Do Blog Space News
Graças ao brasileiro Alberto Santos Dumont, há 110 anos, os céus já não são apenas para os pássaros. Em 1906 ele colocava no ar o primeiro voo tripulado de uma aeronave, o 14 Bis. E neste dia 30 de março, graças ao paulista, Marcos Pontes, há exatos dez anos, o céu de anil não é mais o limite para quem vive nesta pátria mãe gentil! Nesta data, em 2006, Pontes voou ao espaço numa missão de dez dias em comemoração ao centenário do feito de Dumont abrindo assim, um universo inteiro de oportunidades para tantos outros filhos deste solo.
A “Missão Centenário” nasceu de um acordo entre a Agência Espacial Brasileira (AEB) e a Agência Espacial da Federação Russa (Roscosmos) em 18 de outubro de 2005. O principal objetivo deste tratado seria enviar o primeiro brasileiro ao espaço, o tenente coronel aviador Marcos Pontes.
O veículo utilizado para o lançamento da missão foi a nave Soyuz TMA-8, da Roscosmos, e o seu lançamento aconteceu em 29 de março de 2006 (23h30 horário de Brasília) no Centro de Lançamento de Baikonur (Cazaquistão), tendo como destino a Estação Espacial Internacional (ISS).
Orgulho para a nação, Pontes voltou ao planeta Terra com a missão de inspirar sonhos de outros brasileiros que também podem ser astronautas. Basta força de vontade e muito estudo para que os sonhos ganhem asas, ou, no caso, motores de propulsão.
Em outubro de 2015 o astronauta esteve em Mato Grosso participando da Semana de Ciência e Tecnologia.
Veja entrevista:
Space News MT – Quando criança você sonhava em ser piloto, mas quando caiu a ficha de que você queria mais do que ‘só’ o céu?
Marcos Pontes – Desde criança eu tenho o sonho de voar. Voar era a minha primeira ideia E meu irmão foi um grande incentivador nessa área, minha irmã também, mas meu irmão foi mais porque ele mandava cartas para a NASA nos anos 60 e ela respondia, aliás eles respondem até hoje pois têm um andar inteiro só para responder as cartas que chegam do mundo inteiro. Naquela época responderam ao meu irmão com fotos autografadas e fotos da Apolo e ele tinha aquilo no quarto dele tudo alinhadinho na parede. E eu olhava e pensava: quem sabe! Quem sabe um dia! Aquilo foi o começo. Mas eu queria era ser piloto!
E eu sempre tive isso na minha vida com grande incentivo da minha mãe, inclusivem de ter um objetivo grande lá na frente e uma série de objetivos intermediários. Então, ser piloto era um objetivo intermediário.
SNMT – Que conselhos você tem para despertar nos adultos e, sobretudo, nas crianças o interesse pela ciência?
MP – É uma coisa interessante falar sobre isso porque a ciência, ela (risos) você vai dizer que eu ‘puxo a sardinha pra esse lado’, mas, lógico eu acredito na ciência. Ela está em todo lugar que você olha. Mas, muitas vezes alunos e jovens não percebem isso, mas ela está ao redor em Física, Química, Matemática e, quantos mais eventos como este (A Semana de Ciência e Tecnologia de MT) onde você traz a ciência para perto das pessoas e mostra aplicações práticas e pessoas que trabalham com ciência falando de suas vidas. Tudo isso ajuda a motivar estes jovens e os professores também tem que valorizar, pois os professores precisam de motivação para a Ciência e a Tecnologia. Os jovens para as carreiras nessas áreas e os professores para que tenham mais motivação em buscar os assuntos no dia a dia e trazer para a sala de aula. É como e se o dia a dia fosse um grande laboratório que você pode explicar dentro da sala de aula.
SNMT – Teve alguma coisa em sua infância além dos cartazes do seu irmão que te motivou a ser astronauta como eventos desse tipo da Semana?
MP – Sim, não exatamente na área de Ciência e Tecnologia, mas na área de operações, que também é relacionado, evidentemente. Naquela época a gente não tinha esses eventos e o Brasil inteiro ainda carece muito desses eventos, gostaria que houvesse muito mais desse tipo de coisa. Mas, um dia um T-Mail (aviões antigos) pousaram em Bauru (terra natal de Marcos Pontes). E eu era daqueles garotos que vivia olhando os aviões já que não tinha dinheiro para voar e conversando com os pilotos. Aí a esquadrilha da fumaça pousou e eu pequeno, na cerca e um dos pilotos veio até a cerca e passou para fazer plano de voo e passou e olhou para mim e me convidou para ver o avião e eu subi naquele avião cheio de óleo aspergido para fazer a fumaça e ele foi explicando tudo o que tinha dentro do avião. Aquele momento foi muito importante na minha vida.
