Política

Quem fiscaliza o TCE de Mato Grosso?

Algumas das sessões mais importantes de Mato Grosso acontecem nas manhãs de terças, quartas e quintas-feiras. Em uma espécie de palco fixo, sete pessoas debatem, sob os mais variados tópicos, um só tema crucial para os 3,376 milhões de mato-grossenses: o uso do dinheiro público repassado para os governos do Estado e municípios.

Entre as muitas questões votadas na terça-feira (22) estava a avaliação de resultados fiscais das despesas com pessoal dos poderes e órgãos constitucionais do Estado entre entidades como a Assembleia Legislativa de Mato Grosso, a Defensoria Pública do Estado, a Procuradoria Geral de Justiça, o próprio Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso (TCE-MT).

A auditoria especial foi realizada para avaliar a fidedignidade dos números lançados como Despesa Total com Pessoal (DTP) nos Relatórios de Gestão Fiscal (RGF), 1º, 2º e 3º Quadrimestres de 2016, dos Poderes e Órgãos Autônomos Estaduais. A decisão da corte de contas foi de julgar extinto o presente processo sem resolução de mérito.

Não é a primeira vez que o TCE-MT extingue um processo que analisa as ações de seus membros. Em 2016, o Tribunal apurou uma denúncia anônima recebida na Corregedoria Geral e que envolvia seis conselheiros efetivos da casa; José Carlos Novelli, Sérgio Ricardo, Waldir Teis, Valter Albano, Antônio Joaquim e o atual presidente da entidade, Campos Neto.  A decisão, divulgada em maio de 2017, foi pelo arquivamento por falta de provas.

Conforme o conselheiro Moisés Maciel, ao longo do processo, a Comissão responsável pela Instrução Sumária não encontrou nenhuma evidência de irregularidades envolvendo os conselheiros. Ele fez questão de destacar a decisão da direção do TCE-MT de determinar o procedimento administrativo de apuração da denúncia anônima, até como forma de demonstrar transparência total. Ele observou também que todo o processo administrativo foi realizado com independência e lisura. Mesmo sendo uma denúncia anônima, como citava seis membros do TCE-MT, a Corte de Contas tratou com muita responsabilidade o caso, disse.

A Corte de Contas é o órgão máximo de controle das contas de praticamente toda a estrutura estatal. Julga e dá pareceres aos gastos de 141 prefeituras. Também cuida do dinheiro empregado por outros poderes, como a Assembleia Legislativa, autarquias, fundações e o próprio governo do Estado. Das suas próprias contas, entretanto, ninguém cuida ou controla, a não ser o próprio TCE.

Nesse quesito, há números nem um pouco desprezíveis. Em duodécimos (relativos ao custeios do mês de janeiro) foram mais de R$ 31 milhões. Desse montante, mais da metade, ou R$ 15.936.175,55, é consumida com o pagamento dos salários dos 698 funcionários ativos do órgão. O duodécimo para custeio e investimentos é de R$ 14.179.197,09.  Ao todo o orçamento do TCE em 2018, foi reduzido em 20%, mas ainda assim é superior aos gastos estaduais com saúde, que não chegam a dois bilhões de reais.

Uma pesquisa do Instituto Bradel, ligado a Fundação Armando Álvares Pentenado (FAAP), revelou que o TCE-MT está entre os sete mais caros do Brasil, perdendo apensa em volume de gastos para estados como Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. A Corte de Contas mato-grossense chega a custar R$ 100 milhões a mais do que a de Mato Grosso do Sul, estado com habitantes e dimensões semelhantes.

O repasse atual do TCE-MT é de R$ 357.784.472,10, milhões.  A Assembleia Legislativa de Mato Grosso custa R$ 506.845.937,52, o Tribunal de Justiça- R$ 1.016.583.190,00, a Procuradoria-Geral de Justiça – R$ 410.593.989,73 e a Defensoria Pública – R$ 126.268.411,60. O TCE-MT é o terceiro mais caro do estado.

 Um dos pontos que pesam nessa conta são os gastos com os servidores comissionados. O TCE-MT possui 410 cargos de servidores efetivos, 218 cargos exclusivamente de comissionados e 70 cargos comissionados para efetivos. . Os salários deles variam de R$ 2.766,09 (a menor remuneração) até R$ 14.277,61, a maior, excluindo-se, como já citado, os próprios conselheiros.

O conselheiro substituto do TCE-MT, Luiz Henrique Lima, defende os servidores comissionados do órgão. No início do ano, ele argumentou que esses servidores, a maioria nos cargos por indicação, normalmente de políticos, representam apenas 5,55% do número total de trabalhadores do funcionalismo público, estimado em 100 mil pessoas no Estado (entre efetivos, contratados e comissionados).

