Fabrício Queiroz está em passeatas de policiais militares reformados. Reúne-se com líderes de uma comunidade em que vivem agentes aposentados. Encontra-se com políticos e tem até tempo para zombar em bares de derrotas recentes do Flamengo em decisões.
A pergunta "cadê o Queiroz?', feita pela oposição e pela imprensa por um ano e meio, é há um ano respondida pelo próprio em suas redes sociais. Não é mais difícil saber por onde ele anda e onde quer estar no ano que vem: exercendo um mandato na Câmara dos Deputados.
O pivô do escândalo das "rachadinhas" que atingiu a família do presidente Jair Bolsonaro negocia com quatro partidos sua candidatura neste ano.
O objetivo é tentar uma cadeira de deputado federal, embora uma vaga na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, onde foi assessor de Flávio Bolsonaro (PL-RJ) por 12 anos, não seja descartada.
As andanças políticas de Queiroz, que incluem viagens a Brasília e São Paulo, contam com o aval do clã presidencial. Ele se encontrou com Flávio na capital federal para ouvir do ex-chefe se sua candidatura não seria mal vista pela família.
"Falei para ele: 'Vai à luta, você é ficha limpa'. É uma pessoa que tem bons contatos no Rio de Janeiro, tem uma história bacana na Polícia Militar. E agora ainda tem uma exposição gigante. O Queiroz ficou famoso, né?", disse o senador em entrevista ao jornal O Globo.
Amigo de Bolsonaro desde 1984, Queiroz foi apontado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro como o operador financeiro da "rachadinha" no antigo gabinete de Flávio na Assembleia Legislativa.
A investigação foi iniciada após um relatório do Coaf descrever uma movimentação considerada suspeita de R$ 1,2 milhão em 2016 na conta de Queiroz. Ele chegou a ficar preso por um mês em regime fechado e outros oito em domiciliar sob suspeita de interferir nas investigações.
O senador, o ex-assessor e mais 15 pessoas foram denunciados sob acusação de desviar R$ 6 milhões dos salários de funcionários do gabinete para benefício de Flávio. As provas, contudo, foram anuladas pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça) e o caso voltou à estaca zero.
Queiroz manteve discrição mesmo após as primeiras vitórias na Justiça. Até abril do ano passado, suas redes sociais nada exibiam de sua vida no período da investigação.
Foi neste mês que ele viu a filha ser exonerada dois dias após ser nomeada num cargo no governador estadual, comandado por Cláudio Castro (PL), aliado dos Bolsonaro.
A demissão gerou revolta em Queiroz. Desde então, o ex-assessor passou a ser mais ativo nas redes e começou a avaliar se candidatar e comandar o próprio gabinete.
A primeira aparição pública com forte teor político foi na manifestação do 7 de Setembro, convocada pelo presidente com discursos golpistas. Vestindo uma camisa do Brasil, Queiroz foi saudado por aliados e bateu continência para uma foto de papelão de Roberto Jefferson, presidente afastado do PTB.
A sigla neobolsonarista era o destino certo do ex-assessor, mas a disputa interna que eclodiu após a prisão de Jefferson exigiu a busca por outras opções. Ele precisa escolher até o dia 2 de abril, de acordo com a lei eleitoral.
Queiroz pretende fazer dobradinha com o amigo Luiz Carlos Chagas de Souza Júnior, sargento da PM conhecido como Chagas Bola, que deve tentar uma vaga na Assembleia. Ele é coordenador regional da gestão Cláudio Castro (PL) na Barra da Tijuca e Jacarepaguá, área de forte atuação de milícias.
O PM reformado não espera ter o apoio declarado da família Bolsonaro. Teme também que o clã abrace a campanha do sargento da PM Max Guilherme Machado, assessor de Bolsonaro que também pretende uma vaga de deputado federal.
Em sua rede social, Queiroz chamou o policial de mentiroso, por ter omitido num vídeo que conheceu o presidente por meio dele.
"Tem que agradecer a Deus mesmo. Por ter me conhecido, ter te ajudado a ser policial, ter te pegado pelo braço e te dado esse emprego ao lado do presidente. É mérito seu, você é leal. Agradeça a Deus e ao Queiroz. Mentiroso!"
Nas redes sociais, Queiroz usa como seu principal lema a lealdade a Bolsonaro. Há duas semanas, começou a publicar vídeos intitulados "Tribuna do Queiroz", no qual ataca adversários e comenta o noticiário. Num deles, abordou a guerra na Ucrânia, país que para ele tem "um governo comédia".
Ele também exibe encontros com políticos locais, com quem articula sua candidatura. Mostra imagens suas em manifestações de bombeiros e policiais reformados, atualmente em campanha para que um benefício dado a agentes da ativa seja estendido aos aposentados.
A Folha de S.Paulo encontrou Queiroz nesta quinta-feira (10) numa das manifestações. Ele disse que não queria conceder entrevista por ainda estar definindo seu destino político.
O ex-assessor falou há duas semanas com o podcast Nós Tentamos, no qual comenta sua pré-candidatura.
"Não tinha pretensão [política], não. Mas estou vendo o pessoal me abraçando na rua. Todo mundo dizendo: 'Tem que vir. Você é leal'. Eu, leal? Não tem nada de errado lá, não. Se eu falasse alguma coisa eu ia ser canalha. Inventar eu não invento", disse ele.
Queiroz chega a se dizer envergonhado de falar com a família do presidente, em razão dos problemas provocados por sua movimentação bancária.
"Amo aquela família. Tenho o maior respeito. Eles pagaram muito alto. O alvo era eles, não eu. Fui acusado de tudo, mas eu nunca acusei ninguém. Tenho certeza que isso vai zerar, eu confio na Justiça. E aí, sim, vou chegar no presidente e [dizer]: 'Vamos voltar a nossa relação'", disse.
Ele se apresenta como um político conservador e diz que "a direita sabe que não cometi nenhum crime". Reconheceu já ter ouvido nos corredores da Assembleia comentários sobre repasses de salário de funcionários para deputados, mas negou que a prática ocorresse no gabinete de Flávio.
"Nunca existiu transação no gabinete da família Bolsonaro. Eles são incorruptíveis. Isso eu falo e atesto. O problema é meu. Confio na Justiça. Eles [adversários] vão ter que me aturar."