Para o piloto que, infelizmente, não sei o nome e talvez tenha até falecido já, não foi nada, mas para mim foi importantíssimo. Então, creio que esses momentos em que você consegue inspirar os jovens, às vezes fazendo uma coisa simples como conversar sobre o seu trabalho, tirar uma foto ou explicar algo, para a gente, parece pouca coisa, mas para aquele jovem isso faz uma diferença enorme.
SNMT – Uma palavra então tem o poder de mudar a vida de uma pessoa?
MP – Muda porque uma palavra, uma ideia em que realmente você acredita aquilo vai mudar sua atitude e a maneira como você vê a vida. E essa maneira vai mudar o seu comportamento perante os eventos da vida e o seu comportamento vai mudar seus resultados e seus resultados vão mudar a sua vida, basicamente.
Tudo começa com uma ideia. Por isso que essas palestras motivacionais são algumas das coisas que eu mais gosto de fazer. Gosto muito de voar, mas quando você tem esse contato com as pessoas e percebe que você influencia de uma maneira positiva dentro de um contexto tão negativo que a gente vê no País hoje, ficamos meio pessimistas. Então quando se consegue trazer algo de bom e que as pessoas saiam da palestra com a certeza de que vão fazer algo e conseguir você muda a vida de uma pessoa, aliás, não si de uma porque, a partir dali tem uma família e uma parte da sociedade que vai mudar com ela.
SNMT – E quando o sonho se realiza? O que vem depois?
MP – Outro sonho! O sonho faz parte da vida da gente. Você tem que acordar com um sonho na cabeça e com os olhos brilhando e pensando em fazer alguma coisa. É triste aquela pessoa que vive sem sonhos porque a vida perde o colorido, perde o que se tem de mais precioso da vida que faz o coração bater mais forte. Então sonhos são necessários e bons de ter. Por isso que ao realizarmos um é bom pensarmos em outro sonho e ajudar outras pessoas a realizarem os delas.
De certa forma, cada vez que você ajuda outras pessoas, você se ajuda também. É uma conseqüência muito interessante e positiva. Gostaria que todo mundo pudesse sentir e fazer isso! Talvez assim a gente tivesse um País e um planeta muito melhor!
SNMT – Desde que foi ao espaço o que viu de evolução na área da astronomia?
MP – Olha, vi muitos clubes sendo criados em vários estados, o que eu fico muito contente porque esses clubes ajudam na motivação dos jovens que aprendem coisas novas que ultrapassam de longe o ensinado no currículo das escolas. Agora, na área de Astronáutica ou na área do Espaço, o Brasil deu uma estagnada. Jogou uma ‘âncora’ enorme na área. Então, tem muita coisa para ser feita. O País foi ultrapassado, de longe, por países como a Índia que, há dez anos, estavam bem atrás do Brasil e hoje está muito à frente. Não dá nem para ver a poeira deles mais porque a poeira que deixaram já assentou e a gente está aqui patinando.
Tudo isso por quê? Porque a área de Ciência, Tecnologia e Educação, esse tripé, a área mais importante para desenvolver qualquer país, que é a Educação para formar pessoas qualificadas, Ciência para desenvolver ideias e Tecnologia para podermos transformar ideias em produtos e inovações em empresas e gerar empregos e etc., a gente ainda não aprendeu que isso é importante e não se pode comprometer: orçamentos e projetos baseados em coisas que acontecem que são emergenciais. Qualquer planejamento bem feito tem que contemplar recursos para as coisas do dia a dia com as coisas que podem acontecer como as emergenciais, e tem que contemplar o futuro.
É a mesma coisa que eu chegar para a família de um jovem e dizer que eles têm que guardar dinheiro para o futuro da educação do filho porque é isso que vai modificar a vida dele.
Se ficar somente olhando para trás ou para os lados só tentando tapar buracos não se sabe para onde vai e compromete-se o futuro. E é mais ou menos que eu vejo o Brasil em relação às áreas de Ciência e Educação.