“Quanto aos gastos com o pessoal, considero importante desmistificar uma afirmação frequente nos debates públicos sobre o assunto. O de que a redução no número de servidores comissionados ou a redução de sua remuneração é o caminho para reduzir o impacto das despesas de pessoal no Estado. Com efeito, em dezembro de 2017, o poder executivo de Mato Grosso dispunha de 6.365 servidores comissionados, representando 5,55% do total”, disse.

Luiz Henrique Lima também lembrou que a média salarial dos efetivos chega a ser de mais que o dobro dos comissionados, de acordo com estimativa do próprio TCE. “E ao contrário do que tanto se apregoa, no mês de dezembro de 2017, a média remuneratória dos servidores efetivos foi de R$ 8.853 e a dos comissionados foi de R$ 3.657”, continuou.

Para tentar melhorar a própria gestão e dar mais transparências as suas ações, desde o início do ano o TCE-MT vem mudando sua estrutura.  No caso, além da especialização das unidades técnicas, da distribuição igualitária de processos, o assento permanente dos conselheiros substitutos nos órgãos colegiados do Tribunal de Contas, com direito a voz. Essa mudança também foi contemplada no rol de resoluções normativas aprovadas em agosto de 2018.

O projeto do novo modelo de atuação do Tribunal de Contas de Mato Grosso foi iniciado em 2016, com a mudança no foco da fiscalização da entidade.  Antes era concentrado, principalmente, em contas anuais dos mais de 600 órgãos jurisdicionados. O foco passou a ser em processos de atos de gestão, segundo critérios de materialidade, relevância e risco.

Também foi dada maior ênfase à fiscalização concomitante, de tal maneira que sobressaiu nos últimos dois anos a atuação cautelar dos conselheiros relatores. A prática isso significa mais autonomia a área técnica do tribunal e menos poder aos conselheiros indicados pelos poderes, como o Governo do Estado e a Assembleia Legislativa.

Os estudos para essa adequação seguiu modelos já utilizados por Tribunais de Contas como o Tribunal de Contas da União (TCU). Estão alinhados com as instruções visando o aperfeiçoamento do controle externo aprovadas em nível nacional pela  Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon).

A última grande alteração da estrutura de fiscalização do TCE-MT havia ocorrido em 2005, com extinção da Secretaria Geral de Controle Externo (Secexs) e criação de seis Secexs generalistas, vinculadas diretamente aos Gabinetes de Conselheiros.

A reformulação aprovada em agosto criou as seguintes Secretarias de Controle Externo: de Administração Estadual, de Administração Municipal, de Atos de Pessoal, de Contratações Públicas, de Saúde e Meio Ambiente, de Educação e Segurança, de Obras e Infraestrutura, de Previdência e de Receita e Governo.

Uma das grandes mudanças é a redução de poder dos conselheiros efetivos sobre as pautas da Secexs. Agora, cada secretaria contará com supervisões temáticas, que no total abrangem 24 áreas especializadas de fiscalização.

A coordenação do trabalho dessas Secexs será feita pela Secretaria Geral de Controle Externo, responsável pela elaboração de um plano anual de fiscalização, a ser aprovado pelo Colegiado de Membros, composto pelos conselheiros, conselheiros substitutos e procuradores de contas. A escolha do secretário-geral e dos chefes das Secexs está, a partir de agora,  condicionada à indicação pela Presidência e aprovação pelo Pleno do Tribunal.  Antes, cada Secex estava subordinada diretamente ao gabinete de um dos sete conselheiros efeitos.

A reestruturação previu ainda redistribuição igualitária da carga de trabalho de processos entre os conselheiros titulares e conselheiros substitutos. Com essa mudança, os conselheiros substitutos, que antes recebiam, para instruir e formular proposta de voto,  somente processos de unidades gestoras de menor volume de recursos orçamentários, agora também terão como atribuição formular proposta de voto em todos os demais processos de unidades gestoras.

A exceção ficará para os processos relativos ao chefe do Poder Executivo,  dos Poderes Legislativo e Judiciário e dos órgãos estaduais autônomos, Ministério Público, Defensoria Pública e Tribunal de Contas, que continuam privativos de conselheiros titulares. 

Se por um lado a fiscalização passará a ser por especialização temática e, em geral, tendo como base atos de gestão, denúncias, representações de natureza interna e externa, consultas, a distribuição de processos entre os conselheiros relatores continuará sendo feito por sorteio, considerando a quantidade de unidades gestoras estaduais e municipais, da Administração direta e indireta.

