Texto e foto de Valéria del Cueto
Procurei no baú de identidades quem cuidaria do texto dessa semana. Nin-guém se habilitou.
Pluct, Plact, o extraterrestre, está levitando por aí quase torrando os circuitos de seus sofisticados equipamentos inserindo as últimas informações da Vaza-Jato.
Na floresta, o rolo é tamanho que o espaço da Fábula Fabulosa não daria nem para começar a contar o alarido que anda vindo da bandas da Flotropi.
A contragosto sobrou para a cronista desenrolar o texto hoje. Nada de fantasia. Vamos à realidade. Aqui, na Ponta do Arpoador.
E é aí que entra o conceito do “riscado” no caderninho hoje. Numa determinada medida, cada um pode escolher a sua (ir)realidade. Quer ver? Quer dizer, ler?
Hoje é quase fim de outono. Depois de dias cinzentos e muitas chuvas. Aquelas que caem exatamente quando você largou o trabalho (que está pegado), se arrumou e correu para tentar dar uma volta. Mas não consegue passar da portaria do edifício para a marquise dois prédios ao lado, de tanta água. Diluviana.
Eis que abro a janela e dou de cara com um céu azul cintilante! É claro que justo no dia em que tudo acontece no longo percurso das tarefas profissionais. Chuta daqui, dribla dali e aparece a chance de uma pernada até o mar.
Quero ver quem resiste. Eu não. E aqui estou. Pensando nos amigos que gostaria estivessem aqui comigo. Sabe por que? Porque o dia está clássico!
A saber: venta. Mas o sol está radioso. Tem ressaca, mas o mar está para surfistas!
São eles que quebram o fluir natural das ondas que agora, quase quatro horas, já recebem o contra luz dos raios de sol. Nessa época do ano só mais um pouco e ele se esconde atrás dos prédios, bem à direita da paisagem.
Para escrever aqui no pé da Pedra do Arpoador, o entorno é, como sempre, surpreendente.
Uma equipe fotografa um modelo encostado no poste grafitado que compõe a paisagem. Colorido, ele sustenta os holofotes gigantes que miram o mar para as manobras dos surfistas noturnos que frequentam o point. O fotógrafo orienta as caras e bocas do retratado para vender sapatos e tênis.
Do outro lado do banco um banhista entoa um mantra vindo lá do fundo do peito e medita fazendo treinamento vocal em alto e bom som.
Tudo isso não é suficiente, apesar de interferir, no rugido espetacular do mar que já esteve em fúria, mas continua resmungão.
Digo que esse não é o auge da gritaria marítima por saber que, se agora está tudo assim, sacolejante, já esteve pior quando a maré subia e atingia seu pico, horas atrás. Agora, está miando e assim continuará, até virar novamente.
Amanhã (me prometo) chegarei mais o cedo que puder para aproveitar ainda mais as piruetas e os voos dos surfistas. Perco na luz que não estará tão baixa. Recupero com as manobras acrobáticas mais ousadas.
Agora, justo quando chego ao fim do espaço definido para o tamanho da crônica, o sol é escondido por uma nuvem gigante.
Com ela volto ao início do fio. Aprendi a lidar com a vida para compor a realidade que me cabe e, com o fim da luz, me despeço.
Vou ali, brincar de fantasia. Nela, não há limites. Nem tempo como o tempo que vivemos. Ruim, tão ruim…
*Valéria del Cueto é jornalista, fotógrafa e gestora de carnaval. Da série “Arpoador”, do SEM FIM… delcueto.wordpress.com