SNMT – Você falou de inspirar pessoas. Foi por isso que criou a Fundação Marcos Pontes? Qual a possibilidade dela vir a ter um braço em Mato Grosso, que é um local tão carente de fomento científico?
MP – A Fundação é uma criança, vamos dizer assim, mas está crescendo forte. Por enquanto atuamos a partir de São Paulo e buscamos algumas atuações fora de lá. Temos uma equipe pequena, mas encontramos sempre voluntários nos locais que a gente vai.
SNMT – E tem como terceirizar (vir para Mato Grosso)?
MP – A gente está tentando expandir essas ações da Fundação e trabalhar também com o desenvolvimento sustentável, que seria não só a Educação, mas também a parte de Ciência ligada ao desenvolvimento sustentável, que a área em que eu trabalho na ONU, onde sou um dos três embaixadores do mundo nesse segmento.
SNMT – Você disse que está muito idoso para tentar participar de uma missão a Marte. Até quantos anos uma pessoa pode tentar ser astronauta?
MP – Para entrar na carreira de astronauta geralmente acontece entre 35 e 43 anos. Antes disso, acontecem alguns casos, acho que o mais novo entrou com 27. Isso por causa de todos os requisitos em termos de formação acadêmica, experiência profissional, que são exigidos antes, geralmente a pessoa consegue ter essas marcas entre 30 e 35 anos. Acima de 43 anos, para entrar é meio raro. Eu conheço só uma pessoa da minha turma que entrou com 47 anos. Já para sair dessa área não tem uma idade limite. Isso não é problema. Eu ainda posso! O cara que eu vi voar mais velho até hoje foi o John Glen, com 77 anos. No meu caso teria ainda 25 anos para tentar voar de novo.
SNMT – E quem prepara esses cidadãos para serem astronautas aqui? A Agência Espacial Brasileira?
MP – Não. A Agência brasileira não tem nenhum centro de treinamento de astronautas. Existem três centros de treinamento atualmente no planeta. Um deles é em Houston/EUA, onde eu fui formado em dois anos de curso. Apesar de eu ser da Força Aérea Brasileira as pessoas confundem completamente o fato de ir para a área espacial por conta disso. A parte de astronauta é civil. É importante dizer isso porque às vezes a pessoa quer ser astronauta, mas pensa que tem que ser militar para isso. Mas não precisa. Eu sou militar da reserva da Força Aérea e posso ser acionado até os 68 anos pela lei. Depois dessa idade estou aposentado. Tem muitos astronautas que vieram tanto da vida militar quanto da civil. Então isso é indiferente.
Para se ter uma ideia a segunda profissão mais comum de astronautas é a de médico. No meu caso fui para lá por concurso público. O Brasil entrou no Programa Espacial Internacional em 1997. Em 1998 a Nasa abriu a turma 17 de astronautas e queria um que fosse do Brasil para manutenção da estação espacial.
Então a Agência Espacial fez um concurso e eu fazia Doutorado na época é Monterrey, na Califórnia. Meu irmão viu o edital do concurso no jornal da cidade e me avisou. Vim ao Brasil e me inscrevi, participei, a Nasa me selecionou e fui para lá onde estou até hoje.
SNMT – Você falou de sua família, mas qual foi o papel da escola para você ser um astronauta hoje?
MP – Quem me conhece às vezes fala que eu sou o ‘xarope’ da educação, porque falo muito nisso, mas eu acredito piamente que a educação é a solução para o País. Para todos os problemas. Principalmente os relacionados com a violência e a segurança. Uma pessoa bem educada, dificilmente vai participar desse tipo de atividade a não ser que seja um psicopata. Educação ajuda na saúde porque uma comunidade bem educada vai ter mais higiene e tomar mais cuidado com certas coisas. Com a Educação se promove melhor emprego e qualidade de vida. A gente precisa melhor esse setor, mas isso não pode ficar só no discurso, isso tem que sair para a prática. Não é possível dizer que vai melhorar a Educação e cortar o recurso disso.
Precisamos que as coisas funcionem nessa área com um currículo adequado para as crianças com um quadro que seja prático para a vida com coisas úteis para a vida e que as escolas tenham estrutura adequada para isso como o ensino de horário integral. Muito bom! Mas as escolas precisam estar preparadas para isso.
Nesse contexto o professor também tem que ser valorizado e cuidado com carinho. Não dá para uma pessoa se dedicar a algo de forma inteira tendo que ter dois a três empregos para se sustentar. Sem educação não há nada!