O tempo de relatoria dos processos também foi reduzido de quatro para dois anos. Assim, um relator ficará apenas um biênio responsável pelas contas de um ente público.

Apesar de toda reestruturação ainda não há uma entidade que regula o TCE-MT. A ONG Transparência Brasil revelou, em estudo publicado em 2017, que oito em cada dez conselheiros de contas do país exerceram mandatos eletivos ou altas funções em governos.  Uma realidade ainda presente na composição do TCE-MT, apesar de parte de seus membros estarem afastados a pedido do Supremo Tribunal Federal (STF).

O levantamento mostra que 23% dos 233 conselheiros e ministros respondem a processos ou já foram punidos na Justiça e até mesmo nos próprios tribunais de contas. Os supostos guardiões do dinheiro público são acusados de fraudar licitações, superfaturar obras e enriquecer ilicitamente. A mais comum acusação que recai sobre eles: improbidade administrativa. Em Mato Grosso, mais da metade dos membros do TCE-MT seguem dentro destas estatísticas.

Resta saber se mesmo sem um órgão controlador a entidade vai conseguir reduzir as denúncias que pairam sob seus membros.

Quase todos conselheiros efetivos sob suspeita

A maneira como são escolhidos os sete conselheiros que mandam no TCE-MT também enseja questionamentos. Hoje, os conselheiros, cujos ganhos, entre salários e benefícios, podem chegar a R$ 60 mil, são escolhidos em uma espécie de rateio entre os poderes.

Três são indicados pelo governador em mandato, mas a aprovação deve ser prévia por parte da Assembleia Legislativa, sendo que um destes é definido necessariamente pelo governador, dois saem ou entre os auditores do próprio TCE (indicados de uma lista tríplice do órgão por antiguidade e ou merecimento) e membros do Ministério Público, em regime de alternância, conforme as vagas forem surgindo.

As outras quatro vagas são escolhidas por indicações da Assembleia Legislativa do Estado. E o cargo é vitalício, com direito à aposentadoria, salvo fatores externos, como o afastamento este ano de seis dos sete conselheiros pelo Supremo Tribunal Federal (STF) devido à delação premiada feita pelo ex-governador Silval Barbosa (PMDB) à Procuradoria Geral da República (um renunciou).

O ex-governador disse que cinco conselheiros do TCE teriam participado de esquema de corrupção em Mato Grosso. E ele deu nomes. Em 2013, enquanto conselheiro Antônio Joaquim teria recebido, em conjunto com Waldir Teis, Sérgio Ricardo, Walter Albano e José Carlos Novelli, o valor de R$ 53 milhões para a liberação do andamento de obras do programa MT Integrado, entre as quais várias da Copa do Mundo 2014, diversas estradas a cargo do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), outras da Petrobras e várias outras.

Normalmente, os critérios para essas indicações são alvo de denúncias formais e informais de barganha política, troca de cargos e venda (por valores por volta dos R$ 4 milhões, em média, mas há quem fale que o preço verdadeiro chega aos R$ 6 milhões) pura e simplesmente. O fato de que ex-deputados, ex-governadores e políticos sem mandato sejam rotineiramente indicados não ajuda a dirimir as suspeitas populares e denúncias na justiça.

Hoje, quem ocupa as sete vagas do TCE são servidores de carreira. A medida é provisória, até que os políticos voltem a indicar novos ocupantes para os cargos. Cada um deles pode contratar um número não revelado de assessores. Em numeração macro, entretanto, o que mostra o Portal da Transparência (de onde saíram, aliás, todos os números apresentados aqui) são 218 cargos exclusivos para serem ocupados por comissionados, indicados pelos conselheiros e ou outros funcionários da corte. Setenta desses cargos comissionados estão ocupados por funcionários efetivos.

Do afastamento recente, somente o atual presidente, Campos Neto, não foi afastado pelo Supremo. Para os lugares dos afastados Valter Albano, Antônio Joaquim, José Carlos Novelli, Waldir Júlio Teis e Sérgio Ricardo de Almeida foram nomeados os conselheiros substitutos egressos de concurso público Isaías Lopes (primeira relatoria), Jaqueline Jacobsen (segunda relatoria), Moisés Maciel (terceira Relatoria) e João Batista Camargo (quarta relatoria).

