender não se sustenta. Segundo ele, não havia indício de confronto. "Não há nenhuma prova técnica que possa amparar uma versão dessa. Se fosse, estariam as paredes do fundo carimbadas de tiros ou repleto de corpos de policiais no chão, mas não houve nenhum policial ferido, exceto um de raspão, se não me engano", afirmou Negrini Neto.

Negrini contou que foi informado pela cúpula de segurança instalada na diretoria do Carandiru que a situação era insustentável e não havia como fazer perícia naquele momento.  Ele relatou ainda que havia o problema da falta de luz. Quando voltou para fazer a perícia, no dia 9 de outubro daquele ano, os corpos já não estavam lá.

Ao longo do primeiro dia foram exibidos vídeos com depoimentos de ex-detentos que estiveram presentes como testemunhas no primeiro júri do massacre do Carandiru, em abril.

Próximos júris

Em outubro deste ano está previsto o julgamento de 16 então policiais do Comando de Operações Especiais (COE) que mataram oito presos do terceiro andar.
Em janeiro de 2014 deverá ocorrer o julgamento dos 14 PMs do Grupo de Ações Táticas Especiais (Gate) que deixaram 15 mortos e três sobreviventes (respondem por tentativa de homicídio) no quarto andar.

 

G1.Com

 

Redação

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Reportagens realizada pelos colaboradores, em conjunto, ou com assessorias de imprensa.

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