A medida foi necessária para manter o funcionamento do Tribunal Pleno. Os conselheiros substitutos Luiz Henrique Lima e Luiz Carlos Pereira já haviam assumido interinamente a quinta e a sexta relatorias, respectivamente. O conselheiro Ronaldo de Oliveira continuou conselheiro substituto junto à presidência.

O TCE-MT é um dos poucos do país que mantém como titulares em seu corpo deliberativo apenas conselheiros com indicação política. Os técnicos exercem somente o cargo de conselheiros substitutos adquiridos mediante concurso público. Mato Grosso é um dos últimos estados do Brasil em que o modelo constitucional de composição dos Tribunais de Contas ainda não foi devidamente consolidado.

Uma das próximas disputas na casa será a vaga de Humberto Bosaipo que renunciou em 2014. Desde então, a cadeira movimenta os interesses de diversos candidatos. Mas o debate foi afastado pelas diversas denúncias de venda da vaga que acabaram afastando os candidatos mais afoitos, como o deputado estadual Gilmar Fabris (PSD).

O debate sobre o controle do TCE-MT chegou a ser alvo de críticas do governador Pedro Taques em entrevista à imprensa em 2017. "O TCE, a meu ver, está se permitindo rebaixar mais uma vez. A primeira vez aconteceu quando permitiu as negociatas de venda de vagas, antes veladas e agora reveladas por denúncias que pipocam a todo lado", disse, ao acrescentar que "ali teve de tudo pra ocupar vaga até conselheiro hereditário" numa referência a Campos Neto, que assumiu a vaga do deixada pelo pai, Ary Leite de Campos.

A dança das cadeiras que movimenta a política em MT

Sobre as negociações para as vagas do TCE, a discussão sobre o tema é antiga. Hoje, nem mesmo os pré-candidatos escapam. Uma reportagem publicada há um mês revelava supostas negociações que levaram o MDB a apoiar a candidatura do ex-prefeito de Cuiabá, Mauro Mendes (DEM), ao governo de Mato Grosso.

Segundo a informação da matéria veiculada no jornal A Gazeta, um acordo entre Mendes e o deputado federal e presidente do MDB, Carlos Bezerra, havia sido feito uma semana antes. Esse acordo envolvia recursos financeiros para as campanhas emedebistas nas chapas proporcionais e duas secretarias de Estado de “porteira fechada”.

Além disso, o acordo exigia a filiação do ex-vice-governador Carlos Fávaro (PSD) ao MDB, além da indicação da ex-deputada Teté Bezerra, esposa de Carlos Bezerra, para uma vaga no TCE, além da indicação do ex-secretário Francisco Faiad (MDB) na lista tríplice da Ordem dos Advogados do Brasil em Mato Grosso (OAB) para a próxima vaga de desembargador no Tribunal de Justiça.

Mauro Mendes negou as supostas negociações veiculadas na matéria, disse que jamais participou disso e classificou como mentirosa a notícia publicada. Segundo o agora candidato, a notícia falsa foi publicada a mando de seus adversários, com o propósito de enfraquecer a campanha.

"Essa história é a mais absoluta mentira, uma armação patrocinada, e nós sabemos a serviço de quem ela foi feita. É uma grande mentira, nunca houve esse tipo de negociação. No meu mandato na Prefeitura de Cuiabá, não tive nenhum escândalo de corrupção e nenhum secretário meu foi preso. Felizmente, posso andar de cabeça erguida nesta cidade”', disse.

A fila de aspirantes ao cargo na Corte de Contas é grande.  Já sonharam e ocupar as cadeiras do plenário, ex-mulheres de governadores e deputados, ex-senadores, muitos outros políticos no final de carreira.  Entre os nomes mais controversos estão a ex-primeira-dama do Estado Roseli Barbosa, do vice-governador Chico Daltro (PSD) e o próprio ex-governador Silval Barbosa (PMDB). Outra interessada em bater o martelo nas contas públicas foi a mulher do ex-deputado José Riva, a ex-secretária de estadual cultura Janete Riva. Um ponto comum entre todos são os diversos processos de corrupção e uso indevido do dinheiro público. 

Redação

About Author

Reportagens realizada pelos colaboradores, em conjunto, ou com assessorias de imprensa.

Você também pode se interessar

Política

Lista de 164 entidades impedidas de assinar convênios com o governo

Incluídas no Cadastro de Entidades Privadas sem Fins Lucrativos Impedidas (Cepim), elas estão proibidas de assinar novos convênios ou termos
Política

PSDB gasta R$ 250 mil em sistema para votação

O esquema –com dados criptografados, senhas de segurança e núcleos de apoio técnico com 12 agentes espalhados pelas quatro regiões